Lula com a mulher Mariza |
“Difícil não é subir”, escreveu o historiador francês Jules Michelet. “Difícil é, subindo, você permanecer o mesmo.”
Acho
que essa frase explica a razão pela qual todos gostam de Lula,
excetuada uma parcela retrógrada da classe média que tem preconceito
contra pobres e nordestinos, sobretudo se eles ascendem.
Escrevi,
no artigo anterior, sobre o oposto: por que Serra é tão amplamente
detestado. Decidi ir para o inverso. Pessoalmente, tenho por Lula uma
admiração moderada e distante. Entrevistei-o algumas vezes no começo dos
anos 1980, quando os metalúrgicos do ABC sob seu comando articulavam as
primeiras greves desde 1964. Nessa época, eu era repórter de economia
da Veja. Achei-o vivamente inteligente: jamais confundi QI com a
aquisição de diplomas.
Raras
vezes votei em Lula. A ocasião em que tive mais convicção para votar
nele foi quando seu adversário era Fernando Collor de Mello. Tive, na
juventude, alguns problemas com o PT. Meu pai disputou a presidência do
Sindicato dos Jornalistas de São Paulo no final da década de 1970 contra
uma chapa formada por pessoas que depois estariam no PT. O candidato
rival de meu pai era Rui Falcão, de quem guardo uma imagem lhana e
delicada. Jogou limpo e perdeu com dignidade. Mas muitos dos jornalistas
que apoiavam Rui me pareceram arrogantes e grosseiros nas assembléias
em que se debatia a greve. Alguns chamaram meu pai de “a voz dos
patrões” porque ele antevira com presciência as enormes dificuldades que
a greve enfrentaria para funcionar. Daí meu incômodo com o PT, que
seria fundado em 1980, pouco depois da eleição do Sindicato de
Jornalistas vencida por papai.
Lula,
talvez por não ser um intelectual, jamais foi o típico petista que vê
(ou via) o mundo de cima para baixo. Num determinado momento, muitos
suspeitaram de que ele seria manipulado pelos intelectuais que o
cercavam e o educavam. O tempo mostrou que isso jamais aconteceria.
Lula, por sua extraordinária liderança, sempre comandou seus
professores. Em nenhum momento foi teleguiado.
À
medida que foi ganhando estatura, mexeu na aparência, mas não no
conteúdo. Aparou a barba, colocou paletó e gravata. Mas não se vendeu.
No começo de minha carreira, circulou uma história que, verdadeira ou
não, mostra como Lula era visto. Uma montadora, no final do ano, teria
deixado um carro na frente da casa de Lula como um presente. O objetivo
era conquistar a aliança de Lula para que as reivindicações dos
metalúrgicos fossem contidas. O carro, segundo a história, foi
prontamente devolvido.
Lula é
simples sem ser simplório. Fala como o brasileiro das ruas genuinamente.
Se numa campanha vai a uma feira comer pastel com os eleitores, parece
que está em seu habitat. Com Serra é o oposto: vê-se que ele, como o
general Figueiredo, o último presidente militar, não gosta muito do
“cheiro do povo”. Serra, para o brasileiro médio, jamais será o “Zé” de
suas campanhas.
Lula, sob
contínuos ataques da mídia no final de seu primeiro mandato, não vergou –
o que é um sinal de força interior. Rumores afirmavam que ele estaria
bebendo cada vez mais, e a ponto de renunciar ou cair como Collor.
Vistas as coisas em retrospectiva, tais rumores soam como piada.
Um
estadista tem que ter musculatura para suportar estoicamente as
agressões. Conta-se que Fouquet, revolucionário francês, dormiu na
sessão da Convenção em que era julgado e corria o risco de ser condenado
à guilhotina.
No poder, Lula foi
essencialmente o mesmo de sempre. Mudou o foco da administração para o
combate à miséria – um ato que lhe dá um lugar de honra na história do
Brasil. Ao mesmo tempo, foi pragmático o bastante para ajudar as
empresas brasileiras – sobretudo as exportadoras. Jorge Paulo Lehman
contou uma vez numa conversa da qual participei que Lula pegou o
telefone e ligou para a embaixada brasileira em Buenos Aires ao saber
que a Anbev de Leman enfrentava dificuldades burocráticas na Argentina.
“Em situações parecidas, o Fernando Henrique dizia que ia resolver o
problema e depois não fazia nada”, disse Leman. Vi também uma vez o
então presidente da Vale do Rio Doce Roger Agnelli contar uma história
parecida.
Lula subiu sem deixar
de ser o mesmo, uma coisa rara como dizia Michelet. Por isso, acima de
todos os outros motivos, é tão amado — e é também em consequência disso
sobretudo que milhões de brasileiros, entre os quais me incluo, fecham o
ano torcendo para que ele se recupere do câncer na garganta tão usada
para defender os trabalhadores.
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