Manda a tradição que o eleitor brasileiro vote em pessoas em lugar do
ideário deste ou daquele partido. De resto, os partidos nas nossas
latitudes sempre funcionaram como clubes recreativos de uma ou outra
turma graúda. Se alternativa digna houve, foi o PT, mas durou pouco. No
poder, portou-se como os demais.
Unidos. A maior personalidade da história política brasileira e quem lhe segue os passos. Foto: José Cruz/ABr |
Deste ponto de vista, as eleições municipais recém-encerradas com o
segundo turno mantiveram-se no leito antigo. Mudou, porém, o peso das
lideranças capazes de influência decisiva. Lideranças autênticas,
diferentes daquelas forjadas pelo populismo mais desbragado, tão
frequentes no passado, mesmo recente. Refiro-me, em primeiro lugar, ao
ex-metalúrgico e ex-presidente Lula, que evoluiu do palanque da Vila
Euclydes para a plateia mundial.
Neste pleito, Lula confirmou o que já é do conhecimento até do mundo
mineral, tirante a mídia nativa. Trata-se da personalidade mais forte da
história política do País, sua popularidade, avassaladora, supera
inclusive aquela de Getúlio Vargas. Dilma Rousseff segue-lhe os passos. A
afirmação peremptória dos candidatos da chamada base aliada resulta
antes de mais nada da boa atuação do seu governo.
Outras figuras começam a ganhar dimensão nacional, como Eduardo
Campos e Cid Gomes, enquanto o momento projeta naturalmente o nome de
Aécio Neves, em quem há tempo CartaCapital reconhece autoridade e tino para conduzir uma oposição moderada e responsável, conforme as conveniências da democracia.
Neste terreno o Brasil ainda engatinha. Não basta a realização
periódica de eleições para provar a maioridade democrática. Outros
fatores surgidos nos últimos dez anos deságuam, contudo, em importantes
avanços, não somente a caminho de uma sociedade menos injusta, mas
também na conquista da consciência da cidadania por um número crescente
de brasileiros. É quanto transparece dos resultados deste pleito
municipal, bem menos provinciano e mais significativo do que se podia
imaginar.
A mídia nativa é a primeira derrotada no embate, antes que o PSDB
paulista e o PT baiano. O espetáculo encenado pelos barões midiáticos e
seus cortesãos na tentativa de mascarar a verdade proporcionou momentos
de involuntário humorismo à altura do teatro do absurdo, sobretudo na
linha de Ionesco, embora sem esconder a expectativa da súbita chegada
de Godot, segundo Beckett. José Serra seria Godot?
Não se exclua a possibilidade, a considerar o tom de editoriais,
colunas, artigos, rubricas. No sábado 27, o editorial de um jornalão
estampava como título: “Resistir é preciso”. De volta de uma viagem ao
exterior, ausente havia duas semanas, sofri um abalo sísmico entre o
fígado e a alma. Supus que a revolução vermelha batesse às portas
liderada por Fernando Haddad. Tragicômico destino de uma direita tão
extremada, tão anacrônica, tão romneyana (de Romney) a ponto de soçobrar
nas ondas do ridículo atroz. Espetáculo a seu modo magnífico, por obra
da incapacidade dos protagonistas de perceber a enrascada patética (do
Pateta de Walt Disney, herói da Editora Abril) em que se atiraram.
Dou agora com a soturna expressão dos bairros paulistanos, ditos nobres
não se sabe por quê. Varridos pelo siroco de um eterno temor e pela
aspiração a se instalarem, pelo menos no modus operandi, entre
Coral Gables e Dubai. Abastecidos com solércia inaudita pelos
evangelhos midiáticos. E agarrados à lembrança de Fernando Henrique
Cardoso e à esperança vã da vitória de José Serra. Estes ninhos tucanos
estão mais para aqueles das andorinhas doentes, iguaria da cozinha
chinesa. Altamente recomendados para o cardápio dos barões midiáticos.
É o ocaso de um PSDB que já foi de André Franco Montoro e Mário Covas e
foi entregue ao cabo a um cínico e um obsessivo e, sustentado pela
fanfarra dos jornalões e revistões, passou a cuidar dos negócios dos
vetustos donos do poder. O mesmo que o cínico e o obsessivo diziam
combater nos seus anos verdes. É nesta moldura que a ribalta cabe a
Aécio, capa desta edição.
Mino CartaNo CartaCapital
Nenhum comentário:
Postar um comentário