Guido Mantega: governo encaminhará nos próximos dias ao Congresso projeto alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias
Por Ribamar Oliveira | VALOR
De Brasília
A presidente Dilma Rousseff informou ontem os líderes da base política do governo no Congresso, durante reunião no Palácio do Planalto, que não gastará toda a receita extra que o Tesouro obteve de janeiro a julho deste ano. Dilma decidiu, com a maior parte desses recursos, elevar o superávit primário deste ano em R$ 10 bilhões. Segundo avaliação da área técnica, no entanto, a presidente deixou uma “gordura” que permitirá uma flexibilização de algumas despesas, principalmente daquelas consideradas obrigatórias, até o fim do ano.
Somente em junho e julho deste ano, a “arrecadação extra” obtida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil somou R$ 14,8 bilhões. Esse “extra” decorreu de antecipações de pagamentos feitos por empresas por conta do chamado Refis da Crise e do pagamento, feito pela Vale, no montante de R$ 5,8 bilhões, referentes a débitos da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Esses recursos foram considerados como arrecadação “extra” deste ano porque não estavam previstos nas estimativas da Receita Federal.
O governo alegou que houve, em junho, uma redução de R$ 3,9 bilhões das chamadas receitas não administradas, principalmente de dividendos de empresas estatais. Essa redução foi entendida, por boa parte dos analistas, como uma forma de “esconder” receita para não ser obrigado a elevar os gastos ou de adiar para o próximo ano uma parte da arrecadação de dividendos.
O “excesso líquido” de receita em junho teria sido, segundo o governo, de R$ 3,9 bilhões. Em julho, a “receita extra” administrada pela Receita Federal foi ainda maior, de R$ 8 bilhões. Ainda não se sabe qual foi a queda da receita não administrada, se é que ela existiu. De qualquer maneira, os técnicos acreditam que houve, nesses dois meses, uma “receita extra líquida” superior aos R$ 10 bilhões que serão utilizados na elevação do superávit primário do governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência).
Uma parte desse “excesso” já foi utilizada na elevação de despesas, conforme o relatório de avaliação de receitas e despesas relativo ao terceiro bimestre, encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional. No relatório, o governo informa que utilizou R$ 1,5 bilhão para cobrir a complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e R$ 1,75 bilhão para pagar despesas de defesa civil e prevenção a desastre e para restos a pagar de créditos extraordinários de exercícios anteriores.
Quando anunciou, em fevereiro, o contingenciamento de R$ 50 bilhões nas despesas orçamentárias deste ano, o governo alegou que a medida era necessária porque a arrecadação prevista não garantiria a meta de superávit primário de R$ 81,76 bilhões do governo central. Como a receita “bombou” nos primeiros sete meses, o argumento não se sustenta mais.
No fim de setembro, o governo terá que encaminhar ao Congresso Nacional o relatório de avaliação de receitas e despesas relativo ao quarto bimestre. Nesse relatório, o governo teria de admitir a existência desse “excesso” de arrecadação e, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), reduzir o contingenciamento dos gastos. Para evitar que isso ocorra, Dilma decidiu elevar a meta de superávit primário. Dessa forma, a presidente impedirá o aumento das despesas.
Para mudar a meta fiscal, Dilma encaminhará ao Congresso nos próximos dias um projeto alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), segundo informou ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Na reunião do conselho político do governo, a presidente pediu apoio dos líderes da base governista para a mudança na LDO.
O esforço fiscal adicional, anunciado ontem por Dilma, não significa, portanto, novos cortes de despesas ou a criação de tributos. Ele será feito unicamente com a decisão da presidente de não gastar toda a receita excedente que já está no caixa do Tesouro Nacional. As fontes consultadas não descartam também a possibilidade de que ocorra novo “excesso” de arrecadação até o fim do ano, o que aumentaria a “gordura” que o governo deixou para bancar eventuais despesas consideradas essenciais.
Em 2008, a arrecadação também apresentou um resultado bem acima do previsto, principalmente em virtude do forte crescimento da economia brasileira, antes da crise internacional. Na época, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva utilizou o “excesso” de receita para criar o Fundo Soberano do Brasil (FSB), medida que indicava despesas no futuro. A presidente Dilma preferiu utilizar parte da receita “extra” para aumentar, simplesmente, a poupança do governo para pagar os juros das dívidas públicas.
Cenário passa a ser benigno para queda de juros, diz Mantega
Por João Villaverde | VALOR
De Brasília
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, aproveitou o anúncio da expansão do superávit primário de 2011, ontem, para passar três mensagens. Ao Banco Central (BC), Mantega afirmou que a melhora do quadro fiscal brasileiro decorrente da ampliação do primário “vem para abrir espaço para a redução da taxa de juros, o que, por sua vez, reduziria os gastos do governo com juros”. Aos parlamentares, o ministro da Fazenda afirmou que o aperto promovido pelo governo “caminha no sentido de impedir que haja elevação de gastos correntes que eventualmente poderiam ser aprovados no Congresso”. Finalmente, aos sindicalistas, Mantega afirmou que a medida não representa corte de gastos. “Trata-se de um ajuste para garantir a geração de empregos, não estamos cortando investimentos ou programas sociais”, disse.
O governo está se preparando para uma recessão mundial que durará de dois a três anos, afirmou Mantega. “Os países ricos, infelizmente, vão crescer pouco. É para neutralizar os problemas que eles vão nos remeter que estamos adotando essas medidas cautelares”, afirmou o ministro, para quem o BC tem, a partir de hoje, um cenário mais benigno para cobrar juros inferiores à atual taxa de 12,5% ao ano.
Segundo Mantega, a meta “atualizada” do superávit primário deste ano, de R$ 127,9 bilhões, deve ajudar o BC a reduzir as taxas de juros, “ainda muito altas” no Brasil. “Mas o BC vai reduzir os juros no médio prazo, quando ele achar que for oportuno, tendo a inflação controlada”, disse. Cauteloso, não quis dimensionar o que considera médio prazo – ” o que considero médio prazo é o que o BC considera médio prazo” – disse o ministro, numa demonstração de sintonia com o BC.
A ampliação em R$ 10 bilhões da meta de superávit primário do governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência) foi definida entre o ministro da Fazenda e a presidente Dilma Rousseff na noite do domingo, em conversa por telefone. Ficou acertado que a medida, que circulara na Fazenda na semana passada, seria apresentada aos dirigentes das seis maiores centrais sindicais e aos parlamentares da base aliada, em duas reuniões no Palácio do Planalto. Sindicalistas e parlamentares reuniram-se ontem pela manhã com Dilma, Mantega, e os ministros da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, Relações Institucionais, Ideli Salvatti, e Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho.
De acordo com um dirigente sindical, Dilma abriu a reunião com a previsão de que a crise internacional se estenderá por mais dois anos. Assim, a resposta do governo deve se concentrar, agora, na política monetária, e não na expansão fiscal. “Trata-se de uma crise totalmente diferente daquela que vivemos e enfrentamos em 2008, por isso temos de atuar de maneira distinta, alterando os paradigmas de nossa política econômica”, afirmou.
Os sindicalistas receberam as medidas com ceticismo. “O governo está tentando encontrar uma alternativa ao grande câncer da economia, que é a elevada taxa de juros”, afirmou Antônio Neto, presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB). Outro dirigente sindical criticou a opção pelo aperto fiscal. “Se para enfrentar a crise de 2008 e 2009 o governo expandiu os gastos e fez desonerações, o que produziu o forte crescimento de 2010, porque agora o expediente mudou?”, disse.
Na reunião com Dilma, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, afirmou que o governo “pode manter uma política fiscal ativa [não rigorosa] e ao mesmo tempo reduzir os juros”.
Hoje, as centrais realizarão atos em frente a sede do Banco Central em Brasília pela redução dos juros. A CUT fará uma manifestação ao meio-dia. As demais, capitaneadas pela Força Sindical, presidida pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), farão uma “sardinhada” às 15h.
União segura investimentos e despesas têm alta moderada
Por Sergio Lamucci | VALOR
De São Paulo
O esforço fiscal da União neste ano também se sustenta em moderação das despesas, embora a grande contribuição venha da disparada das receitas (ver acima). Pelo menos até agora, contudo, o governo federal lançou mão da velha fórmula de segurar principalmente os investimentos, que de janeiro a julho totalizaram R$ 24,5 bilhões, 2,4% a menos que no mesmo período de 2010. As despesas correntes (como aposentadorias, pessoal e custeio) avançam a um ritmo mais fraco que em 2010, mas ainda assim aumentam a uma velocidade superior a dois dígitos.
Para o ano que vem, a expectativa é de nova aceleração dos gastos, já que há medidas contratadas que elevam os dispêndios, como o reajuste de 14% do salário mínimo.
O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, diz que o ajuste fiscal deste ano é de “péssima qualidade e é transitório”, mas considera que se trata do esforço possível. “Pelo lado das despesas, o ajuste se dá em cima da queda nominal do investimento, num ano em que o salário mínimo não teve aumento acima da inflação [o que alivia um pouco gastos com aposentadorias e outras despesas sociais] e em que o governo segura as emendas parlamentares”, resume ele, destacando também a explosão de receitas nos últimos dois meses – foram R$ 37 bilhões de mais receitas líquidas entre junho e julho em relação a igual bimestre de 2010.” Para ele, a decisão de elevar em R$ 10 bilhões o superávit primário é positiva, mas não é um grande sacrifício, dado o recente ganho de arrecadação.
O economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também vê precariedade no ajuste. “Mesmo com a queda dos investimento e sem aumento real para o salário mínimo, as despesas totais ainda crescem 4,5% em termos reais.”
De janeiro a julho, as despesas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) somaram R$ 151,5 bilhões, 10,8% a mais que nos sete primeiros meses de 2010. Apesar de o reajuste nominal do salário mínimo, que impacta dois terços dos benefícios do INSS, ter sido de 6,9% em 2011 os gastos com aposentadorias aumentam quase 11% porque há um crescimento do número de beneficiários de cerca de 4% ao ano, diz Montero.
Os gastos com pessoal subiram 11,1% no período de janeiro a julho, para R$ 104,4 bilhões, uma alta forte, mas que tende a ficar menor no acumulado do ano. Como houve um aumento mais expressivo para uma parte do funcionalismo em julho de 2010, a comparação dos sete primeiros meses deste ano com igual intervalo do ano passado se dá em cima de uma base mais fraca, explica Almeida.
As outras despesas de custeio, grupo sobre o qual o governo tem maior controle (ao lado dos investimentos), tiveram alta de 11,6% de janeiro a julho. É menos que os 23,9% mesmo período de 2010, mas não é um aumento desprezível. Já os gastos com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), onde estão o abono e o seguro-desemprego, subiram 20% no ano, para R$ 19,6 bilhões. De janeiro a julho de 2010, aumentaram 4,9% sobre igual período de 2010.
O economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, vê com bons olhos a decisão do governo de aumentar o superávit primário neste ano, por indicar que o governo optou por não transformar essa arrecadação extra em despesas. Como Almeida e Montero, porém, ele sente falta de medidas fiscais relativas ao ano que vem. O anúncio recente da política industrial, o Plano Brasil Maior, implica renúncias fiscais na casa de R$ 25 bilhões, enquanto o aumento do salário mínimo deve custar mais R$ 23 bilhões aos cofres da União, calcula Almeida, considerando o impacto sobre o INSS e outros programas sociais. “Também é provável que o governo eleve os investimentos em R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões.” Para Almeida, sem aumentos muito fortes de receita, a meta de superávit primário de 2012, próxima a 3% do PIB, não será cumprida. Salto acabou de reduzir a sua previsão de 2,6% para 2,2% do PIB, em função do programa Brasil Maior.
Para Montero e para Salto, a medida anunciada ontem pelo governo não é suficiente para o Comitê de Política Monetária (Copom) baixar os juros na reunião de hoje e amanhã. Montero considera que o BC deve esperar um pouco mais, possivelmente não baixando a Selic nem mesmo no encontro de outubro. A inflação ainda preocupa.
Já o economista-chefe da Votorantim Corretora, Roberto Padovani, viu na decisão da Fazenda um esforço do governo para deixar claro que a combinação de política monetária e fiscal de fato mudou. “É mais um sinal neste ano de que o governo pretende avançar na política fiscal, para dar mais liberdade para a política monetária, o que não ocorre há anos”, afirma Padovani. Para ele, porém, o BC não deve reduzir a Selic na reunião de amanhã e quarta-feira. A instituição, segundo Padovani, costuma antecipar seus passos. Desse modo, o corte tenderia a ocorrer em outubro, acredita ele.
Postado por Luis Favre
Comentários Tags: governo Dilma, Guido Mantega, Juros, política fiscal, superávit primário
Do Blog do Favre.