quarta-feira, 27 de março de 2013

Decisões de olho no Ibope?

Até o momento me abstive de comentar o julgamento do Mensalão. Muito já foi dito sobre o tema e novos comentários só terão sentido após a publicação do acórdão e o exame mais detalhado das razões de decidir de nossa Suprema Corte.
Mas se fazem necessárias algumas considerações sobre os julgamentos do STF após o mensalão. A intensa polêmica que envolveu este julgamento trouxe, uma vez passada a cobertura midiática que sem dúvida não teve paralelo na história mundial, toda uma série de contestações que põem em xeque a qualidade mesma do julgamento. Raimundo Pereira , um dos mais notáveis jornalistas do Brasil impugnou a existência de dinheiro público no esquema com farta documentação e não foi contestado. Paulo Moreira Leite apontou em livro best-seller diversas inconsistências e não foi respondido. O professor de Direito Alaor Leite, em conferência na FGV, criticou a aplicação da hoje famosa “teoria do domínio do fato” em crimes do grupo de delitos de dever, como é a corrupção, e não foi contrariado.
É claro que “juiz fala nos autos” (ou pelo menos deveria ser assim….) e justamente se aguarda a publicação do acórdão para ver as justificativas do STF quanto a estas impugnações jurídicas. Mas enquanto este não é publicado, no lento tramitar de nosso Judiciário, o STF tem tirado do armário julgamentos que aguardavam há bastante tempo e parece que tem buscado manter a empatia com a opinião pública decidindo pela tese que é mais simpática no Ibope…
São os melhores exemplos recentes a ADIN da Emenda 62, a PEC do Calote, relativa ao pagamento dos precatórios e o Recurso Extraordinário que tratava da obrigatoriedade das estatais justificarem os atos de demissão de seus empregados. Ambas as teses vencedoras são altamente simpáticas, seja a defesa das “velhinhas tricoteiras”, credoras dos precatórios, seja a garantia do emprego dos funcionários que fizeram concurso público para entrar nas estatais. A opinião pública aplaude e o Bonner dá a notícia com um belo e amplo sorriso no Jornal Nacional. Mas será mera coincidência que ambos eram processos que se arrastavam há anos , com seguidos pedidos de vista, e foram trazidos à pauta de uma hora para outra ? Será mera coincidência que foram agora julgados numa só sessão, sem novas interrupções , como seria , feliz ou infelizmente, o normal em julgamentos tão complexos e com tantas conseqüências para o país?
Aliás, examinando estes casos ora em concreto, não restem dúvidas de que o STF acertou ao exigir que as estatais e sociedades de economia mista sejam obrigadas a motivar os atos de demissão de seus empregados que fizeram concurso público para serem admitidos. Ao permitir a “ despedida imotivada” nestes casos, autoriza-se o administrador público a agir de forma que na prática frauda a seleção pública e lhe concede um poder de escolher quem trabalha na empresa .
Mas em relação à Emenda Constitucional nº 62, a decisão do STF criou uma situação gravíssima. A Emenda permitiu o avanço dos pagamentos dos precatórios nos últimos anos, já que vinculou um determinado percentual do orçamento ( entre 1 e 2% da receita corrente líquida) ao seu pagamento. Poderia ser lento, mas vinha sendo pago. Agora, voltamos ao estágio anterior. A obrigação é “pagar no próximo orçamento” : 87 bilhões? Com que dinheiro? Mas nem um só centavo é vinculado a este pagamento, chancelando, na verdade, a inadimplência. Teria feito melhor o Supremo se pensasse mais um pouco, se tivesse mais uns dois pedidos de vista para refletir…
Decidir pela tese mais simpática não significa, a priori, decidir certo ou errado. Mas pode uma Corte Suprema de Justiça, que é a guardiã da Constituição num pais, ter esta motivação para decidir?
O mensalão colocou o STF na roda viva da opinião pública, da opinião publicada, dos editoriais de jornal, das demonstrações nas ruas. É da vida, é da política, dirão alguns, mas se o sorriso do Bonner passar a pautar o Supremo…
Antônio Escosteguy Castro
No Sul21


Também do Blog COM TEXTO LIVRE.

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