segunda-feira, 24 de maio de 2010

Crise traz 400 mil brasileiros de volta do exterior

Migração: Desemprego em alta e salários em baixa antecipam volta

Davilym Dourado/Valor
Foto Destaque
Pego de surpresa pela crise, que zerou seus negócios em Londres, o produtor cultural Fernando Tubarão fugiu do inverno europeu e planeja crescer no Brasil

Luciano Máximo e Gustavo Faleiros, de São Paulo e Londres – VALOR

Imigrantes estão acostumados a viver na corda bamba. A milhares de quilômetros longe de casa num fluxo sem fim em busca de sonhos em terras alheias, eles são os primeiros a sofrer com as viradas da economia. Na crise atual, que ainda afeta os Estados Unidos e ameaça se alastrar pela Europa, a população estrangeira nos países desenvolvidos se equilibra entre o aperto das políticas de imigração, desemprego em alta, salários em baixa e, ainda pior, o enfraquecimento do câmbio, que torna desvantajoso enviar dinheiro para ajudar familiares na terra natal ou simplesmente poupar.

A combinação desses problemas explica a queda de novos fluxos migratórios no mundo desde 2008, de acordo com o Banco Mundial (Bird). Mas o retorno em massa não é uma regra, porque as condições de vida nos países fornecedores de imigrantes não mudou muito e há milhões deles já enraizados no exterior, com famílias e relações sociais firmemente estabelecidas. O Brasil, no entanto, pode ser um ponto fora da curva nessa regra. Atraídos pelo bom momento da economia, com recordes de criação de emprego e real valorizado frente ao dólar, ao euro e à libra, 13,5% dos mais de 3 milhões de brasileiros que viviam e trabalhavam fora do país voltaram para casa nos últimos anos.

“Há uma forte demanda [no mercado de trabalho brasileiro], estamos até importando trabalhadores. No setor naval, eu sei que estão importando 200 decasséguis [para atuar no estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco]. Estão voltando para o país vários brasileiros que tinham ido para fora, mais de 400 mil que tinham emigrado estão voltando para trabalhar no Brasil”, afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, durante seminário promovido pelo Valor neste mês, no Rio de Janeiro.

Aloysio Gomide Filho, chefe da Divisão das Comunidades Brasileiras no Exterior do Itamaraty, corrobora o discurso de Mantega, mas não crava um número sobre a importação de trabalhadores. Ele prefere esperar a divulgação, nos próximos meses, de um documento, que está sendo elaborado por cinco ministérios (Relações Exteriores, Trabalho, Educação, Justiça e Previdência), para analisar os impactos da crise para os imigrantes brasileiros. “Concordamos com as avaliações de que o momento positivo ajuda no retorno, mas é importante salientar que ainda não temos números exatos. É difícil dizer se todo brasileiro que volta do exterior é imigrante ou não. Eles têm um perfil muito variado e entre 70% e 80% deles estão em situação irregular, principalmente nos EUA e na Europa, que abrigam mais de 2 milhões de brasileiros”, diz Gomide Filho.

Ele acrescenta que, desde a crise, é possível ter certeza que 60 mil trabalhadores brasileiros no Japão retornaram. Cerca de 20 mil aproveitaram a ajuda do governo japonês, de US$ 3 mil, para decasséguis desempregados que escolhessem deixar o país. “No Japão, podemos afirmar que o movimento é de retorno, porque os trabalhadores estrangeiros têm visto de trabalho. A crise gerou demissão em massa ,principalmente na indústria japonesa de automóveis e eletroeletrônicos e nos estaleiros.”

A socióloga Sueli Siqueira, professora da Universidade do Vale do Rio Doce e autora do livro “Sonhos, Sucesso e Frustrações na Emigração de Retorno – Brasil/EUA”, que trata da emigração brasileira de Governador Valadares (MG), lembra que a crise mundial afetou profundamente o mercado imobiliário, cadeia que absorve grande parte da mão de obra estrangeira nos países ricos. “Quando a crise atinge a construção civil, o fluxo migratório imediatamente se transforma. Há uma redução inicial, porque sem trabalho o custo-benefício da migração deixa de ser positivo, atingindo principalmente o imigrante ilegal, sem documento. Mesmo assim, as pessoas continuam emigrando, porque existem o que chamamos de redes migratórias: pessoas que já estão lá oferecem apoio, como acomodação por um tempo e indicação de trabalho”, explica ela.

Outra forma de apurar a variação do fluxo migratório global, diz Gomide Filho, é pelo volume de remessas e pelos dados de pesquisas de governos e instituições multilaterais. Análises recentes do Bird e da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o envio de dinheiro dos quase 215 milhões de imigrantes em todo o mundo para seus países de origem apresentam queda na passagem de 2008 para 2009, por causa da recessão.

A taxa de desemprego nas nações desenvolvidas, que passou de 5,8% antes da crise para os atuais 8,4%, conforme levantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI), também é evidência importante para identificar um eventual fluxo de retorno. Segundo Jean-Philippe Chauzy, da Organização Internacional de Migração (IOM, da sigla em inglês), grupo não governamental que estrutura planos de auxílio para a volta voluntária de imigrantes a seus países de origem, os impactos são visíveis na América do Norte e na Europa, mas não podem ser generalizados.

“Ao contrário do que se pensa, não há retorno massivo de imigrantes, com exceção de algumas nacionalidades. Por exemplo: metade do 1,4 milhão de novos cidadãos da União Europeia dos países do Leste Europeu, que migraram para o Reino Unido entre 2004 e 2009, está de volta hoje. Também há pequena evidência de retorno em grande escala de imigrantes dos EUA para a América Latina”, analisa Chauzy.

Informações do governo americano demonstram que 850 mil imigrantes irregulares deixaram o país na passagem de 2008 para 2009. “Entre 2007 e 2009, deixaram o país um milhão de residentes ilegais, coincidindo com a recessão econômica”, informa o boletim “Population Estimates”, de janeiro deste ano, elaborado pelo Departamento de Segurança Interna. Em 2009, os EUA tinham 10,7 milhões de residentes nessas condições. Segundo o documento, os EUA têm a maior comunidade estrangeira do mundo, com 31,2 milhões de pessoas entre imigrantes legais e ilegais – 1,5 milhão de brasileiros.

No Reino Unido, cuja presença de estrangeiros corresponde a mais de 10% da população, os pedidos de permissão de trabalho registra redução de 15% desde setembro de 2008. Mas a entrada de estrangeiros supera a saída, embora haja dificuldade em medir isso por causa do enorme número de imigrantes ilegais no país. O consulado brasileiro, que cria uma estimativa a partir do atendimento que faz à comunidade, acredita na existência de 250 mil brasileiros vivendo apenas em Londres.

O produtor cultural paulista Fernando Soares, mais conhecido como Tubarão, vivenciou o início da crise financeira internacional na condição de imigrante brasileiro em Londres. Em 13 anos de Inglaterra, vida na corda bamba nunca valeu como simples metáfora. Ele sempre levou a expressão ao pé da letra: ele fez muita faxina, morou de favor, recolheu copos em inferninhos londrinos, trabalhou como motoboy, foi preso e quase deportado por causa de documentação irregular, driblou a Justiça britânica a ponto de conseguir asilo político.

Em meio a esse turbilhão, ele estudou, se especializou no showbusiness e se tornou um empresário bem-sucedido da área cultural, promovendo eventos corporativos e shows com artistas como Seu Jorge, Simoninha e Jair Oliveira, além de organizar serviços de assessoria para craques brasileiros, seduzidos pelo bilionário futebol inglês, Robinho e Elano entre eles.

Mesmo com um currículo desses, enfrentar uma crise financeira não é tarefa fácil. Ainda em 2008, Tubarão viu praticamente todos os negócios de sua empresa instalada na capital inglesa, a Tuba Productions, serem cancelados. “Quando a situação aperta, entretenimento e cultura são cortados em primeiro lugar”, lembra. Estimulado por amigos e consciente das chances de criar projetos no Brasil, Tubarão planejou sua volta, ainda em dezembro. “No começo vim para ficar cinco meses, era uma forma de fugir do inverno lá e aproveitar o verão aqui até que as coisas melhorassem na Europa.”

Para sua surpresa, recebeu proposta de trabalho no segundo dia em São Paulo e está empolgado com as perspectivas que se desenham para ele. Os passos na corda bamba parecem ter ficado para trás. “Em termos de dinheiro, estou melhor agora do que estava em Londres. Não tinha ideia que poderia ganhar dinheiro com produção cultural no Brasil, uma profissão que não é reconhecida e tem pouca gente qualificada para atuar. Meus projetos com a Europa agora são pontuais”, afirma.

Postado por Luis Favre
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