Paul Marcinkus |
“Não se pode dirigir a Igreja apenas com Ave-Maria.” Nada santa, essa
frase saiu da boca do falecido arcebispo Paul Casimir Marcinkus,
responsável pela gestão, a partir de 1971, do Instituto para as Obras
Religiosas (IOR), conhecido mundialmente como Banco Vaticano. Marcinkus,
responsável por um dos maiores escândalos da história da Igreja,
transformou o Banco Vaticano numa lavanderia de dinheiro sujo e, para
tal tarefa, à disposição de políticos poderosos, empresários potentes,
maçons influentes da Loja P2, cardeais endinheirados e chefões das
máfias siciliana e norte-americana. Para isso, Marcinkus, do Banco
Vaticano, uniu-se a Michele Sindona, da Banca Privata Italiana e
apelidado de “banqueiro da Máfia”, e a Roberto Calvi, do Banco
Ambrosiano e apelidado de “banqueiro de Deus”.
A aliança resultou em quebradeiras de bancos e num inédito, vultoso e
silencioso prejuízo para a Santa Sé. Esse rombo financeiro levou à busca
de novas fontes de arrecadação e inventou-se um extraordinário Ano
Santo em 1983: o ano jubilar, nascido em 1300, era feito a cada 25 anos e
o último havia ocorrido em 1975.
Apesar dos pesares, Marcinkus manteve-se à frente do Banco Vaticano até
1989. Ele sobreviveu no cargo depois do (1) misterioso envenenamento de
Sindona (1986), na cadeia e após sorver, sem saber, uma taça de café com
cianureto, e do (2) assassinato de Calvi (1982), com enforcamento
simulado na emblemática ponte londrina dos Frades Negros.
Pela falta de autópsia e sem acreditar no atestado de parada cardíaca,
muitos ligaram a morte do papa Luciani (João Paulo I), ocorrida em
setembro de 1978, ao IOR, que ele avisou que iria enquadrar no seu
pontificado. Luciani, homem de fé e inconteste retidão moral, não tinha,
quando patriarca de Veneza, concordado com a venda do Banco Católico do
Vêneto para o Ambrosiano, de Calvi, e numa manobra de Marcinkus.
Muito se falou sobre a permanência de Marcinkus no IOR e no pontificado
do papa Wojtyla (João Paulo II). Mas, como sabem até as colunas de
Bernini que abraçam a Praça de São Pedro, do caixa do IOR, com o nihil
obstat de Marcinkus, saíram 100 milhões de dólares para a federação
sindical polonesa Solidarnosc (Solidariedade), dirigida por Lech Walesa,
um ponta- de-lança do papa Wojtyla na cruzada pelo fim do comunismo.
No pós-Marcinkus, e como escreveu Gianluigi Nuzzi no best seller
Vaticano S/A, surgiu um novo e sofisticado sistema de contas cifradas
tendo como artífice o cardeal Donato de Bonis: “Contas cifradas de
banqueiros, empresários e políticos de ponta”.
Para salvar o IOR das chamas do inferno e cuidar de um patrimônio
líquido avaliado em 5 bilhões de euros, o papa Bento XVI confiou a sua
presidência, em setembro de 2009, ao financista católico e docente
universitário Ettore Gotti Tedeschi. A meta de Gotti Tedeschi era adotar
as normas antirreciclagem da União Europeia, mas sucumbiu às
resistências, à força do Conselho de Administração e ao inimigo Tarcisio
Bertone, secretário de Estado desde 2008, carreira grudada à batina de
Ratzinger, e acusação de encobrir, para evitar escândalos na Igreja,
casos de clérigos pedófilos.
Em fevereiro passado, o IOR complicou-se com o sequestro, pela
Magistratura italiana, de 23 milhões de euros. Tudo por suspeita de
lavagem em bancos italianos e em operações proibidas pelas normas
antirreciclagem da União Europeia. No mesmo dia da prisão do mordomo do
papa por posse proibida de documentos secretos e por suspeita de
promover a fuga de notícias, houve a suspensão de Gotti Tedeschi à
frente do IOR e sua substituição pelo brasileiro Ronaldo Hermann
Schmitz, - nascido em Porto Alegre.
A suspensão não foi engolida por alguns membros da Comissão Cardinalícia
de Vigilância do IOR e um braço de ferro está sendo travado com o
cardeal Bertone, que preside a referida Comissão. Por seu turno, Gotti
Tedeschi, com uma vida de serviços de católico prestados no Vaticano,
espera por uma conversa com Ratzinger e já se fala que assumirá outro
cargo de prestígio.
O caso do ex-mordono Paolo Gabriele, que por colaborar poderá obter o
perdão do papa, serviu para deixar em segundo plano o caso do IOR. Como
dizem que o diabo não dorme, um novo foco de incêndio esquenta o
Vaticano e se refere aos sequestros, em 1983 e quando tinham 15 anos, de
Emanuela Orlandi e Mirella Gregori, a primeira nascida e então
residente no Vaticano. Elas continuam desaparecidas e o mais novo filão
investigativo aponta para clérigos pedófilos. Isso a partir de
depoimento do arcebispo Bernard Law, defenestrado de Boston por não
denunciar padres pedófilos.
Os desaparecimentos serão tema de uma próxima coluna. Por enquanto, fica
a lembrança que os magistrados italianos (estão no caso porque Mirella é
italiana e foi sequestrada em Roma) não abandonaram outra pista. Ou
seja, de os sequestros estarem relacionados às operações de reciclagem
do IOR.
Wálter MaierovitchNo CartaCapital
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