Recife (PE) - O programa Encontro com Fátima Bernardes tem sido mesmo irresistível a qualquer manifestação de boa vontade. Irresistível até de risos. A produção não precisava contratar humoristas, como foi noticiado: “para definir o elenco humorístico da atração matinal, Fátima não precisou mesmo de muito esforço. Marcos Veras disse que aceitaria o convite de qualquer forma. ‘Desde que soube que havia espaço para o riso no programa, eu me coloquei à disposição’. Além destes, ‘Encontro’ conta ainda com a participação do humorista Victor Sarro”. Para quê? À sua revelia, o programa possui humor claro, desbragado, sobre as preocupações do mundo daslu.
Não pensem que o colunista exagera. A realidade, escabrosa, já vem prontinha. Se duvidam, olhem só as enquetes, quadros e reportagens do esbarrão no Encontro: “Você dá mesada para o seu filho? Sabe dar o laço perfeito na gravata? Sabe como pintar as unhas da mulher? Como é o processo de adoção de crianças na Inglaterra?” Hem? E mais esta: “Você sabia que no Japão a gorjeta é uma ofensa, mas nos Estados Unidos é obrigação?”. Imagine o leitor passar a vida sem saber as respostas dessas questões fundamentais.
Nos vários sentidos da palavra, o encontro com Fátima Bernardes tem sido mais de encontrão, de choque de corpos. Ou de encontro que é um embate, briga entre coisa nenhuma e quem se achava ser alguma coisa. Mais uma vez, insisto, não exagero.
Nem mesmo em assuntos “femininos” a apresentadora está à vontade. Ao entrevistar profissional que faz unhas, ela, a repórter, humorista sem saber vai mal. Está em pé, e mais de uma vez, a entrevistada passa a impressão de ser mais inteligente que a estrela do programa. Fátima atropela a fala do entrevistado, em mais de uma entrevista, como era costume no Jornal Nacional. Será isso um estilo de entrevistador no comando?
Em outro instante, um quadro de comediantes com improvisações é mais constrangedor que elogio falso a filho de anfitrião. Mais primário que adolescente infantilizado. Na realidade trash da nova comédia, grossa, a graça de Fátima Bernardes fica perdida como se a apresentadora fosse uma barata sob inseticida. A coitada não sabe onde fica no chão, no palco.
Mas vamos ao mais grave. Mesmo quando fala de assuntos sérios, como a adoção de crianças, a estrela global não é técnica, informativa – está bem, isso não é sua praia - nem “humana”, porque o programa deseja mostrá-la diferente. Ela quer ser asséptica, clean, para usar o jargão, de uma realidade humana que não é limpa, nem suave nem pura.
Mais, de um ponto de vista técnico, o desencontro aborda várias pautas, em que uma só delas geraria um ou mais programas, como no caso da adoção. Por quê? É que o Encontro com Fátima Bernardes adota a feição frankestein de um noticiário, de um Jornal Nacional para a família. Mas a apresentadora só se sai bem no regime autoritário, de perguntas fechadas e tempo mínimo do JN. Assim como ela e o marido fizeram na entrevista com a candidata Dilma Roussef, por exemplo.
É incrível como os criadores da Globo levaram meses para produzir um encontro murcho, medíocre. Talvez porque desejassem a reinvenção da roda. Daí que pegaram um rosto conhecido, com aparência de madame frágil, “feminina”, e produziram um desastre. De um ponto de vista teórico, esses criadores dispunham de todas as armas, mas lhe faltaram inteligência e sensibilidade no gatilho, digamos. É claro, considerações estéticas, revolucionárias, humanistas, jamais moveram os produtores. Eles querem o sucesso dos negócios da Globo. O problema é que o ibope – juiz supremo de suas vidas – caiu e ruma para a mesma audiência da simples logomarca, fixa, parada na tela, sem mais nada. Com a imagem do resíduo da inércia.
O mercado – as pessoas que compram e consomem – mudou, e a produção e os chefões não viram. No país que elegeu Dilma Roussef, na terra e no tempo em que surge a memória dos anos da ditadura, em um mundo de crise funda do capitalismo, o Encontro com Fátima Bernardes elegeu e elege a realidade dos estúdios da tevê. Não veem nem sabem que a mulher não é mais a de antes, que mudou para melhor, apesar de todas infâmias sobreviventes. Essa nova pessoa o programa não descobriu, porque fala para uma velha mulher, de classe média, dos anos com mofo. Em pleno ar, entre as 10 e 30 e o meio-dia deste 2012 .
Deveria ser dito, enfim, Encontro com Fátima Bernardes está no ar, mas sem qualquer sustentação. E por isso vem caindo, no ibope e na zombaria.
Urariano MotaNo Direto da Redação
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Globo já se conformou com os desencontros de Fátima Bernardes com o telespectador
O povo não é bobo. Em quatro dias, a audiência do novo programa da Fátima Bernardes despencou. É ladeira abaixo. Quase metade das pessoas que assistiram à atração no primeiro dia não aguentou e a abandonou. Mas não esperem humildade da Globo para reconhecer que o programa é ruim, que os críticos especializados e o público nas redes sociais têm razão. Não esperem também que tenham humildade para admitir o segundo lugar nas manhãs (ou o interesse por ele).
Em um surto de honestidade, Octávio Florisbal, diretor-geral da Globo, chegou a reconhecer o óbvio – que o programa precisa de “ajustes”. Mas durou um só dia: em nota, Florisbal declarou hoje que o programa “tem atingido nossos objetivos de conteúdo e audiência”. Então, tá.
Se for assim, podemos concluir que a emissora está resignada em perder 40% da audiência em apenas três dias. Também significa que já se conformou em ficar no máximo em segundo lugar no horário e a colocar no ar um programa padrão baixo de qualidade. Já pode chamar de “Desencontros de Fátima Bernardes”.
Desencontro entre a Globo e a realidade, entre o programa e o que o telespectador quer ver. Um erro difícil de admitir, uma turma que não muda. Mas que agora, estranhamente, se contenta com o segundo lugar.
No O Provocador
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