O horror vivido pela ministra Eleonora Menicucci contou ao Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais que sofreu em 1971, num quartel de Juiz de Fora, os mesmos castigos aplicados à sua amiga Dilma Rousseff
Belo Horizonte — A presidente Dilma Rousseff não é a única integrante do
atual governo que prestou depoimento ao Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG) relatando as torturas que sofreu no período da ditadura. Nos arquivos localizados no Edifício Maletta, no Centro de Belo Horizonte, também está guardado o processo da ministra Eleonora Menicucci, hoje com 68 anos, nomeada em fevereiro para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Embora sem a mesma riqueza de detalhes contados por Dilma em 2001, o documento referente à ministra reforça o horror vivido pelos militantes de esquerda em Minas durante os anos de chumbo. Eleonora conta que sofreu choques elétricos e socos, além de ameaças psicológicas envolvendo a filha de um ano e quatro meses e o marido.
O depoimento de Eleonora, revelado com exclusividade pelo Correio/Estado de Minas, não foi feito pessoalmente. Em 7 de maio de 2001, ela escreveu as suas agruras ao conselho para reivindicar o direito à indenização de R$ 30 mil oferecida pelo governo de Minas aos que sofreram tortura no estado. No texto, ela relata dois momentos de terror vividos em novembro de 1971 no quartel militar de Juiz de Fora, para onde foi levada presa depois de viajar “brutalmente algemada” num camburão desde o Presídio Tiradentes, em São Paulo. Numa noite, ela foi retirada da cela. “Fui torturada no próprio quartel com choques elétricos, tapas, socos e muita ameaça psicológica de que não voltaria viva para São Paulo, que voltaria separada de Ricardo (Prata Soares, seu marido), que eles me matariam durante a viagem e depois diriam que foi um acidente, que prenderiam novamente a minha filha.”
Em outro momento, Eleonora, que disse no texto não lembrar os nomes dos seus torturadores, conta que pediu ao carcereiro alguma revista para ler e que recebeu como resposta o catálogo telefônico de Belo Horizonte. O carcereiro então lhe disse: “Se quiser ler, leia isto que lhe fará muito bem, é divertido, é uma leitura leve e vocês, terroristas, não necessitam mais que isso, sobretudo as mulheres que têm filhas como você”.
A filha de Eleonora, Maria de Oliveira Soares, é um capítulo à parte nessa história, documentada no curta 15 filhos, disponível no YouTube. Publicitária e produtora que hoje mora em Nova York, ela viveu com a avó até os 3 anos. Só então se reencontrou com a mãe, que era socióloga e militava com o marido no Partido Operário Comunista (POC). Nessa e nas prisões seguintes de Eleonora, os militares ameaçavam matar o marido dela e também voltar a capturar sua filha, tentando arrancar confissões nos interrogatórios.
No filme 15 filhos é contado o drama da ditadura do ponto de vista dos descendentes de militantes políticos que foram presos e torturados. Além de Maria, filha da ministra, a co-produção do filme é da cineasta Marta Nhering, de 48. Aos 6 anos, ela perdeu o pai, Norberto Nhering, morto pelas forças da repressão em São Paulo, na década de 1960. “De início, a ideia era fazer um filme sobre a época da ditadura, mas ao começar a filmar os depoimentos dos sobreviventes começamos a ver que nós, filhos de militantes políticos, contávamos uma história parecida de dor, que havia sido sufocada pela censura”, explica.
Segundo parecer do Conselho Regional de Psicologia, que embasou as decisões do Conedh-MG, os efeitos da tortura são sentidos pelos filhos, netos e bisnetos até a quinta geração de descendentes. Além disso, o percentual de suicídios consumados é até 23% maior entre as gerações posteriores de torturados políticos.
Sem perdão
A ministra deu uma entrevista ontem à noite ao Correio/Estado de Minas. Ela voltava da Rio +20, onde se encontrou a presidente Dilma Rousseff, mas não teve chance de conversar com a antiga companheira de militância em BH sobre a série de reportagens sobre as torturas sofridas em Minas, que disse estar acompanhando. Por telefone, já em Brasília, a ministra fez questão de ressaltar a importância do esclarecimento dos fatos pela Comissão da Verdade para impedir que se repitam episódios de tortura: “A Comissão da Verdade instalada será fundamental para recuperar a memória histórica da época da ditadura. O esclarecimento do que aconteceu naquele período servirá para evitar que se repitam as torturas vivenciadas por milhares e milhares de jovens brasileiros e também as que ainda existem hoje.”
Eleonora não se pronunciou quanto a nome de torturadores e manteve o mesmo tom do que havia dito anteriormente à presidente. E avisa já ter superado a violência sofrida durante o período do regime militar: “Não tenho ódio nem magoa, é um sentimento de não perdão, mas de superação. Sou uma pessoa que consegui superar.”
“Falta de punição é uma carta branca”
O presidente da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wadih Damous, destacou ontem que a tortura a presos comuns está infiltrada no Estado brasileiro desde sempre, mas só ganhou notoriedade quando a ditadura militar a transformou em política de Estado. “A sociedade brasileira tem traços permanentes dessa prática bárbara, independentemente de estarmos vivenciando ditadura ou democracia. Enquanto houver anistia para os torturadores do passado, o problema continuará a existir, porque a falta de punição é uma carta branca aos torturadores do presente”, frisou.
Sandra Kiefer
Eleonora recebe um abraço de Dilma na solenidade de posse como ministra, em fevereiro, no Planalto |
Processo da ministra no Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais |
Belo Horizonte — A presidente Dilma Rousseff não é a única integrante do
atual governo que prestou depoimento ao Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG) relatando as torturas que sofreu no período da ditadura. Nos arquivos localizados no Edifício Maletta, no Centro de Belo Horizonte, também está guardado o processo da ministra Eleonora Menicucci, hoje com 68 anos, nomeada em fevereiro para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Embora sem a mesma riqueza de detalhes contados por Dilma em 2001, o documento referente à ministra reforça o horror vivido pelos militantes de esquerda em Minas durante os anos de chumbo. Eleonora conta que sofreu choques elétricos e socos, além de ameaças psicológicas envolvendo a filha de um ano e quatro meses e o marido.
O depoimento de Eleonora, revelado com exclusividade pelo Correio/Estado de Minas, não foi feito pessoalmente. Em 7 de maio de 2001, ela escreveu as suas agruras ao conselho para reivindicar o direito à indenização de R$ 30 mil oferecida pelo governo de Minas aos que sofreram tortura no estado. No texto, ela relata dois momentos de terror vividos em novembro de 1971 no quartel militar de Juiz de Fora, para onde foi levada presa depois de viajar “brutalmente algemada” num camburão desde o Presídio Tiradentes, em São Paulo. Numa noite, ela foi retirada da cela. “Fui torturada no próprio quartel com choques elétricos, tapas, socos e muita ameaça psicológica de que não voltaria viva para São Paulo, que voltaria separada de Ricardo (Prata Soares, seu marido), que eles me matariam durante a viagem e depois diriam que foi um acidente, que prenderiam novamente a minha filha.”
Em outro momento, Eleonora, que disse no texto não lembrar os nomes dos seus torturadores, conta que pediu ao carcereiro alguma revista para ler e que recebeu como resposta o catálogo telefônico de Belo Horizonte. O carcereiro então lhe disse: “Se quiser ler, leia isto que lhe fará muito bem, é divertido, é uma leitura leve e vocês, terroristas, não necessitam mais que isso, sobretudo as mulheres que têm filhas como você”.
A filha de Eleonora, Maria de Oliveira Soares, é um capítulo à parte nessa história, documentada no curta 15 filhos, disponível no YouTube. Publicitária e produtora que hoje mora em Nova York, ela viveu com a avó até os 3 anos. Só então se reencontrou com a mãe, que era socióloga e militava com o marido no Partido Operário Comunista (POC). Nessa e nas prisões seguintes de Eleonora, os militares ameaçavam matar o marido dela e também voltar a capturar sua filha, tentando arrancar confissões nos interrogatórios.
No filme 15 filhos é contado o drama da ditadura do ponto de vista dos descendentes de militantes políticos que foram presos e torturados. Além de Maria, filha da ministra, a co-produção do filme é da cineasta Marta Nhering, de 48. Aos 6 anos, ela perdeu o pai, Norberto Nhering, morto pelas forças da repressão em São Paulo, na década de 1960. “De início, a ideia era fazer um filme sobre a época da ditadura, mas ao começar a filmar os depoimentos dos sobreviventes começamos a ver que nós, filhos de militantes políticos, contávamos uma história parecida de dor, que havia sido sufocada pela censura”, explica.
Segundo parecer do Conselho Regional de Psicologia, que embasou as decisões do Conedh-MG, os efeitos da tortura são sentidos pelos filhos, netos e bisnetos até a quinta geração de descendentes. Além disso, o percentual de suicídios consumados é até 23% maior entre as gerações posteriores de torturados políticos.
Sem perdão
A ministra deu uma entrevista ontem à noite ao Correio/Estado de Minas. Ela voltava da Rio +20, onde se encontrou a presidente Dilma Rousseff, mas não teve chance de conversar com a antiga companheira de militância em BH sobre a série de reportagens sobre as torturas sofridas em Minas, que disse estar acompanhando. Por telefone, já em Brasília, a ministra fez questão de ressaltar a importância do esclarecimento dos fatos pela Comissão da Verdade para impedir que se repitam episódios de tortura: “A Comissão da Verdade instalada será fundamental para recuperar a memória histórica da época da ditadura. O esclarecimento do que aconteceu naquele período servirá para evitar que se repitam as torturas vivenciadas por milhares e milhares de jovens brasileiros e também as que ainda existem hoje.”
Eleonora não se pronunciou quanto a nome de torturadores e manteve o mesmo tom do que havia dito anteriormente à presidente. E avisa já ter superado a violência sofrida durante o período do regime militar: “Não tenho ódio nem magoa, é um sentimento de não perdão, mas de superação. Sou uma pessoa que consegui superar.”
“Falta de punição é uma carta branca”
O presidente da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wadih Damous, destacou ontem que a tortura a presos comuns está infiltrada no Estado brasileiro desde sempre, mas só ganhou notoriedade quando a ditadura militar a transformou em política de Estado. “A sociedade brasileira tem traços permanentes dessa prática bárbara, independentemente de estarmos vivenciando ditadura ou democracia. Enquanto houver anistia para os torturadores do passado, o problema continuará a existir, porque a falta de punição é uma carta branca aos torturadores do presente”, frisou.
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