Renato Janine Ribeiro contesta Celso de
Mello e diz que o artigo 55 da Carta Magna é claro: quem cassa
parlamentares é o Poder Legislativo, e não o Judiciário; marcha da
insensatez pode dar vazão a represálias, como o eventual processo de
impeachment contra alguns ministros da suprema corte
247 - O professor Renato Janine
Ribeiro, um dos principais intelectuais do País, entrou no debate sobre a
cassação de parlamentares. E diz que o artigo 55 da Constituição não
deixa dúvida sobre a competência para a cassação de parlamentares. Isso
compete ao Legislativo e não ao Judiciário. Segundo ele, o movimento do
STF, decidido com o voto de desempate de Celso de Mello, pode dar vazão a
eventuais processos de impeachment contra ministros do supremo. Leia:
VALOR ECONÔMICO - 21/12
Esta segunda-feira, o Supremo Tribunal Federal, em que
pese a retórica de alguns de seus membros, infringiu a Constituição,
cuja guarda lhe incumbiria. Não interessa aqui discutir se o artigo 55
dela é justo ou não, bom ou não; ele determina que um parlamentar só
perde o mandato, em decorrência de condenação judicial, com o endosso da
casa legislativa à qual ele pertence. Tal regra é estranha, pois pode
permitir que sentenças judiciais não sejam cumpridas. Mas o fato é que
ela está na Constituição. Os ingleses e canadenses, por exemplo, se
indignam não apenas com as injustiças, mas com o descumprimento da lei.
Mude-se a lei, se com ela não concordarmos. Mas mude-se pelo processo
correto, que é o voto pelos representantes eleitos do povo. O que o
Supremo fez esta semana foi invadir a competência dos dois Poderes
eleitos, os dois Poderes legitimados pelo voto do soberano, que é o
povo. Isso é grave, não só porque é errado do ponto de vista político,
ético e constitucional, mas também porque pode prenunciar ataques ao
voto popular.
Nada impediria que no futuro o Supremo, alegando por
exemplo cláusulas gerais da Constituição, como o respeito à moralidade
(art. 37), decidisse, por exemplo, cassar um candidato eleito, por ter
vagamente violado um preceito moral do gosto dos juízes, até mesmo na
sua vida privada. E isso pouco importando se ele foi eleito pelo povo. A
Corte Suprema já tolerou a substituição do governador tucano da Paraíba
e do governador pedetista do Maranhão, ambos cassados, pelos candidatos
que eles haviam derrotado. Já sustentei aqui que o STF é bom nos
direitos humanos mas entende pouco de democracia: jamais um candidato
vencido em eleição majoritária poderia tomar posse. Some-se a isso a
decisão monocrática do ministro José Fux, impedindo o Congresso de votar
um veto presidencial. Não está certo o Judiciário impedir o povo ou
seus eleitos de decidir questões políticas.
Se o Supremo não garante a Constituição, mas escolhe nela o
que vale e o que não, isso pode abrir lugar para reações que seria
melhor não ocorrerem. Em algum momento, é possível que se peça o
impeachment de algum ministro do Supremo. A Constituição prevê essa
possibilidade. Começa com a denúncia sendo aprovada pela Câmara, que
remete o julgamento ao Senado, que portanto atua como tribunal. Dado que
o Senado só pode sentenciar por dois terços de seus membros, nenhum
ministro do STF será condenado por crime de responsabilidade. Mas, se
tal processo ocorrer, não será bom para ninguém. Acusações ressoarão no
plenário do Congresso. As coisas podem piorar se, num tal processo, o
Supremo decidir regulamentar como o Senado deverá proceder. O STF, como
intérprete da Constituição, interviria na economia interna do tribunal
que estará julgando um de seus membros.
Outra reação, mais viável, seria uma emenda constitucional
limitando a ação do STF em matéria política. Tal medida nada teria de
anti-democrática. Ao contrário, garantiria que a vontade do povo
prevaleça sobre as simpatias de magistrados não eleitos mas que
interfiram nas decisões dos eleitos. Já se falou numa emenda tal, esta
semana. Mas o STF tem dado indicações de acreditar que possa invalidar
partes da Constituição, e poderia anular uma emenda constitucional que
limitasse seus poderes. Isso o constituiria como poder supremo na
República, acima dos outros e do povo, que deixaria de ser soberano:
nova e maior crise.
Finalmente, outro elemento que pode surgir da caixa de
Pandora que o Supremo desnecessariamente abriu nos últimos dias é o do
indulto presidencial a réus do mensalão. O indulto é um direito
absolutamente inconteste, em nosso ordenamento constitucional, da
Presidência da República. É diferente da anistia, que é uma lei, votada
pelo Congresso e sancionada pelo Executivo, apagando o crime. O indulto
vem por decreto presidencial, sem participação do Legislativo, e não
zera a folha corrida da pessoa. Mas é constitucional. É lícito o
Executivo indultar, no todo ou em parte, o condenado que quiser. Tenho a
convicção de que Dilma Rousseff não quer indultar os réus. Isso teria
um custo político alto, pois ela passaria por simpática a pessoas que
parte da opinião pública vê como criminosas. Mas notem que, segundo a
FGV, a confiança da população no Judiciário diminuiu durante os meses do
julgamento, passando de 42 a 39%. A percepção social do terceiro Poder
não melhorou (também, não piorou sensivelmente). Mas o STF não está
blindado contra uma campanha.
É pena que, depois de julgar um caso tão momentoso e abrir
uma jurisprudência importante, o Supremo esteja terminando o episódio
com questões tão menores. O grande argumento contra as decisões que
tomou é que estaria esvaziando os Poderes democraticamente eleitos.
Isso, obviamente, não é bom para a democracia. Com todo o respeito pelo
STF, lembremos que o mais conhecido tribunal superior do mundo, a Corte
Suprema dos Estados Unidos, fez um mal danado àquele país no período que
culminou no governo de Franklin Roosevelt. Durante meio século, ele
fulminou toda lei social ou trabalhista. (Nosso STF está longe disso e
tem uma bela folha na questão dos direitos humanos). Roosevelt chegou a
propor, ao Congresso, a reforma da corte. Ela não foi aprovada, mas o
Supremo recuou.
Enquanto isso, é Michel Temer quem propõe uma solução de
conciliação: que o Supremo reconheça o direito da Câmara a cassar os
seus membros, e que esta o faça. É o óbvio. Mas, quando as paixões
substituem a reflexão, o óbvio fica difícil. Problemático é quando isso
ocorre no Poder que deveria ser o mais ponderado, até porque seu símbolo
é a balança. Se Temer tiver êxito, as instituições se acalmam - e ele
acumula créditos no céu, por tê-las salvado. Mas instituições não
deveriam precisar que alguém as salve. Instituições existem, justamente,
para terem uma lógica que neutralize as paixões.
Postado por
Jussara Seixas
às
sexta-feira, dezembro 21, 2012
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