O
ano de 2012 entrará para a história do Brasil como o de concretização
de uma farsa político-jurídica e midiática elaborada e montada com o
objetivo maior de, por vias indiretas, atingir o projeto de
desenvolvimento do país iniciado com a chegada do companheiro Lula à
Presidência da República.
Um
projeto que, hoje, bem consolidado e conduzido pela presidenta, Dilma
Rousseff, ameaça os antigos detentores do poder porque desarticula as
perversas desigualdades sobre as quais esses velhos governantes
estruturaram seu domínio sobre as vontades populares.
Sustentados
nos meios de comunicação, poder sob forte monopólio e ainda controlado
pelas velhas oligarquias, avocaram para si a pretensa prerrogativa de
ser voz da opinião pública nacional e passaram a pressionar o Poder
Judiciário para que este exibisse ao país a prova incontestável de que a
era da impunidade acabou.
E esse
marco só teria lugar se o julgamento da Ação Penal 470, apelidada de
Mensalão como parte dessa estratégia, resultasse em um desfecho
pré-conhecido: a minha condenação como mentor de um inexistente esquema
de compra de votos no Congresso Nacional.
Fortemente
pressionado — afinal, já no recebimento da denúncia se sabia que o STF
(Supremo Tribunal Federal) decidira “com a faca no pescoço”—, o tribunal
maior do país não resistiu e sucumbiu.
Trilhou
o caminho do julgamento eminentemente político, mesmo sendo uma Casa
eminentemente técnica, ainda mais em questões penais.
Tal
escolha impede o fortalecimento dos princípios constitucionais
fundamentais, o que se daria com o sopesar dos direitos e garantias
legais do Estado e dos cidadãos, no lugar de um julgamento em que se
aceitou condenar sem provas.
Soou
ser mais importante dar uma explicação à “opinião publicada” — não
qualquer explicação, mas a única esperada, a condenação. Como se a
impunidade não estivesse presente em justas absolvições.
Nessa
esteira, cometeu-se toda a sorte de inovações jurídicas: do ineditismo
de um julgamento com dezenas de réus sem a possibilidade de duplo grau
de jurisdição à utilização parcial de uma teoria jurídica para a
dispensa de provas, na qual o próprio autor apontou equívocos de
interpretação em sua adoção.
Os
vários réus julgados coletivamente, ainda que com direito a outros
foros, serviam à composição de um julgamento complexo, ampliando os
espaços para decisões contraditórias e imprecisas, em que o ônus da
prova cabia ao acusado, não ao acusador. Foi o que se viu.
As
poucas vozes dissonantes que tinham espaço na grande mídia não
hesitaram. “Dado que uma das peculiaridades do julgamento foi o valor
especial das ilações e deduções, para efeito condenatório”, escreveu o
colunista Jânio de Freitas, que pautou suas intervenções nas ponderações
sobre o que se estava ocultando no processo.
Em
inúmeras outras manifestações públicas, a data e o cronograma do
julgamento foram criticados, por concorrerem, influírem e serem
influenciadas pelo processo eleitoral em curso.
Marcar
o julgamento para o mesmo período que as eleições? A cautela e o desejo
de isenção recomendariam ou antecipação, ou adiamento, para insular a
Corte. Mas não: subverteu-se o bom senso para afirmar que a opção só
reforçava o caráter isento que o julgamento deveria ter.
O
comportamento do relator da AP 470 também foi aqui e ali criticado,
muitas das vezes pelos próprios colegas, como se fosse sua visão “a
única verdade possível”, ou como se o resultado do juízo feito por um
colegiado não devesse ser alvo de contraditórios e divergências.
Forjou-se um herói nacional, não pelas massas e movimentos sociais, mas das letras e imagens midiáticas.
Assim,
foi tratado com desprezo o fato de inexistir relação entre o voto
parlamentar e o suposto ato da compra desse mesmo voto, pois isso
derrubaria a tese central do chamado “Mensalão”.
Da
mesma forma, preferiu-se fechar os olhos ao fato de que a natureza dos
recursos utilizados na agência DNA Propaganda não era pública,
contrariamente ao que propagou no decorrer do julgamento.
Foi
menosprezado o documento do Banco do Brasil que nega o caráter público
dos recursos, afinal, a Visanet é, de fato, uma empresa privada e
multinacional, cuja sociedade é composta por 24 bancos.
Ademais,
o BB é sócio minoritário, sem jamais ter aportado dinheiro na Visanet, o
que desfaz a compreensão adotada pelo STF. Também se ignorou o fato de
que uma auditoria pública feita pelo BB não encontrou irregularidades
nas contas do fundo Visanet.
Mas o
mais aviltante foi verificar a divergência na utilização da teoria do
domínio do fato. Tal teoria, escolhida para me condenar sem provas,
serviu para sustentar o argumento de que minha posição à época não
permitia que se tivessem cometidos crimes sem meu conhecimento.
Isso
aos olhos de parte dos ministros do STF, pois, para o autor dessa mesma
teoria, o jurista alemão Claus Roxin, “o dever de conhecer os atos de
um subordinado não implica corresponsabilidade” e “a posição hierárquica
não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato”, pois “o
mero ter que saber não basta”.
Roxin reafirmou o ululante: para condenar, há que haver provas!
Costuma-se
dizer que decisão judicial não se discute, cumpre-se. De fato, devem
ser cumpridas, sob pena de caos institucional. Mas, sempre que se
entender apropriado, devem ser discutidas. Contestadas, criticadas e, se
possível, corrigidas. Pois é isso que faz toda instituição crescer e
vicejar — inclusive o Judiciário, que não é um Poder absoluto.
Não será esta a primeira vez que minha fibra e a firmeza de minhas convicções e lutas serão postas à prova.
Já
disse outrora que entrei e saí do governo sem patrimônio, sem praticar
qualquer ato ilícito ou ilegal, seja na condição de dirigente do PT,
seja na de parlamentar ou de ministro de Estado.
Minha condenação se dá sem provas e a má aplicação da teoria do domínio do fato não apagará isso.
Como
nas vezes anteriores, seguirei lutando. Para provar minha inocência e
para que sigam acesas as chamas dos ideais e sonhos que ajudei a
construir, a compartilhar, a defender e a realizar, dentro e fora do
governo.
Após o ano da concretização de uma farsa, que 2013 seja o ano do ressurgimento da verdade.
José Dirceu, advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT.
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