domingo, 10 de fevereiro de 2013

A Coca-Cola e o campo de distorção da realidade


Manifestação do dia 4 de outubro de 2012 - POA
Todo ser humano é o mestre da sua própria realidade. Estamos criando ela o tempo todo, mas temos a tendência de entregar o nosso poder para autoridades externas que se proclamam conhecedoras da verdade e alegam querer o melhor para nós. 

Por trabalhar na área da educação, faz algum tempo que acompanho e observo as publicidades produzidas pela Coca-cola, que tem aproveitado a busca intrínseca do ser humano de descobrir a si próprio, de modo a associar o seu produto a esta necessidade e, assim, criar maior mercado de consumo.
Associação do produto à identidade das pessoas
"Não saber quem somos" é o incentivo por trás da mudança, crescimento e expansão em nosso mundo. Guardamos uma espécie de saudade de um estado de consciência em que consigamos ser nós mesmos, sem que estejamos limitados por padrões, julgamentos ou rótulos. Este estado de consciência, ao qual me refiro, guarda os potenciais adormecidos para a liberdade e a maestria sobre nós mesmos. Na educação, trabalhamos com esta busca de identidade na formação emocional de jovens e adultos e, a cada dez pessoas perguntadas sobre quem elas verdadeiramente são, reconhecemos que, em grande parte, a maioria vive em crise: ora se identificando com suas qualidades; ora com seus defeitos; ora com traços da personalidade como profissão ou papéis sociais que cumpre, etc. 
Ao identificar-se com papéis sociais e imagens externas a você mesmo, sua consciência é colocada sobre uma gangorra, estando sempre sujeita aos altos e baixos da sua personalidade. Por este motivo, temos uma questão que move o ser humano a ir para frente, de modo a encontrar-se e libertar-se dos condicionamentos, rótulos e julgamentos, que normalmente o tiram do seu centro de equilíbrio. 
A Coca-cola, desse modo, criou uma associação do seu produto à identidade física do ser humano, sabendo que a sua auto-estima está apoiada sobre a externalidade de si e não ao seu âmago mais profundo. 
Este objetivo não é levá-lo a conhecer-se e nem explorar seu real potencial, mas manipulá-lo a tal ponto que você faça da indústria do refrigerante o seu modo e sistema de pensar. Ninguém pode organizar a própria vida sem algum sistema de pensamento. E uma vez que tenhamos desenvolvido um sistema de pensamento qualquer, viveremos em função dele. Como isto acontece? Veremos adiante.
A utilização de palavras-chaves associadas à imagem do produto da Coca-cola, constitui naquilo que conhecemos modernamente como "mapa mental". Um mapa mental é uma ferramenta poderosa no que se refere à aprendizagem, pois por meio dele conseguimos atingir as duas áreas do cérebro, emocional e racional, e fazer com que informações sejam retidas na memória de longo prazo. Porém, a forma como a Coca-cola vem utilizando esta ferramenta produz um fenômeno também conhecido na área da educação como "campo de distorção da realidade".  Vejamos a seguinte publicidade:
Aqui temos a imagem do produto associada às palavras-chaves "Abra a felicidade". Uma imagem é o método mais poderoso de comunicar uma idéia. As imagens são um meio de exercer poder sobre as pessoas, já que possuem um impacto muito forte sobre o lado emocional do cérebro. Quando elas estão associadas a palavras-chaves e estas fazem referência às necessidades dos seres humanos, ocorre um fenômeno típico: os mapas mentais tornam as pessoas subservientes a ponto de desconectá-las das suas verdadeiras necessidades, de modo que troquem suas próprias necessidades pelo produto, sem o uso da força física ou da violência. Isto é o que chamaríamos de controle invisível da mente e é algo que viceja livre nas publicidades produzidas pela Coca-cola, fazendo com que as pessoas entreguem voluntariamente o seu próprio poder e valor. Eles iludem-nos de tal forma que não precisamos ser violentamente forçados a nada; aceitamos os valores retratados pelo mapa mental como se fossem os nossos próprios e agimos de acordo com eles. Por isso, essa indústria tem criado muitas falsas imagens a respeito de felicidade que não servem a ninguém, a não ser àqueles que as constroem. Veja esta:
Mais uma vez temos a utilização da imagem associada a palavras-chaves que fazem referência às necessidades dos seres humanos. Perceba o destaque que é dado à palavra FELICIDADE. Agora olhe estas outras:
É óbvio que nunca encontraremos a felicidade numa garrafa de plástico com líquido preto, mas é desse modo que atua-se sobre o "campo de distorção da realidade". As informações devem ser alojadas na memória de longo prazo do indivíduo, a fim de que seu cérebro reproduza estas categorias de percepção e não consiga distinguir a realidade da ilusão. Como o ser humano busca por felicidade a cada respiração, a publicidade propõe verdadeiros moldes sobre os quais se vestirão nossas tendências individuais, a fim de que possamos encontrar rapidamente em nossa memória os arquivos "instalados", sob medida, pela publicidade. Isto constituirá a nossa "história incorporada". É essa "história incorporada" ou imprinting culturalinscrito no cérebro, que funcionará como princípio gerador do que fazemos, como um conjunto de disposições para a ação, através do qual sejamos levados a facilmente organizar nosso mundo a partir das escolhas, opções e comportamento de consumidor.
Derrubado o "Tatu da Copa", símbolo da Coca-cola, em Porto Alegre.
É nosso papel desvelar os modos ocultos e invisíveis com que esta indústria se utiliza para manipular a vida das pessoas e assim produzir a dominação. Quando utilizo o termo desvelar, sustento que se trata de evidenciar aquilo de que não se quer saber ou que não se quer que saiba - coisas que, de alguma forma, as pessoas sabem, mas que estão situadas num nível de profundidade onde não se vai procurá-las. Porém, não há como escondê-las por muito tempo. Abraham Lincoln sabiamente disse que pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos por todo tempo.  
Manifestação no Largo Glênio Peres.
Fato este que, no dia 4 de outubro de 2012, ocorreu uma forte manifestação popular no Largo Glênio Peres, em Porto Alegre, contra a privatização dos espaços públicos e retirada do boneco inflável "Tatu da Copa" da Coca-cola, que teve como objetivo quebrar os grilhões do mero poder e autoridade dessa indústria que cria desilusões e ilusões e fazer com que esta estrutura de poder seja vista como ela verdadeiramente é. Nosso intuito não é o de atacar a Coca-Cola, embora pareça. Ao contrário, buscamos proteger a verdade, a fim de devolver às pessoas seu poder de auto-decisão.

O que aconteceu teve realmente um valor simbólico muito grande. Mesmo que a Brigada Militar (PM) tenha respondido com violência brutal e sem justificativa, vimos uma verdade abafada, escondida, profunda, ser-nos revelada: imprinting cultural ou "história incorporada", que nos é dada pelas idéias convencionais da sociedade de consumo, representadas ali pela Coca-Cola, sofreu o fermento da rejeição e da inadaptação, característicos de nossa cultura profundamente adolescente, que procura, ataca e subverte, agressivamente, as regras impostas pelo "status quo". 

E isto é uma ameaça intolerável e inaceitável para a hierarquia reinante, que anseia por controle porque tem medo. É o medo das mudanças. No entanto, a mudança é a única coisa que é inevitável.  Há um número cada vez maior de pessoas que vêm pensando diferente, fazendo novas perguntas e questionando a ordem existente.  O que faz com que convidem uma nova dinâmica e uma nova energia para entrar e acordar a sociedade que está dormindo o sono rígido e sufocado dos velhos hábitos, vendidos em garrafas de plástico com líquido preto, sob a falácia e distorção de que aquilo é a felicidade. Estas imagens irreais de felicidade não têm mais nenhuma conexão com o coração humano e esperam para ser transformadas por você, por pessoas inspiradas que ousam abrir novas perspectivas e que ajudem as outras a se conectar com seus corações e com seus verdadeiros desejos.
 

Eduardo Sejanes Cezimbra
No Blog de Um Sem-Mídia

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