domingo, 3 de fevereiro de 2013

Contra desigualdade vale aliança até com o capeta




Dia desses desfrutei de jantar com um dos maiores jornalistas que conheço, um humanista, dotado de cultura e vivência enormes, um idealista sobre quem mais não falo porque sua identidade não importa, mas, sim, o que pensa. E o que pensa, particularmente sobre este que escreve, ilustra um fenômeno da ideologia política brasileira: a falta de foco.
Vale dizer que ao menos essa pessoa tem o mérito de acreditar no que diz, ao contrário de muitos que dizem a mesma coisa sem acreditar em uma palavra.
Fui criticado por ser “muito governista”, como se apoiar um projeto político como o do PT para o país fosse crime ou, na melhor das hipóteses, uma conduta ilógica em um país em que a esmagadora maioria apóia o governo com fervor.
O coração dessa pessoa, vale explicar, balança entre o PT e o PSOL – ao menos no discurso.
O que mais me espanta quando a direita e uma suposta “esquerda” atacam o que chamam de “governismo” é a distância que essa gente mantém em relação à realidade de grande parte do povo brasileiro, que, por séculos, permaneceu alijado da menor expectativa de vencer na vida no país que, ao longo do século XX, ostentou o título desonroso de ser o país virtualmente mais desigual do mundo.
Assim foi até que Lula chegasse ao poder. O Brasil era o terceiro ou o quarto país em pior colocação no índice de Gini, escala pela qual a comunidade das nações mede a concentração de renda nos países e que, em geral, é desconhecida por esses que se espantam com o que chamam de “governismo”. Hoje, somos o 12º país mais injusto.
A situação atual do Brasil é uma tragédia no que diz respeito à desigualdade. Mas para o país que, por seu estágio de desenvolvimento, era o mais desigual apesar de ser o terceiro na escala de Gini, melhoramos de forma quase inacreditável.
Vale explicar que ontem, como hoje, os países mais desiguais que o Brasil são todos países pobres, sem recursos, da África e América Latina, muito diferentes do nosso, rico, em franco desenvolvimento, o que torna sua situação única do mundo, pois não há país em nosso estágio de desenvolvimento que seja tão desigual, mesmo após a distribuição de renda da era Lula.
Durante a era FHC, quando houve alguma redução da pobreza, nunca dei bola para a exaltação que a imprensa fazia de suas políticas sociais tímidas e cosméticas – nas quais punha alguns trocados de dinheiro público – porque o principal não melhorava. A renda praticamente manteve a mesma concentração durante os oitos anos daquele governo de triste memória.
A chegada de Lula ao poder, porém, inaugurou uma era nova no Brasil: estamos distribuindo renda como nunca antes na história deste país.
A redução consistente da desigualdade durante os governos Lula e Dilma me autoriza a apoiar o projeto de país em curso porque atravessei a minha vida enxergando a mesma desigualdade como a raiz de tudo o que há de ruim no país.
Violência, criminalidade, ignorância, má condição da Educação, tudo isso é conseqüência da pobreza, sim, mas, acima de tudo, tem origem na desigualdade. Essa é a mola-mestra de todos os nossos conflitos e mazelas sociais e a âncora pesada que nos impede de deslanchar também pelos mares do desenvolvimento econômico e tecnológico.
Querem uma crítica consistente ao governo? Façam-nas. Há muitas.
Não sou muito dado a bater no governo porque já tem gente demais fazendo isso – a hiper-mega-blaster mídia tucana faz isso o tempo todo usando os argumentos de pseudo esquerdistas que se recusam a ver o processo distributivo de renda em curso no país enquanto acham que estão sendo muito corajosos ao se oporem ao que está dando certo.
Contudo, aí vai uma crítica: o governo não vai acabar com a pobreza extrema porque as famílias não ganharão um pouco abaixo de um padrão ridículo de renda, pois continuarão vulneráveis e a menor oscilação da economia as devolveria ao padrão anterior. Além do que, continuarão sem os elementos que poderiam fazê-las sair de fato da miséria – educação, saúde etc.
O governo, em vez de ficar nessa de que vai acabar com a miséria, poderia se concentrar mais no que importa, que é a distribuição de renda.
Seja como for, nunca redistribuímos renda no Brasil como agora. Durante a ditadura, o governo e a mídia diziam que era preciso primeiro fazer o bolo crescer para depois dividi-lo. A ditadura acabou e muitos dos que lutaram contra ela mantiveram esse discurso até hoje. Mesmo quando não assumem isso.
Quem prega redução de gastos do governo durante crises, por exemplo, está defendendo que os pobres paguem mais por elas, pois sem os investimentos estatais a economia não funciona em momentos de ojeriza do empresário ao risco e, assim, há demissões e achatamentos salariais. Isso é histórico. Todos os que têm mais de trinta e cinco ou quarenta anos sabem.
O que acontece é que para redistribuir renda no Brasil sem fazer uma revolução armada é preciso não esquecer que este ainda é um país capitalista. E para redistribuir alguma coisa, você tem que tirar de alguém para dar a alguém. É por isso que o projeto de país em andamento incomoda a tantos.
A despeito disso, o fato inegável por qualquer critério, e que a direita midiática e sua esquerda de estimação não enxergam, é que, nos dez anos de governos Lula e Dilma, os ricos ficaram menos ricos e os pobres, ficaram menos pobres. Ou seja: estes tiraram daqueles.
Só que isso foi feito de uma forma fantástica, genial, porque os ricos têm parte menor de um bolo maior. Ou seja: fizemos o bolo crescer e depois redistribuímos exatamente como queria a ditadura, mas fizemos de fato e não apenas no gogó. O processo ocorreu em poucos anos, ao longo da década passada. Ou seja: paramos de postergar essa estratégia ao infinito.
Não foi por outra razão que, na década passada, o acesso de pretos e pardos ao ensino universitário simplesmente triplicou no Brasil, ainda que não seja suficiente. E, enquanto isso, a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA ) dá conta de que o Brasil é hoje o 2º no mundo em aumento no transporte de passageiros.
Abaixo, trecho de matéria sobre o assunto.
Em 2011, o Brasil havia superado o Japão e se transformado no terceiro maior mercado aéreo no mundo, superado apenas pela China e Estados Unidos. Até 2016, o Brasil deve adicionar 38 milhões de passageiros domésticos – quase 40% a mais do que em 2011. A projeção é de que o País acumulará 118,9 milhões de passageiros domésticos no ano dos Jogos Olímpicos do Rio”.
Quem sabe e sente tudo isso não dá a menor bola para o que diz o noticiário político porque sabe que a despeito da luta política a vida está melhorando, o país está se tornando mais justo e esse processo não parece dar mostras de estar se esgotando.
Há, sim, ainda uma minoria do contra que, em períodos de eleição presidencial, não é tão pequena quanto querem fazer crer as pesquisas fora desses períodos, mas que deixa ver que além de progressivamente insipiente votou contra o projeto de país em curso com o fígado ou por susto, tendendo, com o avanço da Educação – ainda tímido, mas real –, a ir deixando de ser massa-de-manobra de ricaços gritalhões.
Atingir esse êxito incrível no soerguimento social do Brasil, porém, não é de graça. Houve preços a pagar. O PT, para chegar ao poder, passou a buscar doações de verbas eleitorais – sem as quais ninguém se elege no Brasil – de forma bem parecida com a que usaram e ainda usam os seus adversários mais fortes.
Além disso, foi preciso fazer concessões à direita, aos ricos, aos que, até 2002, julgavam-se donos do país, dando a eles a chance de negociar como seria a distribuição de renda, em que ritmo ocorreria, de forma que passariam a ganhar mais no volume, mas não tanto no percentual, ainda que o que lhes foi dado seja muito mais do que deveria, sendo já tão ricos.
Seja como for, foi feita justiça social, houve redistribuição de renda e esse processo está só começando. Há dados concretos que mostram que valeu a pena fazer alianças com partidos e políticos de direita para operar o que até o início deste século parecia utopia. O que seja, fazer a renda se desconcentrar em um ritmo aceitável em um país até então absurdamente desigual.
O Estudo Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2012, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em novembro do ano passado, detectou uma diminuição impressionante da desigualdade na década de 2000, medida por diversos indicadores e aspectos.
Abaixo, portanto, reproduzo o Estudo para que não reste dúvida sobre a razão pela qual este blog apoia com entusiasmo esse dito “projeto de país em curso” ao qual tanto me referi. A razão é muito simples: o Brasil está melhorando mais para os mais pobres do que para os mais ricos, como é preciso que seja no país virtualmente mais injusto do mundo.
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Fonte: IBGE
Em 10 anos, renda dos mais ricos cai 6% e dos mais pobres cresce 0,9%
28/11/2012 16:00 – Portal Brasil
Acesso de jovens pretos e pardos à universidade triplicou na última década

A Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2012, divulgada nesta quarta-feira (28) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), detectou uma diminuição da desigualdade na década de 2000, medida por diversos indicadores e aspectos.
Verificou-se que o coeficiente de Gini (índice que mede a distribuição da renda) passou de 0,559, em 2004, para 0,508, em 2011. Quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade. Entre 2001 e 2011, os 20% mais ricos da população diminuíram sua participação de 63,7% para 57,7%, enquanto os 20% mais pobres aumentaram, passando de 2,6% para 3,5% do total de rendimentos.
Em 2011, a renda familiar per capita dos 20% mais ricos foi 16,5 vezes maior que a dos 20% mais pobres, enquanto em 2001, 24 vezes maior. Apesar da evolução, a desigualdade persiste, pois os 20% mais ricos ainda detêm quase 60% da renda total.
Segundo o estudo, a expansão de programas de transferência de renda, como Bolsa Família, resultou em um aumento para famílias com baixos rendimentos. Para famílias com renda familiar per capita de até 1/4 de salário mínimo (6,7% das famílias) e entre 1/4 e meio salário mínimo (14,1% das famílias), fontes de renda como o Bolsa Família passam de 5,3% a 31,5% e de 3,1% a 11,5%, respectivamente, entre 2001 e 2011.
Houve também crescimento do rendimento médio do trabalho para esses grupos. Para o grupo de até 1/4 de salário mínimo, o rendimento médio de todos os trabalhos cresceu, em valores reais, de R$ 273 para R$ 285, no período, enquanto para os que estão na faixa entre 1/4 e meio salário mínimo, cresceu de R$ 461 para R$ 524.
Em relação à cor ou raça, no 1% mais rico, em 2001, pretos ou pardos representavam apenas 9,3%, percentual que passa a 16,3%, em 2011. É, ainda, uma participação distante do total de pretos ou pardos na população, um pouco acima de 50%.

Do Blog da Cidadania.

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