Me dá um dinheiro aí
Por Rodolpho Motta Lima
Ainda sob os ecos do carnaval, resolvi encabeçar este artigo com
o título de famosa marchinha que, durante muitos anos, no passado,
animava os bailes de momo, e que continua a empolgar nos desfiles de
blocos que estão voltando às ruas do Rio. Também o faço porque meu
assunto é a coluna do Nelson Motta no jornal “O Globo” do dia 08.02,
intitulada “Piadas no salão”. Os indiscutíveis méritos que atribuo ao
jornalista quando se trata de documentar a música popular brasileira são
diretamente proporcionais aos deméritos que vejo em seu pensamento
político-ideológico.
No artigo em questão, ele pretende desancar aqueles que, como
eu, acreditam que o governo poderia e deveria reestudar a questão dos
recursos oriundos de verbas de publicidade, deixando de alimentar de
forma quase escandalosa os cofres de empresas que, embora de diferentes
razões sociais, constituem, juntas, um formidável monopólio de
“informação” comprometido com interesses ideológicos e partidários que
beiram o golpismo, com crescentes e monocórdios ataques marcados por uma
pauta permanentemente voltada para a manipulação dos fatos ao seu
bel-prazer.
Não pode ser fruto de ingenuidade do colunista a recusa a
identificar na “Folha”, no “Estadão” e no “Globo” um orquestrado e
acumpliciado desígnio de combater toda e qualquer ação do atual Governo,
mesmo as inegavelmente positivas, essas tratadas com textos recheados
de “mas” e “embora”. São farinhas do mesmo saco, cuja informação
tendenciosa constitui, sim, um subliminar universo de informação
manipulada. Uma ofensiva ideológica que Nelson Motta finge não
enxergar e qualifica como “monopólio de araque” de uma “imprensa
independente que não depende de favores do governo e vive de anunciantes
privados”. Será?
Dados oficiais disponibilizados a respeito desse assunto mostram que,
dos cerca de 3 mil veículos de comunicação que recebem anúncios
federais no governo Dilma – e, diga-se, eram mais de 8.000 quando Lula
era presidente -, apenas dez deles concentram 70% da verba. No caso
da empresa a que serve o jornalista, em setembro de 2012, apurava-se
que, de um total de 161 milhões de reais repassados a emissoras de
tevê, rádios, jornais, revistas e sites desde o início do governo, 50
milhões foram direcionados apenas à tevê Globo. Mas ainda há a Globosat,
a rádio Globo, os jornais O Globo e Extra, as revistas Valor Econômico
e Época etc, que são bem posicionados entre os recebedores
expressivos, com valores bem superiores ao que, por exemplo, é destinado à CartaCapital (cerca de 130 mil reais). Registre-se que, nestes
dados, não estão computadas os recursos de propaganda de empresas
públicas, como a Caixa, o Banco do Brasil, a Petrobras, o BNDES, os
Correios, o Grupo Eletrobrás etc. Pensemos em algo que extrapola em
muito o bilhão de reais e é fácil estabelecer a analogia... Aliás, um
levantamento feito pela Fenapro (Federação Nacional das Agências de
Propaganda) levantava, em 2010, dados que colocavam a Caixa Econômica
como o quinto maior anunciante do ano (cerca de 980 milhões de reais), a
Petrobras como décima-primeira colocada (aproximadamente 670 milhões), o
Banco do Brasil como vigésimo-quarto (mais ou menos 430 milhões). Se é
ou não valor inexpressivo em relação ao montante total carreado para a
propaganda neste país, isso é outra história, para outro artigo.
André Gide certa vez afirmou: “Tudo já foi dito uma vez, mas como
ninguém escuta é preciso dizer de novo”. É verdade. Principalmente
quando vozes tidas como mais fortes procuram calar as mais fracas. Ou
quando falseiam os fatos. O colunista tucano diz em seu artigo que quem
critica essa inusitada situação – o Governo distribuir recursos
publicitários para quem, diuturnamente, faz propaganda contra ele –
pensa que tal verba se destina a “comprar apoio” e não por “necessidade
de competir no mercado”. Não sei em nome de quem ele fala quando faz tal
afirmação. Talvez o faça em nome de uma ideologia de secos e molhados
onde tudo se compra, onde todos somos “consumidores”. Eu e muitos
outros achamos simplesmente imoral a situação, não porque o governo
esteja a comprar um apoio – que, aliás, não existe -, mas porque pode
estar beneficiando um comportamento golpista, bem mais que
oposicionista. Simples assim. E se o problema é a visibilidade na
competição de mercado (outra palavra “mágica” para o neoliberalismo
tucano), a solução está em combater-se o monopólio ideológico com a
garantia de uma distribuição democrática dos meios de comunicação,
típica, aliás, de países cortejados pelo nosso tucanato. Simples assim.
Mas é claro que isso provoca a ira de todos os que, direta ou
indiretamente, desfrutam das verbas públicas, patrões ou empregados das
empresas jornalísticas.
Ao mencionar opiniões como a minha, o jornalista usa a expressão
“relinchos estridentes”. É uma pena. Nelson Motta é especialista em
outras vozes, as do nosso cancioneiro, muito mais caras aos ouvidos
brasileiros. Seria fácil devolver a grosseria, desqualificando os que
pensam como ele. O léxico português é rico em expressões do tipo: nele
estão presentes, entre outros, o sibilar da cobra traiçoeira, o
guinchar dos macacos oportunistas ou o regougar das raposas predadoras.
Mas me recuso à indelicadeza, que em nada contribuiria. Prefiro
instigar-lhe o verdadeiro espírito jornalístico e convidá-lo à hercúlea
e meritória tarefa de investigar o que muitos de nós, em nome da
cidadania, gostariam de saber: quanto dinheiro público se destinou à
empresa para a qual escreve, desde que ela existe. Sem esquecer, é
claro, a correção monetária...
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