sábado, 26 de novembro de 2011

Ataque aos índios kaiowás, no Mato Grosso do Sul, sugerem ação genocida



 

 

 

 

 

 

Execução de cacique e desaparecimentos colocam em risco existência da comunidade; estudantes indígenas publicam protesto.

Por Moriti Neto [23.11.2011 14h20]
Eram 6h30 de sexta-feira passada, 18 de novembro, no acampamento Tekoha Guaiviry, entre os municípios de Amambaí e Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, a menos de cem quilômetros da fronteira com o Paraguai. Ali uma comunidade kaiowá guarani foi atacada por um grupo de aproximadamente 40 pistoleiros munidos com armas de grosso calibre.  As descrições do bando apontam um grupo mascarado e com jaquetas escuras que entrou em fila no acampamento e ordenou que os índios deitassem no chão.
O objetivo central do ataque era o assassinato do cacique Nísio Gomes. Segundo relatos da comunidade, ele foi morto com tiros de calibre 12 – na cabeça, no peito, nos braços e nas pernas – e o corpo levado pelos pistoleiros, algo comum em massacres cometidos contra os kaiowá guarani no estado.
A comunidade conta que o filho de Nísio tentou impedir o assassinato e se atirou sobre um dos pistoleiros. Apanhou muito, mas seguiu tentando salvar o cacique. Os assassinos somente conseguiram contê-lo com um tiro de bala de borracha no peito. E executaram o pai diante de seus olhos.
Existem denúncias de que mais três jovens teriam sido sequestrados e que também uma mulher e uma criança teriam sido mortas. A informação vem de um grupo de 12 mulheres que conseguiu escapar e chegar até a cidade de Amambaí. Elas contaram que, durante a fuga, viram três jovens serem baleados e caírem ao chão. Não conseguiram afirmar se morreram. Os jovens seriam Jonatas Velásquez, de 14 anos, Mauro Martins, de 15 anos e Jailson Brites, de 16 anos.
Os pistoleiros tinham uma dezena de caminhonetes – marcas Hilux e S-10, nas cores preta, vermelha e verde. De acordo com as testemunhas, foi na caçamba de uma delas que levaram o corpo do líder indígena e os outros sequestrados.
Depois do ataque, dez indígenas permaneceram no acampamento. O restante fugiu para o mato. A comunidade tem aproximadamente 60 membros. Semanalmente ameaçada por pistoleiros que trabalham para grandes proprietários de terra da região, não é a primeira vez que sofre agressões.
Foi instaurado inquérito pela Polícia Federal. O Ministério Público Federal também está acompanhando de perto as investigações, mas, até o momento, não há nenhuma informação sobre o corpo de Nísio Gomes ou dos índios desaparecidos.
Burocracia e precariedade: combinação para o genocídio
Aguardando por regularização fundiária, a comunidade, que antes vivia em uma rodovia estadual, está acampada em área de litígio desde o último dia 1 de novembro, ocupando um pedaço de terra entre as fazendas Chimarrão, Querência Nativa e Ouro Verde, localizado em uma pequena parte de ocupação tradicional kaiowá. O lugar pertence ao conjunto de terras indígenas que devem ser demarcadas no estado.
Com um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do Ministério Público Federal (MPF), em execução – referente ao processo de demarcação da terra indígena – o processo de identificação das áreas começou em 2007 e é repetidamente interrompido por conflitos.
Somando a precariedade e o descaso estatal, Marcos Homero Ferreira Lima, antropólogo do MPF de Dourados, em colaboração com estudo da Survival International – organização mundial de apoio aos povos indígenas – sobre um acampamento de beira de estrada localizado às margens da BR 163, na cidade de Dourados, diz que não é exagero classificar como genocídio o que ocorre aos kaiowá. “Não se trata de hipérbole quando se fala em genocídio, pois, a série de eventos e ações perpetradas contra o grupo, como se objetivou demonstrar, desde o final da década de 1990, tem contribuído para submeter seus membros a condições tolhedoras da existência física, cultural e espiritual. Crianças, jovens, adultos e velhos se encontram submetidos a experiências degradantes que ferem diretamente a dignidade da pessoa humana. O modo de vida imposto àqueles kaiowá é revelador de como os brancos veem os índios. O preconceito, o descaso, o descuido, a não consideração dos direitos à terra, à vida, à dignidade são patentes. A situação por eles vivenciada é análoga àquela de um campo de refugiados. É como se fossem estrangeiros no seu próprio país. É como se os 'brancos' estivessem em guerra com os índios e a estes últimos só restasse a fina faixa de terra que separa a cerca de uma fazenda e a beira de uma rodovia”, argumenta.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em estudo sobre a violência praticada contra os povos indígenas do estado nos últimos oito anos, aponta que a maior quantidade de acampamentos indígenas do Brasil está no Mato Grosso do Sul. São 31, com mais de 1200 famílias vivendo à beira de rodovias ou isoladas em pequenas porções de terra de fazendas. Com a precariedade, além da constante violência, as comunidades estão expostas a vários tipos de doenças.
Segue, sem edição, carta de protesto dos estudantes guarani e kaiowá dos cursos de ciências sociais e história da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. As informações contidas na carta foram recebidas por pessoas que estavam no acampamento na hora do massacre:
Por volta das seis horas chegaram os pistoleiros. Os homens entraram em fila já chamando pelo Nísio. Eles falavam segura o Nísio, segura o Nísio. Quando Nísio é visto recebe o primeiro tiro na garganta e com isso seu corpo começou tremer. Em seguida levou mais um tiro no peito e na perna. O neto pequeno de Nísio viu o avô no chão e correu para agarrar o avô. Com isso um pistoleiro veio e começou a bater no rosto de Nísio com a arma. Mais duas pessoas foram assassinadas. Alguns outros receberam tiros, mas sobreviveram. Atiraram com balas de borracha também. As pessoas gritavam e corriam de um lado para o outro tentando fugir e se esconder no mato. As pessoas se jogavam de um barranco que tem no acampamento. Um rapaz que foi atingido por um tiro de borracha se jogou no barranco e quebrou a perna. Ele não conseguiu fugir junto com os outros então tiveram que esconder ele embaixo de galhos de árvore para que ele não fosse morto.
Outro rapaz se escondeu em cima de uma árvore e foi ele eu me ligou para me contar o que tinha acontecido. Ele contou logo em seguida. Ele ligou chorando muito. Ele contou que chutaram o corpo de Nísio para ver se ele estava morto e ainda deram mais um tiro para garantir que a liderança estava morta. Ergueram o corpo dele e jogaram na caçamba da caminhonete levando o corpo dele embora.
Nós estamos aqui reunidos para pedir união e justiça neste momento.

Afinal, o que é o índio para a sociedade brasileira?
Vemos hoje os direitos humanos, a defesa do meio ambiente, dos animais. Mas e as populações indígenas, como vem sendo tratadas?
As pessoas que fizeram isso conhecem as leis, sabem de direitos, sabem como deve ser feita a demarcação da terra indígena, sabem que isso é feito na justiça. Então porque eles fazem isso? Eles estão acima da lei?
O estado do Mato Grosso do Sul é um dos últimos estados do Brasil mas é o primeiro em violência contra os povos indígenas. É o estado que mais mata a população indígena. Parece que o nazismo está presente aqui. Parece que o Mato Grosso do Sul se tornou um campo de fuzilamento dos povos indígenas. Prova disso é a execução do Nísio. Quando não matam assim matam por atropelamento. Nós podemos dizer que o estado, os políticos e a sociedade são cúmplices dessa violência quando eles não falam nada, quando não fazem nada para isso mudar. Os índios se tornaram os novos judeus.
E onde estão nossos direitos, os direitos humanos, a própria constituição? E nós estamos aí sujeito a essa violência. Os índios vivem com medo, medo de morrer. Mas isso não aquieta aluta pela demarcação das terras indígenas. Porque Ñandejara está do lado do bom e com certeza quem faz a justiça final é ele. Se a justiça da terra não funcionar a justiça de deus vai funcionar.
Estudantes Guarani e Kaiowá dos cursos de ciências sociais e história e moradores da aldeia de Amambaí.

Da Revista Forum.

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