A cena do secretário
estadual de Cultura e pré-candidato a prefeito do PSDB Andrea Matarazzo com o
dedo na cara de uma manifestante foi para as homepages dos principais portais de
notícias do País no sábado, dia 28, à tarde, logo após a inauguração parcial da
nova sede do MAC, no prédio do antigo Detran, em São
Paulo.
No domingo, a foto de
autoria de Paulo Liebert, reproduzida acima, estava na capa da edição impressa
do Estadão. No mesmo dia, a revista Veja, por meio de seu
colunista Reinaldo Azevedo, revelava a suposta identidade da
manifestante: “Quem é aquela mulher (…) cordata, suave, pronta para o diálogo?
(…) É Rafaela Martinelli, aluna da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP e moradora do Crusp. É publicidade que ela queria, não? Aqui
está”.
Acontece que a estudante
em questão não é Rafaela. A revista Veja errou. Trata-se de Arielli
Tavares Moreira, 22 anos, estudante do 5º ano do curso de Letras da USP. E há
mais incorreções. O colunista também chama os manifestantes de “burguesotes”.
Arielli é de família classe média-baixa da pequena cidade de Tatuí. E Rafaela,
exposta e atacada pela revista de maior circulação do Brasil sem sequer aparecer
na foto, é moradora de Guaianases, zone leste paulistana – e não vive no Crusp,
conforme disse Veja. Para completar, mais um erro: nem Rafaela nem
Arielli são filiadas ao Partido dos Trabalhadores, acusação feita por Azevedo,
Andrea Matarazzo e pelo vereador Floriano Pesaro. Pelo contrário, as meninas são
críticas ao governo Dilma Rousseff e ao PT. A seguir os principais trechos da
conversa com Arielli (que está de fato na foto) e Rafaela (que Veja
“colocou” na foto) feita pelo Desculpe
a nossa falha.
Conversa com Arielli
Tavares Moreira, estudante de Letras da USP, que está na
foto
Você pode por gentileza
descrever como foi aquele momento da discussão com Andrea
Matarazzo?
No momento da foto,
estávamos cantando o refrão “Alckmin, seu matador! Assassinando o povo
trabalhador!”. Isso tem sido cantado por ativistas do movimento social do País
inteiro, que estão organizando atos exigindo que o PSDB pague pelo sofrimento
que tem causado, como no caso do Pinheirinho. [O secretário] apontou o
dedo pra mim e me chamou de “mal-educada”. De fato, para a ideologia burguesa,
hipocrisia é sinônimo de educação e dizer a verdade sem meias palavras não é de
bom tom. Tomado pelo ímpeto professoral de quem insiste em dar “aulas de
democracia”, ele continuou se aproximando e me chamando de mal-educada. Em
seguida um de seus assessores conseguiu convencê-lo a entrar no carro, e ele foi
embora.
Ele diz que você cuspiu
na cara dele, isso é verdade?
Não. Depois que a foto
foi veiculada para todo canto, vi que ele me acusou de ter cuspido nele. Não me
surpreende nada que uma pessoa que está de mãos dadas com a especulação
imobiliária há tanto tempo tenha de inventar uma mentira dessas para justificar
a postura truculenta. Afinal, não pega bem uma foto com o dedo na cara de uma
manifestante em ano de eleição. Andrea Matarazzo é filho da elite paulistana e
tem uma história no PSDB. Ele é o responsável pela elaboração do projeto “Nova
Luz”, que visa “revitalizar” o Centro à moda tucana, ou seja, expulsando e
eliminando a população em situação de rua. Também foi ele quem assinou o projeto
de calçada “antimendigo”.
[Abaixo o vídeo do
momento da discussão, em que se ouve que outra frase repetida diversas vezes
pelo secretário: “Estraguem meu carro”, dita em tom
desafiador.]
Por que você resolveu ir
ao MAC?
Enquanto a elite
paulistana finge ser educada inaugurando seus museus, sujam as mãos de sangue no
massacre do Pinheirinho. A cada dia que passa se desfaz o mito de uma operação
de desocupação pacífica. Há relatos de feridos e desaparecidos que ainda não
foram localizados depois da ação da PM. Fui então na inauguração do MAC porque
vi na internet que Alckmin e Rodas [João Grandino Rodas, reitor da USP]
estariam lá. Fomos protestar contra a ação da PM na USP, na Cracolândia e no
Pinheirinho. Tanto Rodas quanto Alckmin defendem um projeto de sociedade
contrário ao meu e de centenas de ativistas do movimento social. E é contra esse
projeto que precisamos lutar, não apenas dentro dos muros da universidade. Não
me surpreende que ambos tenham mostrado o quanto são covardes ao não comparecer
à inauguração.
O que você achou de
aparecer na capa de jornais e em grandes portais com o
secretário?
A exposição assusta um
pouco, mas não estou ali expondo apenas minha individualidade, o clique registra
não apenas a minha indignação, mas a de minha geração, junto comigo tinham
vários estudantes, poderiam ter fotografado qualquer um de nós. A repercussão
está relacionada também ao fato de que as pessoas estão tomando conhecimento do
que aconteceu no Pinheirinho e está ficando difícil para mídia esconder os
fatos, como faz normalmente.
O que você diria às
pessoas que afirmam que todo estudante da USP é maconheiro e
vagabundo?
Em minha opinião ser
estudante de uma universidade pública é mais do que assistir as aulas e
conseguir um diploma. Temos a responsabilidade de ter uma visão crítica sobre o
que acontece a nosso redor. Quando a mídia tenta colocar rótulos sobre os
estudantes ela não está fazendo nada além de reduzir a opinião das pessoas, com
o objetivo de impedir que elas se expressem. Não é à toa que nunca vimos uma
entrevista completa de um estudante sobre uma pauta do movimento social
veiculada pela grande mídia.
O que você acha do
Reinado Azevedo? E da mídia convencional em geral?
Infelizmente Reinaldo
Azevedo não tem sua licença de jornalista cassada, então segue cumprindo um
desfavor para a comunicação, sem qualquer tipo de compromisso ético. Em vez de
argumentar sobre a nossa atitude, reduziu o protesto a mim e tentou me
desmoralizar com fotos e piadinhas de mau gosto. O mais preocupante é vê-lo
incitando a violência contra os manifestantes e apoiando a atitude truculenta do
secretário, fazendo coro com o fascismo e com o nazismo. Vendo o que significam
esses momentos na história do mundo acredito que não se deve incitar esse tipo
de ação como esse “jornalista” faz usualmente.
O vereador Floriano
Pesaro, que estava ao lado de Andrea, classificou vocês de
“pseudo-manifestantes” e “nazipetistas”. O que você acha
disso?
Se fôssemos inocentes
diríamos que o vereador está mal informado. Mas, sabendo de quem se trata, diria
que ele tenta fazer as pessoas acreditarem que estamos fazendo isso porque é ano
de eleição. Minha militância é ativa independente desses períodos. Sou militante
do PSTU e milito contra as injustiças sociais que estes senhores seguem
perpetuando. Mas é claro que eles não podem compreender o que isso significa.
Para eles a situação dos trabalhadores brasileiros que passam fome e não têm
onde morar não passam de números em seus relatórios.
Você é filiada ao PT? O
que você acha do Partido dos Trabalhadores, de Lula e de
Dilma?
Assim como Lula, a
presidente Dilma tem a confiança da maioria dos trabalhadores do País e tem o
poder do Estado. Se ela quiser pode resolver a vida de todos os moradores do
Pinheirinho desapropriando o terreno e o transformando em área de interesse
social. Não é possível que ela se omita enquanto um massacre segue acontecendo.
Quem de fato está ao lado dos trabalhadores não pode ficar apenas na
torcida.
O que você acha dessa
história de “acusarem” de petistas todos os que criticam Alckmin ou Kassab? Só
petistas ou filiados a outros partidos de esquerda desaprovam o governo e
protestam contra eles?
É claro que não. Eles
fazem essas acusações rasas – para dizer o mínimo – para perpetuar a visão
maniqueísta deles. Essa polarização entre o PT e o PSDB é falsa. As pessoas se
mobilizam quando as contradições entre a vida e a nossa consciência se ficam tão
agudas que se torna impossível suportar calado, e isso não depende de nenhum
partido ou tampouco de quantos livros marxistas você leu na
vida.
|
Arielli no centro paulistano, em
foto de seu Facebook |
Por fim, Reinaldo Azevedo
chamou-a de “burguesote”. Você é de família rica?
Durante o ato alguns dos
presentes também nos acusaram de “burguesinhos” ou “filhinhos de papai”. Eu sou
de uma família de classe média baixa do interior (Tatuí/SP) e acredito que não
importa da onde você veio, mas sim ao lado de quem você quer
estar.
Conversa com Rafaela
Martinelli, também estudante de Letras da USP, que foi “colocada” na foto por
Veja
O que você achou de ser
identificada erroneamente como a “garota da foto” por Reinaldo Azevedo no site
da Veja?
Eu não tenho paciência
pro jornalismo de quinta categoria da Veja. Eles não fazem nem questão de
disfarçar a parcialidade deles. Como um texto tão chulo – independente da
posição que defenda – pode ser considerado jornalismo? É
nojento.
Você estava no protesto
do MAC? Se sim, por favor fale um pouco como foi lá.
Sim. Quando vi que
teríamos em São Paulo um evento que juntaria Matarazzo, Alckmin e Rodas, reitor
da USP, no mesmo lugar pensei que não poderíamos deixar ir. Aí criei um evento
no Facebook. Não imaginava que daria certo, mas felizmente deu. O governador não
apareceu, e aí já temos um problema: um governador que esconde a cara da
população não é digno de confiança nenhuma. E não tinha motivo pra se esconder.
Ninguém lá, além da PM, estava armado ou coisa parecida. O reitor da USP viu os
manifestantes de dentro do carro e foi embora. Ainda lá no evento conseguimos
cercar o Maluf e o Matarazzo. Fizemos algumas perguntas desconfortáveis pro
Maluf até que ele foi embora. Depois fizemos o mesmo com o Matarazzo, mas ele e
os homens que o acompanhavam foram bem mais agressivos. Um dos manifestantes
revidou e foi imobilizado pela PM. O que eu achava mais bizarro é que esses
engravatados é que vinham pra cima dos manifestantes e era a nós que a polícia
repreendia. É só olhar as fotos! Tem um homem de camisa rosa que aparece em
várias delas, claramente exaltado, que veio pra cima de vários de nós. Eu tentei
impedi-lo de bater num manifestante e tomei um soco no braço e um empurrão. A
maior agressão que partiu dos manifestantes foi uma ovada e, francamente, diante
de toda a repressão policial que temos presenciado ultimamente chamar uma ovada
de “violência” é risível.
[Abaixo o vídeo do
rapaz de camisa rosa, que estava com Andrea Matarazzo e o vereador Floriano
Pesaro, partindo pra cima dos manifestantes.]
O que você diria às
pessoas que pensam que todo estudante da USP é maconheiro e
vagabundo?
Infelizmente essa é uma
reação normal. As pessoas falam que há certas formas de manifestação que não são
corretas. Concordo, mas em 2009 na USP atiramos flores nos policiais e fomos
chamados de vândalos. Acho que chegamos ao ponto crítico em que qualquer
movimento mínimo que ouse nos tirar da “normalidade” será chamado de vandalismo.
Depois da manifestação, uma senhora me abordou e disse que deveríamos estar
protestando contra a corrupção. Disse a ela que demonstrar repúdio a um governo
que subsidia canalhas como o Naji Nahas e o João Grandino Rodas é uma forma
muito concreta de se manifestar contra a corrupção, que não adianta achar que
“corrupção” é só uma questão de caráter: há um sistema por trás. Batemos um papo
lá e ela até apertou minha mão depois. Quer dizer, no fim das contas, acho que o
caminho é esse: tirar as pessoas da zona de conforto, do diletantismo e da
indignação inócua e fazê-las tomar um posicionamento. Para isso servem as
manifestações.
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Rafaela no grupo de teatro do
qual faz parte |
O vereador Floriano
Pesaro, que estava ao lado de Andrea, chamou vocês de “pseudo-manifestantes” e
“nazipetistas”. O que você acha disso?
Qual é o critério para se
definir quem são “pseudo-manifestantes” ou manifestantes “de verdade”? E nazista
pra mim é quem promove políticas de extermínio como no Pinheirinho e na
Cracolândia.
Você é filiada ao
PT?
Não sou filiada a nenhum
partido.
Reinaldo disse que você é
da comunidade Marxismo e PT, isso é verdade? Você está em alguma comunidade do
tipo no Facebook?
Eu sigo no Facebook uma
corrente do PT que se chama “Esquerda Marxista”, assim como também sigo muitos
outros partidos, correntes e movimentos sociais.
O que você acha dessa
história de “acusarem” de petistas todos os que criticam Alckmin ou Kassab? Você
acredita que só petistas desaprovam e protestam contra
eles?
O PT é a maior oposição
ao PSDB na grande política, então é natural que associem qualquer tipo de
oposição ao PT. Mas acreditar nisso é um tanto
absurdo…