Mair Pena Neto*
Enquanto a mídia brasileira se deslumbrou com a visita de Obama e continua publicando páginas e páginas de abobrinhas mesmo depois de ele ter deixado o país, a imprensa chilena questionou o presidente dos Estados Unidos sobre sua disposição em colaborar com investigações sobre os crimes da ditadura militar chilena e pedir desculpas pelo apoio de seu país ao golpe de 11 de setembro de 1973.
Não poderia haver questão mais pertinente. Obama chegou à América Latina com um discurso de defesa da democracia conquistada a duras penas em todo o continente, mas sua pregação só teria sentido se precedida por um mea culpa. Foi com apoio direto e comprovado dos Estados Unidos que governos eleitos pelo provo foram derrubados por golpes de Estado e o processo democrático interrompido em grande parte da América Latina.
Não se constroem novas relações sem resolver as pendências do passado. A Igreja católica jamais poderia tentar estabelecer laços com o povo judeu sem pedir perdão pela indiferença à perseguição por eles sofrida durante o nazismo. Não se passa a borracha no passado, principalmente quando as chagas ainda estão abertas, como no caso das jovens democracias latino-americanas.
Em sua viagem ao continente, Obama escolheu três países particularmente afetados em suas histórias por regimes truculentos, que mataram seus cidadãos e atrasaram seus desenvolvimentos com o suporte dos Estados Unidos. O Brasil enfrentou 25 anos de trevas depois que o governo João Goulart foi derrubado por um golpe de Estado orquestrado com amplo envolvimento da diplomacia norte-americana. Até a quarta frota foi enviada para águas brasileiras para colaborar no enfrentamento de uma possível resistência.
No caso chileno, a CIA esteve envolvida na conspiração para a derrubada de Salvador Allende desde a greve dos caminhoneiros até o endosso ao governo do general Pinochet. E em El Salvador, também houve apoio integral à ditadura que praticou crimes bárbaros contra a população, culminando com o assassinato do bispo católico Dom Oscar Romero, fuzilado quando celebrava missa na capital do país.
Obama não poderia passar impunemente por esses três países sem ser interpelado pela responsabilidade histórica dos EUA em relação às ditaduras que aterrorizaram o continente. Graças ao bom jornalismo de um repórter chileno, a questão foi colocada durante sua passagem por Santiago, o que já diferenciou sua visita da que aconteceu no Brasil. Ao invés do oba-oba verificado por aqui, mesmo tendo autorizado de dentro do território brasileiro o início de uma nova guerra, foi confrontado com uma questão que relativiza muito o seu discurso de defesa da democracia.
Não houve pedido de desculpas, mas Obama foi obrigado a tratar da questão e a se comprometer a cooperar com pedidos de informação das autoridades chilenas sobre o período do governo Pinochet. O presidente norte-americano encontrou um novo continente, que não é mais quintal dos Estados Unidos, como ficou evidente, para ele, na cobrança firme que a presidente Dilma Rousseff fez de relações mais justas, sem as barreiras impostas aos produtos brasileiros.
O único comportamento de júnior para sênior, aproveitando as palavras do próprio Obama, foi o da grande imprensa brasileira, que tratou o presidente norte-americano com a velha subserviência de quem fala com um superior..
*Mair Pena Neto. Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.
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