Do Blog da Cidadania - 23/03/2011
Eduardo Guimarães
Não se pode deixar de reconhecer que a estratégia foi esperta. Atenta ao efeito que produziria a saída de Lula do poder, um sentimento de vazio que poderia produzir sentimentos confusos, a mídia apostou nesses sentimentos, talvez exageradamente fortes em alguns, para promover cizânia entre os que apoiaram a eleição de Dilma Rousseff pintando como “traidora” aquela a quem o ex-presidente confiaria a missão de continuar a própria obra.
A forma mais fácil de explorar aquele sentimento de vazio foi contrapor os que a grande imprensa optou por chamar de “criador” e “criatura”, atribuindo um caráter bizarro ao lançamento político por Lula daquela que outrora era chamada de “poste”, mas que, agora, passou a ser chamada de “sensata”, “madura”, “discreta” e “firme”, mas sempre tendo o cuidado de atribuir ao seu “criador” a pecha de “espalhafatoso”, “inculto”, “irresponsável” etc.
Não se pode negar que a estratégia contou com a ajuda, possivelmente involuntária, da própria Dilma. Ao comparecer à cerimônia comemorativa dos 90 anos da Folha de São Paulo e fazer discurso cortês ao anfitrião, Dilma tentou uma paz que lhe foi concedida. Muito provavelmente, a presidenta teve a intenção de distender o virulento quadro político que se formou ao longo dos oito anos anteriores. E foi atendida pelos beligerantes, mas só parcialmente.
A estratégia, que beira o diabólico, contou com sentimentos decentes e humanos daqueles que se entregaram demais à afeição por um homem bom e corajoso que, contra tudo e contra todos, chegou ao poder para mudar a face do Brasil, mas que, por outro lado, sabiam que não haveria como confiar em impérios empresariais de comunicação impiedosos que não hesitaram em jogar o Brasil em uma ditadura insana para verem materializados seus desígnios imorais.
Durante a terça-feira, porém, uma notícia contribuiria para começar a abrir os olhos daqueles que se dispuseram a impedir que este país se desvie da rota pela qual enveredou no início da década passada ao apoiar a continuidade que Lula propôs. Durante jantar com a comunidade árabe no clube Monte Líbano, em São Paulo, o ex-presidente deu declarações reproduzidas pelo portal Vermelho, do PC do B, que já alertavam para incongruência na teoria da “traição” de Dilma.
Dizia a nota do Vermelho:
“Segundo Lula, foi “hilariante” saber que os opositores dizem agora que sua sucessora, a presidente Dilma Rousseff, é diferente dele — e que os que passaram oito anos criticando seu governo agora passem a falar bem”.
Lula repetiu declaração que dera no mês passado. Com sua inteligência política, captou os reclamos por uma palavra sua sobre as intrigas. E deu. No evento coordenado pela Federação das Associações Muçulmanas do Brasil, que deu ao ex-presidente uma placa de agradecimento da comunidade, o ilustre convidado mandou mais recados:
“Alguns adversários sabem como pegamos e como deixamos o país, mas tentaram vender que nós éramos a continuidade. Agora que elegemos alguém para fazer a continuidade, dizem que agora ela é diferente. É no mínimo hilariante”.
A matéria do Vermelho prossegue informando que “Ao responder ao discurso do professor Mohamed Abdib, do Insituto Cultural Árabe, da Unicamp, que disse que Lula deixava saudades, o ex-presidente pregou a alternância no poder”. Uma pregação edificante porque mostra desprendimento do poder que a imprensa vive dizendo ser o contrário, um apego exacerbado, inexplicável quando se lembra que Lula abriu mão de terceiro mandato que poderia ter conseguido facilmente do alto de sua popularidade estratosférica, assim como fizeram vários de seus colegas latino-americanos.
Lula declara:
“A rotatividade e alternância do poder é uma coisa sagrada e vocês não sabem o orgulho que tenho por ter entregue a presidência da República a uma mulher que foi perseguida e torturada.Conheço bem a presidente Dilma. Tenho certeza de que ela vai continuar e fazer mais coisas.”
Essa declaração muda tudo. Nos últimos dias, foi dito, aqui, que se fazia necessária.
Todavia, apesar de Lula ter demonstrado que não há, de sua parte, desaprovação ao curso do governo Dilma que se temia, nada garantia que não estivesse sendo apenas generoso. Mas o exagero no uso do “remédio” manipulador pela mídia terminou por entregar o seu joguinho sujo.
Durante a terça-feira, o site de O Globo e um de seus blogueiros publicaram uma saraivada de matérias tentando pôr mais lenha na fogueira.
Saldo de aprovação de Dilma supera até o de Lula
A criatura começa a se voltar contra o criador
Dilma critica gestão de Lula no setor da saúde de forma indireta em lançamento de programa contra o câncer
Dilma não gostou de ausência de Lula no almoço para Obama e vai marcar diferenças
São matérias para lá de inverossímeis. Então Dilma critica Lula por constatar carências que persistem no sistema de saúde brasileiro? Então ferrou. Não vai parar de criticar Lula nunca. E FHC, Itamar, Collor, Sarney, Figueiredo, Geisel… E por aí vai. Todos os que não resolveram, ao longo de seus mandatos, a miríade de problemas do país na Saúde, na Educação, na Segurança etc.
E Dilma não gostou da ausência de Lula e, como diz o blogueiro da Globo, agora vai passar a criticá-lo “indiretamente” e “marcar diferença” dele? Teria Dilma enlouquecido? Quem aceitaria tal coisa? Haveria traição mais hedionda? Quem passa a acusar e a desfazer daquele que lhe conferiu a própria existência política? Existe ataque mais ferino que se poderia fazer a Dilma que o de acusá-la de ser tão ingrata e tão traiçoeira?
Dilma quereria ser vista assim? Só se tivesse perdido o juízo.
Apesar de que aqueles que caíram na conversa mole do PIG, como eu mesmo, precisam ficar mais espertos, a própria presidenta precisa prestar atenção no Beijo da Morte do PIG, estratégia diabólica que até poderia ter funcionado se O Globo não tivesse ido com tanta sede ao pote de cizânia que estava derramando na militância e que, a partir de agora, tratarei de combater de todas as formas, custe o que custar.
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