“A grande imprensa tomou um pouco de partido nessa questão do mensalão”,
disse o advogado Márcio Thomaz Bastos. “Ela elevou a um ponto simbólico
muito forte esse mensalão que vai ser julgado (do PT), deixando de lado
os outros mensalões [do PSDB de Minas e do DEM de Brasília].”
Thomaz Bastos discorreu sobre o tema numa entrevista televisiva à
repórter Mônica Bergamo e ao sociólogo Antonio Lavareda. Pode ser
assistida aqui. Durou 34min17s. O mensalão entrou na conversa aos
18min04s.
Ex-ministro de Lula e defensor de um ex-dirigente do Banco Rural que
compõe o rol de 38 réus do mensalão, Thomaz Bastos declarou-se “a favor
da liberdade de imprensa” e contra “o controle social” da mídia. Porém…
O advogado afirmou que a imprensa “deve ser criticada quando erra”. E,
na opinião dele, “essa ênfase que está se dando a esse julgamento [da
ação penal do mensalão] parece errada.”
Ele disse que já advogou “dos dois lados” –“Tanto já defendi casos em
que tinha a opinião publica e publicada a meu favor, é uma delícia você
fazer isso, como já enfrentei a contramaré. Já fui o sujeito que estava
absolutamente na minoria, pegando a mão do réu no fim da escada, quando
ele já estava crucificado.”
Acha que a influência da mídia sobre os tribunais “é uma questão que tem
que ser examinada e tem que ser revolvida no Brasil.” Citou um par de
exemplos: “Esse julgamento dos pais que mataram a menina [o caso
Isabella Nardoni, que resultou na condenação, em 2010, de Alexandre
Nardoni e Anna Carolina Jatobá] , é exemplo típico de um julgamento que
não houve, isso foi um justiçamento.”
“Aquele outro caso mais antigo, da Daniela Perez (filha da autora de
telenovelas Daniela Perez, assassinada em 1992), quando houve uma
pressão enorme… Então, o julgamento se torna um não-julgamento. O
julgamento se torna uma farsa.”
Perguntou-se a Thomaz Bastos: acha que isso está ocorrendo no mensalão? E
ele: “Não, não estou querendo dizer (isso). Tenho medo que ocorra.
Tenho medo que haja uma publicidade opressiva, como dizia o Nélson
Hungria. Será que é possível fazer um julgamento com uma publicidade
opressiva em cima?”
Recordou-se ao ex-ministro que, num país como o Brasil, em que os
acordos de gabinete por vezes prevalecem sobre os autos, a vigilância da
imprensa é importante. Ele concordou: “Acho fundamental a vigilância da
imprensa…” Mas só até certo ponto: “Agora, algumas vezes ela (a mídia)
erra. No caso Nardoni, por exemplo, eu acho que foi um erro terrível.”
Acrescentou: “Nesse caso da Daniela Perez, em que eram dois os réus, se
um deles fosse inocente ou menos culpado que o outro, não fazia
diferença. É uma máquina que vai empurrando tudo. É como se fosse uma
tragédia grega. Tudo já aconteceu. Só vai fazer a encenação e chancelar o
veredicto que já aconteceu lá atrás. Isso é a negação da Justiça.(...)”
Perguntou-se a Thomaz Bastos também como se sente no papel de advogado
de defesa de Carlinhos Cachoeira e de um réu do mensalão. “É um desafio
muito estimulante”, ele respondeu.
Acredita que sua atuação ajuda a potencializar “um valor constitucional
que também é importante se queremos implantar no Brasil um Estado
democrático de direito, que é o direito de o sujeito ser ouvido antes de
ser condenado.”
Evocou um célebre compositor popular: “É como dizia Herivelto Martins, o
marido da Dalva de Oliveira: primeiro é precico julgar para depois
condenar. E no Brasil tem havido uma inversão muito forte disso.”
Repisou: “Eu tenho defendio gente na contramáre com alguma frequência. E
acho que o direito de defesa acaba sendo desprezado, acaba correndo
riscos. E a gente tem que procurar fazer valer ele de todo jeito, porque
é uma coisa fundamental, tão importante quanto a liberdade de
imprensa.”
Instado a comentar o contraste entre sua atividade atual e a imagem de
ex-ministro da Justiça, chefe da Polícia Federal, Thomaz Bastos afirmou:
“Fui advogado durante 50 anos. Aí, parei quatro [anos] para ser
ministro da Justiça. Saí de lá faz cinco anos. Voltei a fazer o que eu
fazia.”
Comparou-se a outros ex-ministros: “É como os ministros da Saúde que
saem e voltam a operar, como o Adib Jatene; como os ministros da
Educação que saem e vão ser reitores; como os ministros de Fazenda, que
vão trabalhar no mercado de capitais. Por que só eu não posso?”
Não considera adequado que confudam o advogado com seus clientes. “Acho
que isso não faz o menor sentido. Quanto mais complexa, quanto mais
sofisticada é uma sociedade, maior é o número de papéis que você pode
exercer.”
Lançou no ar um repto: “Enquanto estive no ministério da Justiça, eu
desafio que alguém me aponte a defesa de um interesse privado. Eu tive
uma lealdade às instituições e ao presidente da República. Agora não,
voltei a ser o que eu era: um defensor dos interesses privados, do
direito de defesa, da liberdade das pessoas. Quero ter liberdade para
poder defender a liberedade dos outros. Esse é o meu papel. Estou
absolutamente tranquilo em relação a isso.”
Considera-se o protagonista de “uma cruzada” pela valorização do direito
de defesa. “Se comigo acontece isso, que sou um advogado com 55 anos,
um advogado que todo mundo mais ou menos conhece, imagine com um pobre
de um recém-formado, coitado, que vai enfrentar um juiz e o juiz resolve
que o cliente dele é culpado e tenta impedir o exercício do direito de
defesa. Acho que isso tem que ser brigado fortemente. A OAB tem que
entrar com mais força nessa luta, porque é fundamental para o país, para
a democracia e para o Estado Republicano.”
Nesse ponto, a entrevista escorregou de novo para o mensalão. Inquirido
sobre suas expectativas em relação ao julgamento, Thomaz Bastos disse:
“Eu tenho absoluta convicção de que o Supremo vai fazer um julgamento
técnico, um julgamento levando em conta o que existe dentro das provas.”
Voltou a falar do “peso que a imprensa tem na opinião pública e do peso
que a opinião pública e a imprensa têm nos julgamentos.” Disse que a
influência é maior nas sentenças proferidas pelos tribunais de júri e
pelos juízes singulares. Mas realçou que os tribunais superiores não
estão livres do fenômeno.
“O juiz lê jornal, assiste televisão. O juiz não é marciano, mora na
Terra, no Brasil. Realmente, essa é uma questão que volta, que é
recorrente. (...) Agora mesmo eu estou vivendo um caso que, se não fosse
uma defesa, o réu já estava fuzilado sem apelação e sem possibilidade
de defesa.”
Que caso? O caso de Carlinhos Cachoeira. “Tivemos que ir ao Supremo duas
vezes e ao TRF, em Brasília, várias vezes. Inclusive para impedir uma
audiência na qual ele já estaria, com certeza, condenado se essa
audiência tivesse havido desse jeito. Num processo de 100 volumes, com
uma denúncia de 200 páginas, queriam fazer debates orais de 15 minutos,
20 minutos.”
Como ministro da Justiça, Thomaz Bastos influiu na indicação de pelo
menos seis dos 11 ministros que integram o quadro atual do STF.
Perguntou-se a ele se realmente acredita que esse colegiado pode
sujeitar-se às pressões da mídia e da opinião pública.
Thomaz Bastos respondeu assim: “Todo mundo sofre influência.” Ponderou:
“Acredito piamente que o Supremo vai fazer julgamento equilibrado e
técnico.” Revelou uma ponta de receio: “Mas que sofre influência… E essa
influência em si não é um mal. A publicidade opressiva é um mal, mas a
influência sobre o juiz, o que ele lê de manhã, o que ele conversa com a
mulher, ajuda ele a fazer um juízo.”
O problema, declarou Thomaz Bastos, é “quando se começa a martelar, a
oprimir, todo mundo de um lado só. (...) Aí é uma coisa que torna
perigoso o julgamento.” Voltou a relativizar: “Não no Supremo. O
Supremo, na minha opinião, é infenso a isso. O Supremo Tribunal
brasileiro tem uma história brilhante. Ele não se derrotou, não se
curvou mesmo em momentos difíces da história do Brasil.”
Voltou a martelar: “A imprensa tem uma dificuldade muito grande de se
criticar, de aceitar que ela possa ter defeitos. Então, imagino que, num
julgamento como esse do mensalão, (...) há a influência, sem dúvida.
Mas essa influência, em relação ao Supremo, chega muito esbatida, vem
muito de longe, porque eles são homens experimentados, são homens
preparados, são homens probos e homens capazes de fazer um julgamento
técnico e que se aproxime o mais possível da justiça.”
Ministro na época em que o mensalão explodiu, em 2005, Thomaz Bastos
engrossou o coro dos que consideram equivocada a decisão do STF de
marcar para 1o de agosto o início do julgamento. “Haverá consequências
eleitorais, sem dúvida, dependendo de como o julgamento ocorre. Não
acredito que tenha sido uma boa solução fazer esse julgamento antes da
eleição.”
O ex-ministro, voz respeitável, está coberto de razão na defesa que faz
do sacrossanto direito de defesa dos réus. O usufruto do contraditório
não pode e não deve ser negado nem ao mais indefensável dos bandidos.
Impossível deixar de reconhecer, porém, a ironia da cena: uma pessoa que
até ontem respondia pela pasta da Justiça agora comparece às varas e
aos tribunais para se contrapor ao trabalho da Polícia Federal que se
jacta de ter reaparelhado para combater a corrupção. No caso de
Cachoeira, até o amigo Lula, em privado, considerou esquisito.
No mais, convém não perder de vista que a Constituição não diferencia o
direito de defesa dos réus do direito do cidadão de ter livre acesso às
informações. Se um juiz julga pelos jormais, de costas para os autos,
não faz jus à toga. Deve-se bloquear o magistrado, não o fluxo das
notícias.
Recorde-se, por oportuno, que o caso do mensalão provavelmente nem
existiria não fosse o trabalho da imprensa. São decorridos sete anos
desde que os malfeitos foram pendurados nas manchetes. Só agora o
julgamento vai começar. Imagine-se o que sucederia se a imprensa não
imprensasse.
Desnecessário lembrar, de resto, que, quando o julgamento ocorre no júri
ou na sala de um juiz singular, a legislação brasileira assegura aos
réus condenados mais de 40 recursos. A imprensa, obviamente, erra. Mas
num sistema assim, tão permissivo, se uma sentença injusta não for
reformada nas instâncias superiores, o erro do Judiciário se sobrepõe a
qualquer equívoco que o noticiário possa cometer.
..
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