Como se processa a mentira jornalística Em meu "O jornalismo dos anos
90" escrevo um capítulo sobre as ferramentas de manipulação da notícia
pela mídia.
Um dos recursos poderia ser batizado de "o jogo de juntar pontos". Como
no jogo, jogam-se vários pontos em uma página em branco. Alguns pontos
são verdadeiros - e nem por isso, relevantes. Com base nos pontos
verdadeiros, o repórter "investigativo" junta os outros pontos formando
o desenho que bem entender, mesmo que todos os demais sejam falsos.
A cobertura do Dossiê Cayman, pela Folha, ou a série de matérias de Veja-Cachoeira valeram-se desse estratagema. Por exemplo:
- O embaixador cultural de Cuba mandou uma caixa de rum para o PT em São Paulo. Verdadeiro.
- A caixa veio em um jatinho que saiu do aeroporto de Brasilia. Verdadeiro.
- O jatinho desceu em Cumbica. Verdadeiro
- A caixa foi levada para a sede do PT. Verdadeiro.
- A caixa continha dólares guardados nas garrafas. Falso e inverossímel.
Apesar de totalmente inverossímil, ganhou ares de veracidade devido aos detalhes (insignificantes) acoplados à história.
Outra capa clássica da Veja, sobre o caso Cacciola:
- Os Bragança eram amigos de Chico Lopes (presidente do BC). Verdadeiro.
- Um dos Bragança tinha dois telefones celulares, declarados no Imposto de Renda. Verdadeiro.
- O Banco Pactual tem um registro junto ao FED de Nova York. Verdadeiro.
- O Pactual obtinha informações privilegiadas dos Braganca. A conferir.
A partir daí, o então repórter Policarpo Jr criou a seguinte história: o
Pactual pagava Bragança por informações privilegiadas; o pagamento se
dava através da conta xis (na verdade, o que tinha era o número de
registro do Pactual em NY); as informações eram passadas através dos
dois celulares, um com Bragança, outro com Chico; Cacciola passou a
grampear o celular para ter acesso às informações; no dia aziago do fim
da banda cambial, o grampo não funcionou.
Toda essa maluquice foi possível pela adição de detalhes alguns
verdadeiros, outros não, porém insignificantes para a comprovação da
tese.
As leis das meias verdades
Dois estudiosos norte-americanos - Daniel Kahneman e Amos Tversky -,
especalistas em probabilidade, tem um interessantíssimo estudo sobre a
questão da verdade e da meia verdade, dentro da teoria da probabilidade.
Esse estudo mostra porque esses detalhes insignificantes (falsos ou
verdadeiros) são importantes para dar veracidade a uma meia verdade.
Ambos conduziram um experimento no qual descreviam uma jovem, enquanto
universitária. Depois apresentavam um teste para que determinado número
de pessoas analisassem a probabilidade do que a jovem poderia ter se
tornado:
- Uma feminista.
- Uma feminista bancária.
- Uma bancária.
Por qualquer análise que se faça, a probabilidade da jovem ser OU
feminista OU bancária era maior que ser feminista E bancária. No
entanto, a maioria absoluta dos pesquisados cravou na opção B.
A conclusão de ambos era a de que ser feminista era a opção mais
provável, a partir da descrição que fizeram da jovem, quando
universitária. Mas quando se acrescentava o emprego de bancária, mesmo
sem ter nenhum ingrediente capaz de induzir ao palpite, aumentava a
credibilidade da situação.
Concluíram eles:
"Se os detalhes que recebemos se adequarem à imagem mental que temos de
alguma coisa, então, quanto o maior o número de detalhes numa
situação, mais real ela parecerá e, portanto, consideraremos que será
mais provável - muito embora o ato de acrescentarmos qualquer detalhe do
qual não tenhamos certeza a uma conjectura, a torne menos provável"
Dá para entender, por aí, a gênese da parceria Veja-Carlinhos Cachoeira.
Luis NassifNo Advivo
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