É possível colher informações úteis na grande imprensa e aproveitar
ideias esclarecedoras que são apresentadas por alguns analistas. Mas,
são exceções. Além de não praticarem o jornalismo objetivo e
investigativo, no geral, a grande imprensa e os “grandes especialistas”
fazem das tripas coração para ocultar do público fatos e ideias que não
lhes convém divulgar.
1. Numa conversa de “alto nível” nas emissoras de TV, ninguém
quer ser um desmancha prazer. Afirmar que a eleição presidencial de
2014 está decidida seria o mesmo que falar um palavrão na frente da
garotada. No entanto, é óbvio que a presidenta Dilma Roussef, que já
era franca favorita, saiu da campanha eleitoral mais favorita ainda,
posto que os três principais partidos da base governista – PT, PMDB e
PSB – governam agora, nos municípios, 65 milhões de eleitores, contra
minguados 25 milhões dos dois principais partidos de oposição (PSDB e
DEM).
2. Silêncio! Falar ou escrever que a oposição se escondeu como
um bichinho acuado seria o mesmo que soltar o diabo no meio da
procissão. No entanto, é óbvio que a oposição não pôde se apresentar
como tal. Nenhum candidato ou partido oposicionista (?) ousou falar
contra o governo Dilma. Esconderam-se, ao contrário dos candidatos e
partidos da situação que faziam questão de ostentar sua posição
política pró-governo. Não queriam cair em desgraça. Falaram, quando
muito, contra o partido da presidenta, agitando com o Mensalão, num
tipo de discurso que explora o que há de mais atrasado na cultura
política nacional que é a posição antipartido em geral. José Serra
repetiu o tempo todo, como se fosse um achado literário, a vulgar
expressão “a turma do PT” para se referir ao partido do governo. Ora, em
2014, será a própria chefia do executivo federal que estará em
disputa. O que é que a oposição dirá ao eleitorado? Vai remendar a
bandeira rota do mensalão? Vai se apresentar como continuadora do
Governo Dilma? Nesse caso, apenas reforçarão a tendência da grande
maioria do eleitorado em votar na reeleição da presidenta.
3. Falar que a agitação em torno do Mensalão e a exploração da
homofobia evidenciam a inviabilidade eleitoral do programa político
real da oposição, nem pensar! Seria atrapalhar a democracia que exige a
“alternância no poder” – sempre que o poder não agrada a grande
imprensa, claro. No entanto, se o PSDB confinou-se no discurso
moralista contra a corrupção e na exploração do preconceito homofóbico é
porque o seu programa real, que é um programa neoliberal ortodoxo,
está em crise em toda América Latina e cada vez mais desmoralizado na
Europa. Onde encontrar o programa real, e não o programa retórico, do
PSDB?
Nas manifestações dos seus cardeais, deputados, economistas e
intelectuais no dia-a-dia da luta política e, no mais das vezes,
voltadas para um público restrito. Os tucanos vituperam contra a
recuperação do salário mínimo – ameaçaria a previdência e a estabilidade
da moeda, contra os programas de transferência de renda – o Bolsa
Família não teria “porta de saída”…, contra as quotas sociais e raciais –
ameaçariam o justo critério meritocrático e a unidade nacional…,
contra o “protecionismo” para a produção industrial local – criaria
cartórios…, contra a redução dos juros – esse desatino que nos afasta do
famigerado centro da meta de inflação, a política de investimentos do
BNDES etc. etc. Convenhamos que essas belas ideias, se reunidas num só
pacote e apresentadas ao grande público, são a senha certa para o
fiasco eleitoral. Melhor mesmo ficar na agitação contra a corrupção –
dos outros partidos, é claro…
4. E Aécio Neves, a estrela ascendente do estagnado PSDB?
Pegaria mal chamar atenção para o fato de que as “suas grandes
vitórias” nas eleições municipais consistiram em eleger candidatos a
prefeito pertencentes a um partido da base governista – o PSB – e não
candidatos oposicionistas do próprio PSDB? Aécio foi a Campinas fazer
comício para o candidato vitorioso Jonas Donizette, mas a propaganda
desse último fazia questão de ostentar sua condição de apoiador da
presidenta Dilma e de manter distância do partido de Aécio. Donizete
entoava nas rádios campineiras jingles enaltecendo o governo e a figura
da presidenta Dilma, nada de elogio ao tucanato. Essa foi uma das
“vitórias” que Aécio organizou para a “oposição”!
5. Falar que a maioria definiu o voto politicamente seria
cometer o pecado mortal de valorizar a vitória dos candidatos odiados
pela grande imprensa e pelos “grandes especialistas”. No entanto, se a
população votou em nomes desconhecidos, como o de Fernando Haddad em
São Paulo, não seria, justamente, porque usou como critério para
definir o voto o campo político que esse nome, até então desconhecido,
representava? Carisma de Lula? Mas, além de ninguém saber ao certo o
que poderia significar “carisma”, a grande imprensa e os “grandes
especialistas” sempre disseram que carisma não se transfere… E o
“conceito” de “poste”? Vale lembrar que a expressão foi muito usada na
época da ditadura militar para indicar o seguinte: a maioria sufraga os
nomes, conhecidos ou não, que se declarem contra a ditadura, isto é, o
voto em “poste”, como foi dito da candidatura senatorial vitoriosa de
Orestes Quércia em 1974, era – corretamente – avaliado como um voto
politizado, e não como voto personalista. Mudaram-se os tempos,
mudaram-se os interesses, mudaram-se, sem pejo, os conceitos.
6. Seria falta de modos perguntar, numa mesa redonda de um canal
qualquer de TV, quantas vezes a antiga UDN, à qual o PSDB se parece
cada vez mais, derrotou o varguismo agitando a bandeira da luta contra a
corrupção? José Serra, depois de obter 78% dos votos nos Jardins, o
bairro onde reside a alta burguesia paulistana, e míseros 16% no
proletário bairro de Parelheiros, terá, a exemplo do candidato
presidencial udenista, o Brigadeiro Eduardo Gomes, a franqueza e a
resignação para desdenhar os votos dos “marmiteiros”?
7. Nas mesas redondas, quadradas e retangulares montadas pelas
emissoras de TV, não se diz nada que extrapole a alternativa PT/PSDB;
mas, esperar uma discussão sobre a possibilidade de acumulação de
forças de um programa político popular, alternativo ao programa do
governo atual, seria iludir-se quanto à natureza de classe da grande
imprensa e dos “grandes especialistas”.
8. Onde se pode ler, ver e ouvir mais bobagens, abobrinhas e
ideias repletas de segundas intenções? Nos jornalismo político, no
jornalismo econômico, no cultural ou na imprensa esportiva?
Armando Boito Júnior é professor do Departamento de Ciência Política – Unicamp
No Escrevinhador
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