Há uns quinze, vinte anos atrás, ser politicamente incorreto era visto, erroneamente, como algo vanguardista. Quem era "irreverente" e "politicamente incorreto" era "in", e certos pseudo-esquerdistas caíram no delírio quando alguém fazia um falso maniqueísmo entre a direita, politicamente correta, e a esquerda, politicamente incorreta.
Mas os tempos passaram e até vários pseudo-esquerdistas mais veteranos migraram para a direita. E há um tempo um jornalista "politicamente incorreto" é explicitamente um dos militantes da mídia de extrema-direita do país.
O rapaz chama-se Leandro Narloch, cujo reacionarismo já foi alertado por Raphael Tsavkko Garcia. Ele está por trás de dois livros supostamente divertidos e bem-humorados, Guia do Politicamente Incorreto da América Latina - feito em parceria com Duda Teixeira - e Guia do Politicamente Incorreto da História do Brasil, que ele escreveu sozinho com todos os seus neurônios direitistas.
Narloch foi da revista Veja e da Superinteressante - revista até certo ponto superinteressante, mas disse, entre outros equívocos que a Banda Calypso continuava indie mesmo assinando com a Som Livre - e é notório detrator dos imigrantes nordestinos que vivem em São Paulo.
Pois os "divertidos" livros de Narloch são, na verdade, o equivalente brasileiro dos "manuais de idiotas" que Álvaro Vargas Llosa e amigos lançaram anos atrás. Vai no mesmo plano ideológico.
Para Narloch, parece que o mundo é uma podridão só. João Goulart para ele é "corrupto", Che Guevara foi um sanguinário implacável e anti-roqueiro, e pouco lhe importam as virtudes do imperador D. Pedro II. Talvez para Narloch os únicos seres humanos que prestam no planeta Terra sejam aqueles cujo profeta maior é Tio Sam.
Em suas entrevistas, Narloch até tem aquele jeito sinistro de depor do Paulo César Araújo, o historiador dos bregas que, mesmo conservador, é idolatrado pela esquerda mais frágil. O olhar sinistro, a mania de se justificar e de dizer que "batalhou muito para pesquisar e escrever seu(s) livro(s)" é totalmente o mesmo.
A grande diferença é que Narloch não faz nos seus livros o discurso "positivo" de PC Araújo. Daí não ter chance de virar "deus" entre a intelectualidade etnocêntrica nem se fantasiar de "esquerdista" para figurar na Fórum e Caros Amigos. Até porque o que Narloch escreve é puro anti-esquerdismo, dos mais explícitos.
Lendo os textos de Narloch, vê-se que seus "vilões" e "cafajestes" são quase sempre ligados a políticas nacionalistas ou socialistas, vistos ora como corruptos, ora como prepotentes, atrapalhados e metidos. Até Zumbi dos Palmares era visto como tão cruel com os negros quanto qualquer escravocrata.
Ler esse livro, para quem acredita nos movimentos sociais, não deve ser jamais engraçado. Pelo contrário, é o mesmo pesadelo ideológico que se lê nas páginas de Veja. Leandro Narloch soa como uma versão mais pop de Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo, que já são versões pop de Olavo de Carvalho.
Narloch demonstra ojeriza a índios, negros, nordestinos e portugueses, na sua historiografia politicamente incorreta. E politicamente reacionária. De repente, até Tio Patinhas, para Leandro Narloch, é muito mais digno de louvor do que qualquer ativista humanitário, sempre visto como uma figura sórdida escondida numa causa assistencialista.
A maior lição que traz figuras como Leandro Narloch é que fazer movimentos sociais é, para ele, impossível. Não se pode abraçar uma causa social que, de acordo com a ótica dele, sempre resulta em corrupção.
Leandro Narloch pode não ter a visibilidade que um William Waack e um Reinaldo Azevedo possuem, mas se ele não têm o poder de derrubar ministros de governos progressistas, pelo menos ele têm o poder de derrubar a memória histórica do nosso país.
Para Narloch, o Brasil é um país corrupto e cruel, incompetente e impotente, o qual só tem uma única salvação: se vender para os EUA.
Alexandre Figueiredo
No Mingau de Aço
Fonte: Blog Com Texto Livre
4 comentários:
Caro Saraiva,
seu comentário é mais de torcedor apaixonado do que realmente exemplo de visão crítica. Narloch e depois o mesmo e Duda Teixeira fazem uma revisão parcial sobre mitos da história brasileira e latinoamericana. Se fossem os livros teses acadêmicas isto seria um pecado irrevogável. Mas os livros são, explicitamente, uma crítica ao monopólio de um ponto de vista chamado "de esquerda" a respeito da história, do méxico à patagonia. Com uma densidade nada maior de referências (apesar de ser obra mais volumosa) Eduardo Galeano publicou suas opiniões em "Veias abertas da América Latina", livro apaixonadamente parcial e tido como respeitável tratado histórico-sociológico, com argumentos que estão na ponta da lingua de qualquer pessoa, mesmo que não seja de esquerda. Isso é monopólio ideológico. Narloch critica isto: "verdades" como a opressão e extermínio dos indios americanos pelos espanhóis, como o interesse inglês port trás da Guerra do Paraguai. Os espanhóis nunca concretizaram uma ofensiva militar de grandes porporções na América Latina, ao contrário de sua história na Europa e mesmo na África,os Incas e Aztecas já eram sociedades feudais e absurdamente elitizadas. Apesar da queda das monarquias, os nobres e os curacas mantiveram o status quo e na verdade o ampliaram em associação com os espanhóis, por isso se hispanizaram profundamente. Não é porque alguns, como Tupac Amaru ou Pumacahua se rebelaram contra a autoridade espanhola que isto os torna defensores do povo contra os colonizadores. Galeano falseia grosseiramente esses fatos. As evidências estão em documentos muito volumosos, espanhóis, mexicanos, peruanos e mesmo indios. Dezenas de historiadores apontam isto em teses, das quais algumas Narloch faz referências. Isto só para dar um exemplo. Narloch é decididamente um crítico do marxismo e de sua influência cultural, mas não há nenhuma consistência em chama-lo de imperialista e dizer que propôe nos entregar aos Estados Unidos como colônia submissa. Acho que o pensamento socialista, que pretende valorizar o homem e sua dignidade acima de qualquer outra coisa precisa de uam reflexão séria, de autocrítica e de menos paixão de torcida. Não acredito que sobre muita razão para desdizer pessoas como Narloch em seus argumentos, ainda que não haja razão para desacreditar na viabilidade de uma sociedade mais justa, ainda que tenha que se enterrar as vacas sagradas do marxismo.
Realmente, entendo que as pessoas se posicionem. Uns acreditam em uma coisa, outros em algo diverso, mas temos que analisar os fatos com cuidado. O fato, nesse caso, é o livro de Leandro Narloch. Na introdução do livro o próprio Narloch afirma que o livro busca desconstruir mitos. Ele não busca, por exemplo, mostrar que Zumbi foi um monstro, na verdade tenta mostrar que ele simplesmente não é da maneira como muitos acreditam (até porque, acreditam com base no que? Em que fonte histórica? essa é a questão). Falar que ele venera os EUA e odeia o Brasil é um exagero. É o tipo de afirmação que serve apenas para incitar as pessoas. O debate, firmado através de fontes confiáveis e sólidas, é benéfico, agora, uma opinião pessoal (sem qualquer provado quanto alega), não traz benefício algum para uma Sociedade que busca se desenvolver.
Os dois comentários acima são melhores que a postagem do blog.
Napoleão dizia que a historia é o conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo.
Narloch dá uma versão, um "lado B" - ou "C" - dos fatos. Ninguém, ninguém mesmo pode se arrogar como "dono da verdade histórica" já que não existe isso de "verdade" na história. Ela é escrita e reescrita ao sabor de interesses, conforme vencidos e vencedores se alternam nos modismos e governos.
A esquerda tem sua cota de crápulas, assassinos, corruptos e ditadores e exatamente como a direita faz com seus crápulas, assassinos, corruptos e ditadores, os considera "heróis"...
Postar um comentário