No próximo dia 20 será julgado, em segunda instância, o caso Falha de
S.Paulo x Folha de S.Paulo. Trata-se de um julgamento de fundamental
importância para a defesa da liberdade de expressão.
O site Falha de S.Paulo, criado pelos irmãos Mário e Lino Bocchini, era uma divertida paródia do jornal Folha de S.Paulo e
brincava com os recorrentes erros da publicação da família Frias.
Porém, Lino e Mário mexeram em um verdadeiro vespeiro. Uma vez
parodiada, a Folha convocou ao ataque seus advogados
Com apenas um mês do site no ar, a Folha de S.Paulo entrou na
Justiça e conseguiu censurá-lo. O juiz, em julgamento de primeira
instância, determinou o congelamento da página por “concorrência
desleal” e por provocar suposta “confusão” no leitor.
Pois bem, não vejo como o Falha de S.Paulo pode ser acusado de concorrência desleal contra o gigante Folha de S.Paulo.
O Falha não tinha qualquer remuneração: assinantes, venda ou qualquer
outra forma de obtenção de lucro. E muito menos pretendia concorrer com
os Frias, uma vez que seus públicos são completamente distintos.
O mais interessante é que a ação movida pelo jornal sequer apresentava o
argumento de “concorrência desleal”. A ação contra a Falha era baseada
no suposto uso indevido da marca do periódico e na confusão que
poderia gerar nos seus leitores.
Este caminho também está totalmente equivocado. Falha e Folha
não se confundem. A brincadeira com o nome é simplesmente um recurso
para que a paródia seja facilmente identificável com o seu alvo. O
leitor jamais iria entrar no site Falha de S.Paulo e acreditar que está
acessando o site da Folha. Um é uma paródia, com brincadeiras de uma
ironia fina; o outro, pretende ser um site de notícias “sérias”.
Um dos casos concretos na jurisprudência apresentado pelo jornal na sua
peça inicial refere-se a uma empresa que utilizou-se do nome Dall para
a venda de computadores, causando assim confusão com a marca Dell
entre os consumidores. Porém, neste caso, o intuito de ambas é o mesmo,
a comercialização de produtos de informática. Algo completamente
distinto do caso Folha x Falha, onde uma parte é uma empresa de
comunicação com fins comerciais e, a outra, uma paródia sem qualquer
finalidade comercial.
“O site não possuía sequer um banner comercial. A tese de confusão entre os sites é um desrespeito com o próprio leitor da Folha de S.Paulo.
Não vejo como um leitor entraria em um site que, por exemplo, associa a
figura do Otávio Frias com o personagem Darth Vaider, e acreditar que
estava acessando o site da Folha”, afirma Lino Bocchini.
No campo dos exemplos, prefiro citar o que foi apresentado pelo relator
especial da ONU, Frank La Rue, durante visita ao Brasil. La Rue citou o
jornal norte-americano The New York Times, que já sofreu
diversas sátiras semelhantes à Falha de S.Paulo, como a feita pelo site
Not New York Times, e nunca acionou judicialmente aqueles que o
criticavam.
“É o mais lógico”, disse o relator. “É interessante esse uso da ironia
que vocês fizeram usando as palavras Folha e Falha. Uma das formas de
manifestação mais combatidas hoje em dia, e que deve ser defendida, é o
jornalismo irônico”, defendeu La Rue.
Apesar da tentativa de manipulação dos fatos pelos advogados da Folha de S.Paulo,
o pano de fundo do julgamento passa longe de questões como
concorrência desleal, uso indevido de marca ou confusão no público
leitor. Trata-se de uma disputa judicial onde a questão central é a
liberdade de expressão. O direito à paródia e à sátira como forma de
crítica, não importando o quão poderoso seja o seu alvo.
Leia a análise de Lino Bochini sobre os possíveis desdobramentos do caso:
Esse julgamento é importante porque, segundo o próprio juiz de
primeira instância, trata-se de um caso inédito na Justiça brasileira. A
disputa que está posta, é um suposto desejo da Folha de defender sua
marca e, de nossa parte, a defesa da liberdade de expressão. A
jurisprudência que se abrirá para um lado é importantíssima. Em caso de
vitória da Folha, outras empresas que quiserem censurar blogueiros ou
qualquer conteúdo na internet ganhará uma nova arma. Bastará usar o
mesmo argumento vago de “uso indevido da marca” e pronto. A boa notícia
é que, no caso de vitória nossa, a jurisprudência que se abre é a
favor da coletividade. Ou seja, se outra empresa quiser censurar alguém
por via judicial, terá mais dificuldades.
Essa questão coletiva é um dos motivos que tornou o caso tão visado.
O outro é o que nos motivou a criar a falha: seu jornalismo
extremamente partidário, travestido de imparcial. Isso não é contra
lei. Mas denunciar a hipocrisia do jornal, que tem lado e claras
preferências políticas, também é permitido. E é esse direito que
queremos ter assegurado.
No Renato Rovai
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