No curso da Segunda Guerra Mundial, o papa Pio XII, com as burras
vaticanas cheias, resolveu fazer tábula rasa ao texto do evangelista
Mateus sobre não se poder servir ao mesmo tempo ao Senhor e a Mamon,
para usar a palavra aramaica dita por Jesus Cristo e traduzida por
dinheiro, riqueza. Assim, em junho de 1942, foi fundado o Banco do
Vaticano, disfarçado pelo acrônimo IOR (Instituto para as Obras
Religiosas).
No CartaCapital
O papa Bento XVI tenta reforçar a ideia da renúncia por ter perdido forças para enquadrar a Santa Sé e seu secretário de Estado e antigo colaborador, o cardeal Tarcisio Bertone Foto: Stefano Rellandini/ Reuters/ LatinStock |
A meta era fazer o capital render frutos. Algo já executado pelo papa
Mastai Ferretti (Pio IX), que, com Roma no caminho irreversível de
integrar a Itália unificada (1870) e ser a futura capital, mandou o
belga Francesco Saverio de Merode comprar, a preço de banana e para a
Igreja, terrenos numa área urbanisticamente estratégica: virou a zona
ferroviária central e a englobar a famosa Stazione Termini.
O papa Bento XVI, nesses últimos dias de pontificado, tenta reforçar a
ideia da renúncia por ter perdido as forças e o ânimo para enquadrar a
Santa Sé, ou seja, a detentora de poder soberano por representar a
Igreja Católica e o Estado do Vaticano. Um detalhe: a Santa Sé, que é
uma espécie de conselho de ministros (Cúria Romana) num regime laico
parlamentarista, é composta de membros escolhidos pelo próprio papa, que
designa um secretário de Estado (ou primeiro-ministro), no caso, o
cardeal Tarcisio Bertone.
Bertone, que há pouco o papa recusou publicamente seu beija-mão e a
escancarar a desconfiança, é um antigo colaborador de Ratzinger e dos
tempos do Santo Ofício, repaginado em Propaganda Fide. Ao revelar a
ingovernabilidade da Santa Sé, empurra a responsabilidade para o
secretário de Estado e mantém a aura do magistral teólogo
espiritualizado e distante das questões temporais.
Por pressão de Bertone, o papa Ratzinger engoliu o preenchimento do
cargo de presidente do conselho de administração do IOR. Cargo vago há
nove meses com o escandaloso afastamento do banqueiro Gotti Tedeschi,
outro da turma de Bertone. Essa nomeação à undécima hora passou a ser
considerada um ato de “blindagem” a Bertone. Em outras palavras, um fato
consumado e a não deixar espaço para o futuro pontífice, que poderá não
ser Bertone.
Na estrutura administrativa da monarquia vaticana, o IOR está atrelado à
Secretaria de Estado e conta com uma comissão cardinalícia de
vigilância presidida pelo próprio Bertone e da qual participa Odilo
Scherer, cardeal-arcebispo de São Paulo. Em resumo, foi escolhido Ernst
von Freyberg, por rezar na mesma cartilha de Bertone e que conseguiu,
também, prorrogar os mandatos dos demais integrantes do conselho
administrativo do IOR.
Von Freyberg, de 54 anos, será a garantia do silêncio e da tradição de
não se punirem grandes bandidos que, aliás, contam com imunidade
diplomática, a alcançar todos os membros do IOR. Só para lembrar, o
mandado de prisão expedido pela Justiça italiana em fevereiro de 1987
contra o então prelado Paul Casimir Marcinkus, presidente do IOR por 19
anos (sua posse deu-se em 1971), jamais foi cumprido diante da imunidade
vaticana.
Para o jornal Corriere della Sera, o cardeal Bertone, quanto ao IOR,
executou a estratégia do “fato consumado”. Como brechas ficaram a gestão
fraudulenta do Instituto Dermatológico (IDI) e a falência fraudulenta
do Hospital São Rafael, do nada franciscano monsenhor Luigi Verzè, com
rombo estimado em 1,5 bilhão de euros.
O IOR sempre foi o calcanhar de aquiles dos papas. Nas épocas de Paulo
VI e João Paulo II vieram a furo os escândalos protagonizados pelo
arcebispo Marcinkus, que teve como comparsas Michele Sindona, banqueiro
da Máfia, Roberto Calvi, que transformou o Banco Ambrosiano em
lavanderia, e Licio Gelli, mandachuva da Loja Maçônica P2. O prejuízo
financeiro da Santa Sé, que mente ao afirmar não ter havido nenhum,
beneficiou Gelli e Umberto Ortolani, que, por evidente, fugiu para o
Brasil e se instalou em luxuoso apartamento no Morro dos Ingleses,
sofisticado bairro paulistano.
Os valores desviados referiam-se a pacotes acionários do Vaticano. O
objetivo era evitar pagar as taxações estabelecidas pelo governo
italiano e referentes a dividendos acionários: Marcinkus foi dado como
membro da Loja Maçônica e se descobriu que outro membro, de carteirinha
número 1.816, era Silvio Berlusconi.
Marcinkus ficou protegido no interior dos muros leoninos que cercam o
Vaticano até 1989. Tempo suficiente para preparar seu sucessor, o bispo
Donato De Bonis. Ele transformou o IOR numa offshore secreta e usava
como laranja para depósitos em conta corrente o cardeal-arcebispo de
Nova York, Francis Spelman.
Pelo Banco do Vaticano, presidido por De Bonis, passaram as propinas
pagas no escândalo da Enimont, da qual a estatal italiana ENI detinha
80% do capital acionário. De Bonis, depois de afastado sem sanções por
Wojtyla, virou diretor espiritual da Soberana Ordem Militar de Malta.
Por coincidência, o novo presidente do IOR pertence a essa ordem fundada
em 1048.
Wálter MaierovitchNo CartaCapital
Nenhum comentário:
Postar um comentário