por Gilberto Nascimento, especial para o Viomundo
O cardeal alemão Joseph Ratzinger chegou a ser chamado de “rotweiller do
papa”, nos anos 1980 e 1990. Era, então, o todo poderoso prefeito da
Congregação para a Doutrina da Fé, a antiga Santa Inquisição. Eminência
parda de João Paulo II – a quem sucedeu, em abril de 2005 -, Ratzinger
defendeu ferozmente a restauração do poder episcopal, a volta à
ortodoxia.
Combateu a Teologia da Libertação e ajudou a dizimar a Igreja
identificada com a opção preferencial pelos pobres, a partir do Concílio
Vaticano II (1962-1965), principalmente na América Latina. Ratzinger
foi o algoz do brasileiro Leonardo Boff, seu ex-aluno. Calou o teólogo
franciscano com o “silêncio obsequioso”, em 1985.
No comando da Santa Sé, já como o papa Bento XVI, cercou-se de cardeais
conservadores, fortalecendo uma linha de ação delineada no pontificado
de João Paulo II. Deu poder a movimentos católicos de inspiração
autoritária e ultraconservadora.
Incrustados na Cúria Romana, esses grupos iniciaram uma acirrada disputa
pelo poder. Vários auxiliares foram acusados de desvios financeiros e
envolvidos em outros escândalos, como os casos de pedofilia.
Sem controle da situação, Bento XVI –agora às vésperas de sua renúncia
-, descobriu tardiamente que não governava sozinho. Em meio a uma rede
de intrigas, vaidades e ambição, perdeu o comando. Se viu sem forças.
Nomeações feitas por ele sem seguir preceitos e hábitos comuns no
Vaticano também geraram fortes reações. Ao recrutar antigos
colaboradores, colocando-os em postos-chave, contrariou interesses de
esquemas enraizados na Santa Sé.
Até os anos 1990, só se falava na divisão interna na Igreja entre os
chamados conservadores e progressistas. Hoje, são os integrantes dos
grupos mais à direita, incensados por Bento XVI, que o sabotam.
O papa, após anunciar sua renúncia, criticou “a divisão no corpo
eclesial” que deturpa “o rosto da Igreja”. Denunciou a “hipocrisia
religiosa” e o comportamento daqueles que querem “aparecer”, que buscam o
“aplauso e aprovação”. Bento XVI só não identificou quem seriam esses
“hipócritas” que lutam desbragadamente em busca do poder na Santa Sé.
À frente, nessas disputas, estão fortes correntes conservadoras na
Igreja Católica, como a Opus Dei, considerada um verdadeiro “exército do
papa”. O outro grupo mais expressivo é a Fraternidade de Comunhão e
Libertação, cujos membros, por causa da fervorosa devoção, chegaram a
ser rotulados de “stalinistas de Deus” e “rambos do papa”. No
pontificado de João Paulo II eram os “monges de Wojtyla”.
A Opus Dei e a Comunhão e Libertação são os dois grupos com mais força
atualmente na Igreja Católica. Mas despontam ainda outros movimentos
como os Focolares, o Neocatecumenal e os Legionários de Cristo.
A Opus Dei, fundada em 1928 na Espanha pelo sacerdote Josemaria Escrivá
(canonizado em 2002), cresceu no país durante a ditadura de Francisco
Franco, de 1936 a 1975. Hoje, está em 90 países, com 89 mil seguidores
em todo o mundo.
Seu objetivo, segundo os líderes, é difundir a vida cristã. Certas
práticas atribuídas aos seguidores são criticadas, como um suposto
hábito de golpear costas e nádegas com chicote. Adeptos seriam obrigados
ainda a relatar aos superiores até seus pensamentos.
Grande parte dos integrantes da Opus Dei ocupa cargos de liderança e
destaque na sociedade. A organização conta em seus quadros com cardeais,
bispos e, ao menos, dois mil sacerdotes. Mantém instituições de ensino
como a Universidade de Navarra (Espanha), um seminário em Roma, 600
colégios e 17 escolas de administração e negócios.
Seu braço para a área empresarial é o IESE Business School (Instituto de
Estudos Superiores de Empresa), instalado também no Brasil e com planos
de oferecer cursos no País – entre eles um de gestão de mídia – a 500
alunos. No Brasil, são ligados à Opus Dei o jurista Ives Gandra Martins e
o professor de Comunicação Carlos Alberto Di Franco, entre , entre
outros.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, revelou em uma entrevista
que seu livro de cabeceira é “Caminho”, de Josemaria Escrivá. Disse ser
admirador das ideias do sacerdote espanhol, mas nega ser seguidor da
Opus Dei.
Presente em 80 países e com cerca de 200 mil simpatizantes, o movimento
Fraternidade de Comunhão e Libertação tem como seu maior expoente o
cardeal de Milão, Angelo Scola, ligado a Bento XVI. Foi fundado em 1954
na Itália pelo monsenhor Luigi Giussani e hoje é dirigido pelo espanhol
Julián Carrón. Seus integrantes propõem a cultura como “chave de leitura
da história”. Os conflitos na sociedade, na visão deles, devem ser
analisados a partir da cultura e não da luta de classes ou de questões
econômicas.
Fundado em 1943, na Itália, por Chiara Lubich, o movimento Focolares
reúne hoje 100 mil membros. Tem como um de seus principais
representantes em Roma o cardeal brasileiro João Braz de Avis, prefeito
da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de
Vida Apostólica. É um nome bastante citado como papável. Ex-arcebispo de
Brasília, Avis ainda integra o Pontifício Comitê para os Congressos
Eucarísticos.
O movimento Focolares é considerado uma “associação de fiéis de caráter
privado e universal de direito pontifício” e seus integrantes se dizem
“consagrados na pobreza, castidade e obediência”.
Presente em 15 mil comunidades de 105 países e com um milhão de
seguidores hoje, o movimento Neocatecumenal surgiu em Madri, nos anos
1960. Foi criado pelo pintor espanhol Francisco Argüello. Seu objetivo
era ajudar paroquianos a buscar a evangelização numa época de sociedade
“descristianizada”.
Outra corrente religiosa, a Congregação dos Legionários de Cristo, foi
criada em 1941, na Cidade do México. Seu fundador, o padre mexicano
Marcial Maciel, foi acusado de abusar sexualmente de seminaristas
menores de idade. Após denúncias e visitas de uma comissão nomeada pelo
papa Bento XVI, a organização sofreu uma intervenção da Santa Sé.
Em meio a esse emaranhado de grupos, visões e interesses distintos, os
conflitos na Cúria Romana se avolumaram. Na busca pelo poder, cargos são
disputados ferrenhamente.
Ao nomear representante de um grupo para um posto importante, o papa
desagrada outros. Tensões ocorreram, por exemplo, a partir de indicações
como a do italiano Ettore Gotti Tedeschi, ligado à Opus Dei, para o
Instituto de Obras Religiosas (IOR), o banco do Vaticano. Tedeschi
assumiu em 2009 e foi demitido no ano passado, por má gestão.
Amigo do papa, Tedeschi teria sido vítima de um complô armado por
conselheiros da instituição financeira para desmoralizá-lo. Por trás,
estaria o cardeal Tarcísio Bertone, secretário de Estado do Vaticano,
segundo documentos vazados no chamado escândalo VatiLeaks. O banco,
conforme denúncias, recebia dinheiro de origem duvidosa.
A nomeação do próprio Bertone para a Secretaria de Estado teria gerado
insatisfações. O motivo seria o fato de Bertone não vir da área
diplomática, o que seria uma tradição na Cúria Romana nas indicações
para tal cargo. Ex-secretário de Ratzinger na Congregação para a
Doutrina da Fé, Bertone é salesiano.
Bento VXI também removeu do cargo de porta-voz do Vaticano o espanhol
Joaquim Navarro Valls, um quadro da Opus Dei bastante próximo de João
Paulo II. Valls ocupava a função havia 22 anos e foi substituído pelo
padre jesuíta Federico Lombardi.
Outra atitude considerada incomum foi a remoção, em 2011, do cardeal
Angelo Scola, então primaz de Veneza e detentor de vários cargos na
Cúria Romana, para o posto de arcebispo de Milão.
Scola, do movimento Comunhão e Libertação, é apontado como um dos
favoritos para a sucessão de Bento XVI. Sua ida para Milão pode ter sido
um indicador, segundo vaticanistas, de que seja o nome preferido pelo
papa para sucedê-lo. O papa também transferiu um bispo brasileiro,
Filipo Santoro, de Petrópolis para uma diocese da Itália, a fim de que
ele pudesse servir mais de perto ao movimento Comunhão e Libertação.
Ex-assessor da CNBB e estudioso dos assuntos do Vaticano, o padre Manoel
Godoy, diretor-executivo do Instituto Santo Tomás de Aquino (de Belo
Horizonte), alerta que o próximo papa deverá fazer mudanças profundas na
Cúria Romana para não virar refém das atuais estruturas de poder.
Segundo Godoy, cardeais eméritos que continuam na Santa Sé acabam
formando grupos de conspiradores capazes de desestabilizar o papado. “Os
cardeais aposentados ficam lá. Têm muito tempo para arquitetar planos e
propostas e não deixam o papa governar”, constata.
Alguns desses cardeais, como os italianos Angelo Sodano, decano do
Colégio Cardinalício, e Giovanni Batista Ré, o eslovaco Josef Tomko e o
colombiano Dario Castrillón Hoios, seriam simpáticos a interesses
defendidos pela Opus Dei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário