A morte da Falha de S. Paulo é um atentado à liberdade de expressão
PAULO NOGUEIRA
Nota do redator: este texto foi escrito pouco antes de, mais uma vez, a justiça se decidir, absurdamente, contra a Falha de S.Paulo, nesta manhã.
Torço pela ressurreição da Falha de S. Paulo, morta pela Folha de S.
Paulo. A paródia foi abatida a tiros na justiça pelo ‘jornal a serviço
do Brasil’.
Os responsáveis pela Falha não se dobraram. Hoje, o caso será apreciado
pela justiça na segunda instância. Na primeira, a sentença de morte foi
mantida.
Torço pela vitória da vida, e da liberdade de expressão, hoje. O
otimismo é moderado, dada a diferença do poder econômico e de
intimidação entre as duas partes.
Soube do caso ao escrever sobre a participação de Diogo Mainardi no Roda
Viva. Vi então que um jornalista fora desconvidado pelo programa. Era
ele, o editor da cassada e caçada Falha de S. Paulo.
É um caso que mereceria uma discussão na imprensa brasileira,
certamente. Mas, pelo que entendo, a mídia tradicional ignorou e ignora o
assunto.
O jornal conseguiu nos tribunais tirá-la do ar com argumentos jurídicos
de duvidosa qualidade — se pensarmos que a Folha se autoproclama uma
campeã da liberdade de expressão. A eles se juntou uma pressão econômica
ignominiosa: os irmãos responsáveis pela Falha, Lino e Mário Bocchini,
jovens da classe média paulistana, simplesmente quebrariam se não
tirassem rapidamente o site do ar.
Notemos que nos Estados Unidos o New York Times nada fez contra a
paródia Not New York Times, e como esta há copiosas histórias no mundo
da imprensa.
A mídia brasileira gritou, há algum tempo, quando o jornalista
equatoriano Emilio Palacio foi processado pelo governo de Rafael Correa e
condenado a pagar uma multa pesada – afinal perdoada.
Palacio — arquiconservador, uma espécie de Reinaldo Azevedo de poncho,
apenas com mais poder, uma vez que tinha o cargo de editor de opinião do
principal jornal equatoriano — costuma chamar Correa de Grande Ditador,
com maiúsculas, num absoluto desprezo não apenas ao presidente mas aos
milhões de equatorianos que o elegeram não uma, mas duas vezes. A
administração de Correa é, nos artigos de Palacio, “a Ditadura”.
Sabemos o que é ditadura. Palacio seria bem menos corajoso se estivesse
sob uma de verdade. Sob Pinochet, por exemplo. É, como seu duplo
brasileiro, o falso herói, aquele que se voluntaria para lutar quando
não há guerra. Hoje, Palacio está nos Estados Unidos, de onde
continuará, bravamente, a combater a vontade de seu povo como se fosse
um mártir da liberdade.
A mídia brasileira se alvoroça também com o esculacho dado à blogueira
Yoani Sanchez, como se vaiá-la não pertencesse ao terreno sagrado da
liberdade de expressão.
Mas nenhuma voz se ergue em defesa da Falha de S. Paulo. Vejo que o
argumento para bani-la é que ela é uma ameaça à marca Folha de S. Paulo.
Hahaha. Falha de S. Paulo é um apelido carinhoso que os paulistanos
deram à Folha há muito tempo. Seus próprios jornalistas muitas vezes se
referem assim a ela nas conversas informais. A Falha é, ou era,
simplesmente uma paródia, uma brincadeira, uma comédia.
Teria feito sentido o Estado de S. Paulo, em 1921, pedir que a
recém-fundada Folha de S. Paulo fosse suprimida pela semelhança do
produto e pelo uso de S. Paulo no logotipo? E a AOL deveria tentar
liquidar o UOL?
Foi um ato de intolerância e intimidação o que a Folha fez com a Falha,
um mau momento que remete à empresa que, na escuridão espessa, sob as
ordens de seu dono — Octavio Frias, que Clóvis Rossi adora dizer que era
um grande jornalista –, emprestava carros para a ditadura militar
perseguir e matar opositores. Se é verdade que as pessoas podem
confundir as duas pela semelhança das marcas — uma enorme, outra
composta de dois irmãos — então a Folha tem um problema sério de
conteúdo e e identidade, e ele não vai ser resolvido com a extinção da
Falha.
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