Apesar de serem a mesma pessoa, Joseph Ratzinger e o
Papa Bento XVI eram duas personalidades diferentes. A opinião é do
teólogo e professor universitário Leonardo Boff, um dos poucos
brasileiros que conviveram com o líder católico, que anunciou nesta
segunda-feira o fim de seu pontificado. Ex-integrante da ordem
franciscana e um dos expoentes da Teologia da Libertação no Brasil,
Leonardo Boff falou à Agência Brasil sobre o papa Bento XVI "de função ambígua e polêmica" e de atitudes rígidas.
"Uma coisa é o Ratzinger professor e acadêmico, que era
extremamente gentil e inteligente, além de amigo dos estudantes. Dava
metade do salário aos estudantes latinos e da África. Outra coisa é o
Bento XVI, que exerce função autoritária e centralizadora, sem
misericórdia com homossexuais e adeptos da camisinha", disse Boff.
O teólogo define Ratzinger da fase pré-papal como um
pastor e professor extremamente erudito e de fácil acesso, conforme
Boff: "Era pessoa simples que, ao se tornar cardeal, mudou de
comportamento e passou a assumir posições duras. Tratava com luvas de
pelica os bispos conservadores e com dureza teólogos da libertação que
seguiam os pobres".
Segundo Boff, dois aspectos caracterizaram o Ratzinger
da fase posterior. "Primeiro, o confronto com a modernidade, no encontro
com as culturas e com outras religiões. Tinha a compreensão de que a
Igreja Católica era o único porta-voz da verdade, e a única capaz de dar
rumo a toda humanidade. Por isso, teve dificuldades com muçulmanos e
judeus", afirmou.
O segundo aspecto tem origem à época em que era cardeal.
"Ele pedia aos bispos que impedissem que padres pedófilos fossem
levados aos tribunais civis. Na medida em que a imprensa mostrou que
havia não apenas padres, mas também bispos e cardeais suspeitos dessa
prática, o Vaticano teve de aceitar a realidade. Ratzinger carrega essa
marca de, quando cardeal, ter sido cúmplice desses crimes", declarou
Boff.
Na avaliação do ex-franciscano, outro ponto fraco da
atuação de Bento XVI como maior líder da Igreja Católica foi o de levar
um papado tradicional, voltado para dentro da Europa. Na opinião de
Boff, o papa construiu "uma igreja baluarte: fortaleza cercada de
inimigos por todos os lados", e contra os quais tinha de se defender.
"Acho que o projeto dele era uma reforma da igreja ao estilo do passado,
voltada para dentro e tendo como objetivo político a reevangelização da
Europa. Nós, fora de lá, consideramos esse projeto como ineficaz e como
opção pelos ricos. Projeto equivocado", argumentou. "Não é um papa que
deixará marcas na história", completou.
Boff disse não ter recebido com surpresa a notícia de
que o Papa deixará o posto e que já sabia que ele vinha tendo problemas
de saúde que o comprometiam física e psicologicamente para exercer o
ofício. "Recebo com naturalidade essa notícia. Essa decisão segue sua
natureza objetiva. Não é praxe um papa renunciar. Ele desmistificou a
figura dos papas, que geralmente ficam no cargo até morrer.
Provavelmente por entender o papado como um serviço. Essa atitude merece
toda admiração e respeito. Esperamos, agora, que até a Páscoa, em
meados de março, elejam um novo papa. De preferência um papa mais
aberto. Até porque 52% dos católicos vivem no terceiro mundo e não mais
na Europa", concluiu.
Do Portal do Terra.com.br
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