O julgamento do mensalão “transcende. Implica em dar um golpe em um
movimento histórico do povo brasileiro, que produziu líderes, que
produziu expressões”, defendeu o jornalista Paulo Moreira Leite ao falar
sobre a Ação Penal 470, apelidada pela imprensa de “Mensalão”, na noite
desta quarta-feira (19), em São Paulo.
Vanessa Silva, para o Portal Vermelho
Durante o lançamento do seu livro “A outra história do Mensalão – As
contradições de um julgamento político”, o jornalista, que foi diretor
da Época e redator-chefe da Veja versou
sobre as incômodas verdades do processo, a necessidade de democratizar a
mídia, e suas motivações pessoais para a prática do jornalismo.
O lançamento foi realizado com uma coletiva de imprensa para blogueiros,
promovida pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé,
em parceria com a TV dos Trabalhadores (TVT) e a Editora Geração, com
transmissão ao vivo pela internet. Geração Editorial também publicou o
best-seller "A Privataria Tucana".
Acompanhe os melhores momentos da coletiva:
Condenações sem provas
Eu resolvi fazer o livro depois que vi que terminou o julgamento e havia
uma insatisfação muito grande com a falta de informações. Vi que na
medida em que eu fazia os artigos no site da Época, eu tinha uma
resposta muito grande. Descobri as verdades incômodas deste julgamento
quando fiz um trabalho sério como repórter, falei com pessoas, que
tinham investigado a denúncia do Ministério Público e da própria Polícia
Federal. Então percebi que o que foi apresentado não é o que foi
concluído tecnicamente.
O caso básico é o dos empréstimos do Banco Rural ao PT. A denúncia é que
eram uma fraude, que não existiam. Esta questão é base para condenar
gente do banco rural e também o José Genuíno. Para a minha surpresa, a
Polícia Federal viu que os empréstimos foram assinados, caíram na conta e
depois foi usado para saldar dívidas reais do PT. A justiça condicionou
como esses empréstimos seriam pagos e eles finalmente foram pagos. Os
empréstimos são reais, não são fraudulentos.
Criminalização da atividade política
O discurso que vem sendo utilizado é de criminalização da prática
política. Não se debate que as eleições são disputadas de forma
democrática e que nossa democracia precisa ser aperfeiçoada e nunca
dispensou o Caixa 2, por exemplo.
O próximo passo agora seguramente é incriminar o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Temos pessoas que foram condenadas a mais de 40
anos — mais que a Suzana Von Richthofen, que matou o pai e a mãe em 2002
— então abriu-se uma situação que não sabemos até onde vai. Eu acho que
os precedentes que este julgamento abriu são preocupantes. Temo que
este precedente comece a ser utilizado para criminalizar os
trabalhadores.
O que achei ainda mais preocupante foi o fato de o Supremo ter
deliberado sobre o mandato dos deputados condenados. A Constituição é
clara e reserva para a Câmara a deliberação sobre o mandato dos
deputados e para o Senado o de senador. Isso me parece uma coisa que
afeta a divisão de poderes, pode ter uma consequência política muito
grande, porque temos um órgão que não é eleito pelo povo, um poder cuja
fonte de poder não está no voto popular e toma medidas sobre a decisão
do povo. Isso para mim é muito sério.
Articulação de um golpe
Acho que estamos assistindo a uma situação na qual é preciso entender
que aquelas pessoas que foram derrotadas em 2002, 2006, 2010 e 2012,
chegaram a um ponto em que elas consideram insuportável. Então estão
irritadas, com ódio, estão procurando de todas as maneiras derrotar todo
este processo. E são adversários que desaprenderam a ganhar pela via
democrática. Eles sequer têm candidato a presidente para 2014.
Então acho que estão tentando criar um clima… Aquilo que essa burguesia
educada brasileira aceitava, já não aceita mais. Mesmo as concessões que
Lula fez, modestíssimas muitas delas, se tornaram insuportáveis. Isso
cria um ambiente em que tudo é motivo para o achincalhe, para a
desmoralização. Tem colunistas que leio que parecem Mussolini tamanho o
ódio, tamanha a raiva. Estas pessoas não estão lidando com parceiros,
não estão aprendendo a lidar com a democracia. Estamos vivendo uma
situação em que tem parte das forças de oposição ao governo que não
estão lidando com o jogo democrático, o que supõe ter que aceitar uma
derrota. Acho realmente isso preocupante, mas não acho que estejamos na
iminência de um golpe, justamente porque há muito apoio popular e a
memória do povo está forte.
Reforma judicial
Não acho que seja possível uma reforma judicial nos moldes que alguns
países da América Latina estão realizando. Para mim, este debate é igual
à questão do terceiro mandato de Lula. Depois desta derrota [para os
setores governistas, com o caso do Mensalão], não dá para propor isso.
O erro o PT
A partida não está perdida, como ficou demonstrado na eleição de 2012,
quando em pleno julgamento, quando foi votada a condenação de Dirceu e
Genuíno, Lula carregou a vitória nas costas de modo inesquecível. Mas
vamos pensar: no momento em que houve a denúncia do Mensalão, ela teve
mais credibilidade porque muitas pessoas falaram em refundar o PT,
falaram que não reconheciam aquele partido… Não quero criminalizar
ninguém, mas muita gente não estava entendendo o que estava acontecendo e
não recebeu explicação suficiente na hora certa. Lula ganhou esta
questão na política quando em 2006 houve a tentativa de emparedá-lo. Mas
quando veio o debate jurídico, muitas pessoas estavam desarmadas.
Mensalão mineiro X petista
O que está em questão neste debate entre as diferenças entre os dois
julgamentos é que ninguém acha que o Eduardo Azeredo é um lutador do
povo brasileiro semelhante a Genuíno e Dirceu. Ele não tem esta ligação
com a história. O que está em discussão aqui transcende um pouco.
Implica em dar um golpe em um movimento histórico do povo brasileiro,
que produziu líderes, que produziu expressões. E que não por acaso foram
pessoas perseguidas pela ditadura, foram pessoas torturadas, que foram
reprimidas, que tiveram seus direitos desrespeitados antes e depois da
democracia. Porque estamos falando de pessoas que realmente têm uma
ligação com a história. Por isso este ato que não terá reparação.
Estão cometendo uma grande injustiça e que terá consequências. O PSDB
quer tirar o Azeredo do partido para não atrapalhar eleitoralmente.
Enquanto que o debate aqui envolve a história do Brasil. O mesmo
Tribunal que não quis julgar a tortura sofrida por Genuíno, depois o
condena. Na boa: politicamente será que isso não quer dizer nada?
Posicionamento da mídia
A mídia expressa outra força. Tem interesses de classe, de manutenção de
uma ordem. Por isso, o outro lado da sociedade tem que ter uma mídia, é
preciso democratizar a comunicação. Ela tem que ter seu veículo
próprio, que expresse seu ponto de vista, organize seus eleitores. Se
aplicassemos o que a Constituição diz, acho que bastaria para
regulamentar a comunicação. Mas é um péssimo momento para fazer isso na
medida em que economicamente as empresas de mídia estão afundando.
A prática jornalística
Eu nunca quis ser jornalista para ficar rico. Sabe aquela coisa: vamos
ser jornalista para ajudar o mundo a ficar melhor, que tudo mundo acha
bobo? Eu não acho. Acho legal, acho bacana.
Eu não tenho medo das consequências da denúncia que estou fazendo. Estou
conquistando uma coisa chamada liberdade e isso não tem preço. Fiz este
livro e isso é bacana. Para quê eu queria ser jornalista? Porque eu
achava bacana.
Serviço:
A outra história do mensalão
Autor: Paulo Moreira Leite
Categoria: Reportagem
Formato: 16×23
Páginas: 352
ISBN: 9788581301518
R$ 34,90
Editora: Geração |
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