Património de 50 milhões nas mãos do Opus Dei
Bens ultrapassam os 50 milhões de
euros, impulsionados pelos quase 42 milhões da Fundação Maria Antónia
Barreiro. Um hotel, uma escola superior, dezenas de imóveis, uma
financeira e até uma escola de futebol fazem parte das estruturas
controladas pela obra, através dos seus membros, embora legalmente não
exista qualquer ligação.
O registo comercial é claro: o Opus Dei em Portugal só é dono de três
jazigos. Porém, as ações da obra ocorrem num património muito mais
vasto, controlado por membros da organização e superior a 50 milhões de
euros. Colégios, prédios devolutos, terrenos, um hotel, uma escola
superior e até uma sociedade de capital de risco fazem parte do universo
patrimonial do Opus Dei.
No registo comercial não há qualquer fração deste património em nome do
Opus Dei, mas os administradores confirmam a ligação à obra, que, aliás,
foi assumida ao DN pela própria cúria do Opus Dei em Portugal. Os
imóveis que servem de suporte à obra são propriedade de cooperativas, de
associações e da Fundação Maria Antónia Barreiro, que detém os
principais equipamentos. Juntando as dezenas de estruturas, prédios e
palacetes de associações e cooperativas ao património declarado às
Finanças pela fundação, o valor ultrapassa facilmente os 50 milhões de
euros.
O facto de o património da obra estar disperso já levou a acusações
públicas de tentativa de ocultação de riqueza. O líder do Opus Dei em
Portugal, José Rafael Espírito Santo, garante que "ninguém nega" que
estas atividades estão ligadas ao Opus Dei e que este tipo de modelo "é
uma questão de princípio, não de estratégia" (ver entrevista nas págs.
34 e 35). Assume, portanto, que este património milionário é gerido por
membros da obra , sendo, simultaneamente, o suporte material do Opus
Dei.
A organização admitiu ao DN que, apesar de legalmente não haver ligação,
"a nomeação de dirigentes para estas instituições conta habitualmente
com o parecer da cúria do Opus Dei", não sendo, porém, "vinculativo".
Mesmo sem esse parecer, o Opus Dei está presente na direção das mesmas,
sendo a esmagadora maioria dos administradores membros da obra. É o caso
da Fundação Maria Antónia Barreiro.
Fundação avaliada em 41,8 milhões
Só o património da fundação, de acordo com dados do Governo português,
está avaliado em 41,85 milhões de euros, o que significa um acréscimo de
quase 1200% do património desde que a instituição foi criada, há 27
anos. A entidade tem três administradores, todos membros do Opus Dei,
sendo que dois deles são vitalícios: José Afonso Gil (o presidente) e
José Alves Mendes. O terceiro é Jon Velasco (o número dois do Opus em
Portugal), indicado por uma entidade também da órbita do Opus Dei: a
Sociedade Lusitana de Cultura.
Ao DN, o presidente, José Afonso Gil, explicou que a fundação foi criada
"por vontade de Maria Antónia Barreiro, que me incumbiu, enquanto
testamentário, de formar esta fundação com os seus bens", mas "não
entrou dinheiro nenhum de fora, eu é que rentabilizei o património,
atualizei rendas, vendi coisas velhas e construí novas".
No entanto, reconhece que "a fundação é um mecenas que já emprestou
vários milhões à atividade do Opus Dei". José Afonso Gil admite que
todas as atividades da fundação "são deficitárias" e os "prejuízos de
milhões são colmatados com donativos que são feitos por membros da
obra".
O oratório de S. Josemaría Escrivá de Balaguer, no Lumiar, em Lisboa -
que é um dos principais edifícios da obra em Portugal - é propriedade da
fundação, bem como um dos mais importantes colégios do Opus Dei: o
Montes Claros. A residência com o mesmo nome é igualmente propriedade da
instituição.
O património será em breve enriquecido com um novo edifício. "Vou
construir uma nova residência na Alameda da universidade em Lisboa. Só o
terreno custou dois milhões de euros. Ainda tenho de arranjar 400 mil
euros que faltam", explicou ao DN José Afonso Gil. Esta nova residência
universitária a erigir em Lisboa, no Campo Grande n.º 189, será
denominada de Colégio Universitário dos Álamos - mais uma residência que
terá formação do Opus Dei.
Entre os vários imóveis detidos pela Fundação destacam-se os que se
situam em Lisboa, na zona de Marvila, na Rua Fernando Palha, e no
arruamento que tem o nome do avô de Maria Antónia Barreiro: Rua José
Domingos Barreiros. Tudo começou quando José Domingos Barreiros fundou
no Poço do Bispo a sua firma comercial de vinhos, por grosso e para
exportação, e se tornou conhecido armazenista de vinhos da zona oriental
da cidade. O negócio foi continuado pelo seu filho Acácio Domingos
Barreiros (pai de Maria Antónia, que herdaria os imóveis). Hoje, a
fundação mantém aí diversos edifícios, pretendendo vender alguns.
O Hotel Três Pastorinhos, em Fátima, é outro dos principais ativos da
fundação. A sua importância não está relacionada com os lucros, mas com o
facto de servir de base logística para ações da obra. Está também
aberto ao público, mas nem por isso se torna lucrativo, embora
signifique cerca de um milhão de euros anuais em receitas. "Fica ela por
ela: as receitas são quase iguais aos custos", explica José Gil.
Processo de meio milhão de euros
Além dos donativos dos membros da obra, a fundação também procura
financiar a atividade com negócios imobiliários, como a venda de
património. Uma dessas ações valeu até um processo em tribunal.
O DN descobriu um processo judicial intentado contra a fundação, estando
em causa um prédio na Rua dos Correeiros, na Baixa de Lisboa. Três
estabelecimentos comerciais (Espingardaria Belga de José Nunes, Nunes
Toucedo & Companhia e Marques e, ainda, Martinho e Marques)
intentaram uma ação cível no valor de 528 962,22 euroeuros contra a
Fundação Maria Antónia Barreiro.
O processo (1553/11.3TVLSB.l1) começou na primeira instância e está
relacionado com a referida necessidade de venda de património antigo
para obtenção de fundos de financiamento para as atividades da fundação,
nomeadamente os prejuízos dos colégios e outras entidades do Opus Dei.
"Em causa está o prédio onde funciona o restaurante João do Grão. Pus
aquilo em propriedade vertical para que os inquilinos comprassem, mas
eles queriam o prédio de borla", lamenta José Afonso Gil.
O presidente da fundação diz ainda que estabeleceu no contrato de compra
e venda que o prédio só poderia ser vendido na totalidade, por um valor
de 770 mil euros. Só que, de acordo com José Afonso Gil, os inquilinos
só queriam ficar com algumas parcelas, daí terem levado a tribunal a
instituição. A fundação ganhou o processo na primeira instância,
encontrando-se agora no Tribunal da Relação de Lisboa.
Teia patrimonial do Opus Dei
Além dos administradores, o Conselho-Geral da Fundação Maria Antónia
Barreiro também é composto por membros da obra, como o antigo presidente
do Parlamento Francisco Oliveira Dias, o banqueiro Câmara Pestana ou
Pedro Rosa Ferro. Por outro lado, foi a fundação que doou à AESE (a
Escola Superior de Negócios do Opus Dei) o terreno no Lumiar onde foi
construída a escola: um edifício envidraçado similar a qualquer polo
universitário. José Afonso Gil, Osvaldo Aguiar e José Fontes (membros da
obra e também administradores da fundação) fizeram - a par de figuras
como ex-banqueiro Jardim Gonçalves - parte do rol de fundadores da AESE.
Sem surpresa, dado todas estas ligações, a direção da AESE assim como o
corpo docente são maioritariamente compostos por membros da obra (ver
infografia).
Uma Nave(s) financeira
A AESE é também a maior acionista da Naves - Sociedade de Capital de
Risco, detendo 11,76% das ações. O atual secretário de Estado das
Finanças e cooperador do Opus Dei, Manuel Rodrigues, foi nomeado em
setembro de 2012 - menos de dois meses antes de tomar posse no Executivo
de Pedro Passos Coelho - para diretor-geral desta sociedade que, por
sua vez, tem participações em empresas ligadas às áreas da saúde e da
energia.
A participação mais pequena da Naves é na empresa de energia Self Energy
(1,96%), depois de ter vendido 57% da posição no dia 17 de dezembro de
2010 por 6,5 milhões de euros ao grupo Soares da Costa. A sociedade
detém também 14,29% na Várzea da Rainha Impressores, empresa presidida
pela ex-deputada do PSD e ex-dirigente do PCP, Zita Seabra. Contam-se
ainda participações na consultora Human Talent e na empresa de
consultadoria e gestão imobiliária In Time, que, por sua vez, é
detentora da Superball - uma academia de futebol que funciona em
Telheiras.
João Leite Machado, do Opus Dei e sócio gerente da In Time, é também
administrador de uma das muitas cooperativas que são proprietárias de
colégios do Opus Dei: a Socei/Colégios Fomento. Os colégios do Opus Dei
são um dos pontos de conflito com outros membros da Igreja Católica. O
bispo emérito de Aveiro, António Marcelino, considera anormal que o Opus
Dei não aceite que "os colégios sejam escolas católicas segundo o
direito canónico e as orientações do episcopado".
As cooperativas são um modelo tão usado pela obra que até a própria
sede, no Palácio do Lumiar, está no nome da COFIC, que tem igualmente
como administradores membros da obra. O próprio vigário regional, José
Rafael Espírito Santo, reconhece que faria sentido a sede da obra estar
legalmente vinculada à organização. "Optou-se por este modelo, mas não
foi para esconder, foi uma mera opção, que acontece em parte porque o
Opus Dei aqui em Portugal não tem ainda uma dimensão que possa
justificar criar essa burocracia", clarificou ao DN.
Dos 35 centros/residências de numerários e dezenas de clubes recreativos
que o Opus Dei tem dispersos pelo País, nenhum está em nome da obra ou
da Igreja; estão espalhados por dezenas de cooperativas ou mesmo
associações.
Há ainda variadíssimas instituições promovidas por membros da obra e que
o próprio vigário regional invoca orgulhosamente. Destacam-se a
Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas, a Associação Portuguesa
para o Desenvolvimento Rural, a IPSS Emergência Social, a Associação
Criança e Vida (Porto) e a Gaivotas da Torre (que cuida de crianças
desfavorecidas), a Associação "Quantum Satis"(que dá apoio a pais de
crianças portadoras de deficiência) e a ONG Atlas em Coimbra, que conta
com várias atividades de ação social.
Financiamento da obra
Como estas estruturas não são lucrativas, o financiamento da obra está
assente em donativos. De acordo com o líder do Opus Dei em Portugal, os
membros da obra são incentivados a dar dinheiro em específico a uma
associação ou atividade. Já os centros (residências de numerários)
mantêm-se em funcionamento com o salário ganho pelos numerários nas suas
atividades profissionais e que é dado, quase na totalidade, ao diretor
do centro, que depois gere as despesas. Muitos dos supranumerários
(membros casados) são abastados e dão à obra tanto quanto a um filho.
Estes donativos ajudam também a sustentar os sacerdotes da organização.
O Opus Dei em Portugal garante ainda não receber financiamento
estrangeiro, embora admita que possa haver empréstimos entre
instituições congéneres. Por hipótese, a AESE poderia pedir dinheiro à
sua homóloga de Navarra: a escola de negócios IESE.
Testamentos para a vida?
Outro dos pontos importantes de financiamento do Opus Dei e que ajudam a
suportar este vasto património e as diferentes atividades são os
testamentos. Os membros, em especial os numerários, são incentivados a
fazer um testamento em que deixam tudo a uma das estruturas da obra,
normalmente às cooperativas. A Fundação Maria Antónia Barreiro resultou
disso mesmo, sendo o mais generoso donativo alguma vez feito à obra em
Portugal e um dos maiores ao nível mundial. Hoje, se não existissem os
imóveis da fundação (são mais de 80), a atividade do Opus Dei no País
estaria francamente diminuída.
Assim, todos os numerários, pouco depois de aderirem à obra, fazem o seu
testamento. Porém, vários ex-membros queixaram-se ao DN do facto de o
documento não ter sido devolvido após abandonarem a instituição. Entre
os vários testemunhos recolhidos pelo DN, só o economista do Porto João
Pinto não se coibiu de dar a cara. "Saí da organização há 19 anos e
ainda não me devolveram o testamento. Estou a tratar de uma forma
jurídica do anular", lamenta o ex-numerário. João Pinto teme que caso
lhe "aconteça algo, a herança vá para o Opus Dei e não para a família",
isto porque, no documento, estava explícito que a decisão era
inalterável e que deixaria tudo à obra.
O responsável pelo Gabinete de Comunicação do Opus Dei, Pedro Gil,
formado em Direito, explicou que esta é uma não-questão porque
"legalmente basta fazer um testamento para que o outro seja alterado".
Mas este esclarecimento não descansa João Pinto, que em conjunto com um
grupo de ex-membros está a estudar uma forma de anular o testamento
deixado ao Opus Dei.
Rui Pedro AntunesNo Diário de Notícias
Veja também: Os segredos do Opus Dei - Grande Investigação - I - II
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