O maior avanço do Brasil no pós-ditadura é nos direitos humanos. Os
neoneoliberais dirão que é nas privatizações, até porque direitos
humanos só lhes ocorrem para falar de China e Cuba. Tão logo terminada a
era das transgressões desumanas, os direitos humanos se puseram em
marcha ininterrupta, acelerada pela Constituição. Mas tudo o que se
caminhou nessa direção é ainda muito, muito pouco.
O reconhecimento do racismo, a maior repressão à violência contra as
mulheres, a ajuda financeira contra a miséria alimentar, os programas
habitacionais e de melhoria material estão sob ataque constante, mas são
fatos. Visíveis em suas formas humanas. Nem por serem assim e
projetarem benefícios também sobre as classes abastadas, sem as
prejudicar em nada, foram capazes de disseminar nelas uma mentalidade
menos apegada às raízes das desigualdades brasileiras.
A prisão dos três petistas na Papuda revelou aos não brasilienses o
padecimento extra dos familiares de presos comuns. Mesmo que chova e
faça frio, são obrigados a dormir na rua como puderem, para conseguir as
senhas distribuídas ao número limitado de visitantes às quartas e
quintas-feiras. Nenhuma autoridade, local ou federal, deu atenção a
isso, nem antes nem depois desse tratamento tornar-se notícia, reiterada
para acusar privilégios dos petistas. Aos brasilienses que veem as
famílias noturnas, é como se não vissem.
São direitos humanos violentados, no entanto. Repito o que foi dito
aqui: são pessoas não condenadas mas submetidas a um sofrimento
adicional ao de terem um filho, o marido, o pai no presídio. A
explicação: "há visitantes demais". É mentira. São dias de menos para
visitas e horários de menos para fazê-las. Se há condições para visita
na quarta, pode haver nos demais dias. É só um probleminha de direitos
humanos, no entanto, sentido por uns poucos milhares de pessoas.
Entre alguns milhares e vários milhões, porém, não há diferença. As
perdas causadas aos detentores de cadernetas de poupança por quatro
planos econômicos vêm desde o governo Sarney, e o processo sobre sua
devolução se arrasta ao ritmo próprio do que chamamos de nossa Justiça.
Coisa de 150 economistas e ex-ministros, diz o noticiário, assinaram um
manifesto ao Supremo Tribunal Federal advertindo para os terríveis
efeitos que o sistema financeiro, leia-se os bancos, sofreriam com uma
sentença favorável à restituição do usurpado aos poupadores - R$ 150
bilhões.
Se tal é o valor que não deve ser restituído, os próprios defensores do
calote reconhecem que foram tomados da chamada poupança popular, as
velhas e suadas "economias", R$ 150 bilhões que ficaram com os bancos.
O Idec, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, que tem cumprido
sua utilidade com muita competência, informa que das 1.030 ações de
restituição só 15 sobrevivem a uma decisão do Superior Tribunal de
Justiça, há dois anos, sobre prazos para as reclamações. Com isso, uma
sentença favorável à restituição só totalizaria R$ 8,650 bilhões.
Entre os autores, colaboradores e apoiadores daqueles planos desastrados
e, de outra parte, o Idec, este me parece preferível por três razões:
está sempre muito mais certo no que faz do que estão aqueles economistas
no que se presumem capazes de fazer; há concordâncias importantes com o
Idec na OAB; e o Idec não tem ações de bancos, logo, não está
defendendo o seu cofre sob argumento aparentemente desinteressado.
A informação do Idec leva à conclusão de que os participantes do
manifesto, ou cometem a leviandade de tomar uma posição pública sem
saber o que de fato está em questão, ou têm as informações necessárias e
valem-se de uma quantia impressionante para evitar que os bancos
restituam à poupança popular um valor insignificante para o sistema
bancário mais lucrativo do mundo.
Não se trata, porém, de uma questão meramente financeira. É de direitos
sociais, de direitos econômicos pelo desrespeito à lei e ao contrato das
cadernetas com os depositantes, e, portanto, de direitos humanos pelos
males infligidos à vida de milhões de pessoas.
Na quarta-feira, o Supremo adiou o julgamento para 2014. Com pressa,
como não se cansaram de reiterar os ministros Gilmar Mendes e Joaquim
Barbosa, devia ser concluído só o processo do mensalão.
Janio de Freitas
No fAlha
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