Do Conversa Afiada - Publicado em 31/05/2012
“Admito
que o ex-presidente pudesse estar preocupado com a realização do
julgamento no mesmo semestre das eleições. Isso aí é aceitável.
Primeiro, porque é um leigo na área do Direito. Segundo, porque integra
o PT. Portanto, se o processo envolve pessoas ligadas ao PT,
obviamente, se ocorrer uma condenação, repercutirá nas eleições
municipais.”
A
avaliação, simples mas correta, foi do ministro Marco Aurélio Mello,
que sempre considerei o mais lúcido dos integrantes do Supremo Tribunal
Federal.
Sim,
é da natureza humana tentarmos convencer juízes a tomarem as decisões
que nos convêm. O destrambelhado Gilmar Mendes só teria motivos para
fazer a tempestade em copo d’água que fez:
– se Lula o tivesse procurado para tentar influir na sentença do processo do mensalão;
– se Lula lhe houvesse oferecido alguma forma de recompensa ou feito
alguma ameaça, para tangê-lo a aceitar a postergação do julgamento para
depois das eleições municipais.
Ora, nem em suas declarações mais furibundas à imprensa Mendes ousou acusar Lula de estar pressionando pela absolvição dos réus.
E,
mesmo se acreditarmos na versão que Mendes deu do encontro e ninguém
confirmou, a referência de Lula a (mais) uma ligação perigosa do seu
interlocutor é insuficiente para caracterizar uma ameaça. Lula não
disse nada parecido com “a militância do PT trombeteará dia e noite que
é o Carlinhos Cachoeira quem custeia vossas viagens”, mas, apenas,
sugerido que convinha ao próprio Mendes deixar esses assuntos
melindrosos para mais tarde.
É
inadequado alguém falar nestes termos a um ministro do Supremo? Sem
dúvida! Mas, o que Mendes esperava, ao aceitar um encontro a portas
fechadas com Lula sem ter nada de pertinente a tratar com ele?
Se Mendes é tão sensível a hipotéticas insinuações, certamente não as ouvirá atendo-se à liturgia do cargo.
Como explica Joaquim Falcão, professor de Direito Constitucional da FGV/RJ:
“…no
STF há hoje dois perfis distintos. De um lado ministros mais
discretos, que não se pronunciam, exceto nas audiências, e que mantêm
distância de Executivo, Legislativo e representantes de interesses em
julgamento. Vida pessoal recatada.
Por
outro lado há ministros que se pronunciam fora dos autos, estão
diariamente na mídia, mantêm contatos políticos, participam de
seminários e reuniões com grupos de interesse.
A
questão crucial, dizem uns, não é se o ministro deve falar fora dos
julgamentos, estar na mídia ou se relacionar social e politicamente. A
questão é haver transparência antes, durante e depois dos
relacionamentos. E que não faça política. As agendas, os encontros, as
atividades dos ministros deveriam ser publicados de antemão.
Em
alguns países o juiz não recebe uma parte sem a presença da outra, tão
grande é a preocupação com a imparcialidade. O que alguns ministros
praticam aqui no STF. Ou grava-se a conversa para assegurar a
fidelidade do que ocorreu e proteger o ministro de propostas
inadequadas”.
Mendes
é o pior exemplo de ministro pop star: pronuncia-se o tempo todo fora
dos autos, só falta pendurar uma melancia no pescoço para aparecer
mais na mídia, mantém contatos políticos a torto e direito, não recusa
convites para eventos de poderosos que têm óbvio interesse em decisões
do STF.
Pior,
FAZ POLÍTICA (e sempre com viés direitista) –como quando produziu
irresponsável alarmismo acerca de um estado policial que nem
remotamente se configurava, ou quando contrapôs à frase da então
ministra Dilma Rousseff, de que “tortura é crime imprescritível”, a
estapafúrdia afirmação de que “terrorismo também é” (esquecendo não só
a diferença jurídica entre terrorismo e resistência à tirania, como
também o fato de que a imprescritibilidade do terrorismo só viria a ser
introduzida nas leis brasileiras depois dos anos de chumbo).
E nunca tem gravações para apresentar, que comprovassem suas denúncias delirantes e bombásticas.
O veterano jornalista Jânio de Freitas (vide íntegra aqui) nos brinda com uma constatação explícita e uma sugestão implícita:
“O
excesso de raiva e a aparente perda de controle em Gilmar Mendes
talvez expliquem, mas não tornam aceitável, que um ministro do Supremo
Tribunal Federal faça, para a opinião pública, afirmações tão
descabidas.
…Com
muita constância, somos chamados a discutir o decoro parlamentar. Não
são apenas os congressistas, no entanto, os obrigados a preservar o
decoro da função”.
Eu não insinuo, afirmo: já passou da hora de Gilmar Mendes ser submetido a impeachment.
Menos
pela comédia de pastelão que está encenando agora e mais por haver, em
duas diferentes ocasiões, privado da liberdade Cesare Battisti em
função não das leis e da jurisprudência existentes, mas da esperança
que nutria de as alterar.
Quando
o ministro da Justiça Tarso Genro concedeu refúgio ao escritor
italiano, cabia ao presidente do STF suspender o processo de extradição
e colocá-lo em liberdade, como sempre se fizera. Mas decidiu mantê-lo
preso, confiante em que convenceria seus colegas ministros a detonarem a
lei e a instituição do refúgio, passando por cima do Legislativo e
usurpando prerrogativa do Executivo. Conseguiu.
Da
segunda vez, quando o então presidente Lula negou a extradição,
exatamente como o Supremo o autorizara a fazer, o relator Mendes e o
presidente Cezar Peluso apostaram de novo numa virada de mesa legal… E
PERDERAM!
O
desfecho do caso os tornou responsáveis pelo SEQUESTRO de Battisti
durante os cinco meses seguintes –e nada existe de mais grave para um
magistrado do que dispor tendenciosamente da liberdade alheia,
cometendo abuso gritante de autoridade.
Se Mendes sofrer o impeachment agora, Deus estará escrevendo certo por linhas tortas.
O Memorial ao STF para cassar Gilmar
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