Na sua exaltação, o ministro Gilmar Mendes ainda não reparou que tem municiado quem queira atacá-lo
O excesso de raiva e a aparente perda de controle em Gilmar Mendes
talvez expliquem, mas não tornam aceitável, que um ministro do Supremo
Tribunal Federal faça, para a opinião pública, afirmações tão
descabidas.
Nem o próprio Supremo é poupado no ataque atual de Gilmar Mendes, que
assim o define em entrevista ao "Globo": "Já é um Poder em caráter
descendente". Não há por que duvidar desse sentimento particular de
Gilmar Mendes, mas também não há como atribuir a tal afirmação, feita de
público e plena gratuidade, um qualquer propósito respeitável.
Ali demolidor, pelo método da implosão, é também deste ministro, no
mesmo dia, porém à Folha, a atribuição deste motivo para o que diz ter
ouvido de Lula: "Dizer que o Judiciário está envolvido numa rede de
corrupção", para "melar o julgamento do mensalão".
A afirmação sobre o Supremo, com provável sinceridade; a outra, uma
ficção sem sequer um indício em seu favor. Lula, o PT e os réus do
mensalão nada ganhariam com uma investida contra o Judiciário. Sabem
disso na mesma proporção em que a imaginação ficcionista não sabe.
Na sua exaltação, o ministro Gilmar Mendes ainda não reparou que tem
municiado quem queira atacá-lo. Já deu, por exemplo, três versões para o
custeio da viagem em que se encontrou, na Europa, com Demóstenes
Torres. A tal viagem das suas sensibilidades tocadas pelo que "pareceram
insinuações" de Lula.
Na primeira referência feita (estão todas impressas e gravadas), disse
haver respondido a Lula que viajou "com recursos próprios". Na segunda,
fez viagem oficial, custeada pelo Supremo, para um evento na Espanha, e
dali à Alemanha pagou ele mesmo. Na terceira (ainda na entrevista ao
"Globo"): "Fui a Berlim em viagem oficial. Por conta do STF".
Afinal, não se sabe como a viagem foi paga nem isso está em questão. Mas
é compreensível que estivesse em boatos. Como amanhã pode estar a
história de que Lula planejava denunciar o Judiciário como uma rede de
corrupção. Por haver boato sobre a viagem, e indagar a respeito, é
"gangsterismo, molecagem, banditismo, a gente está lidando com
gângsteres", como disse Gilmar Mendes? Não, não disse: vociferou,
iradíssimo.
Com base em que fatos um ministro do Supremo Tribunal Federal faz a
acusação pública de que Lula - no caso, importa sobretudo serem um
ex-presidente da República e um magistrado - é "a central de divulgação"
dos boatos infamantes? Acusação de tal ordem não precisa nem indícios, é
só emiti-la?
O Congresso foi poupado da reação de Gilmar Mendes graças à falta, na
inquirição de Demóstenes Torres, de uma pergunta que, normalmente, não
faltaria. Logo no primeiro lote de telefonemas gravados de Carlos
Cachoeira, apareceu o pedido do senador de que o contraventor pagasse os
R$ 3.000 de um táxi aéreo. Gilmar Mendes, negando ter usado avião de
Carlos Cachoeira, disse que foi a Goiás convidado por Demóstenes Torres,
para um jantar. Foi "de táxi aéreo".
Ninguém perguntou a Demóstenes que voo seria pago por Cachoeira. Ninguém
perguntou se Gilmar Mendes e outros ministros estavam no voo dos R$
3.000. Nada demais se estivessem, nem poderiam saber quem viria a pagar
pelo voo. Apesar disso, a encrenca resultante já estaria engatilhada,
com a imagem institucional do Supremo a aguentar suas manifestações.
Com muita constância, somos chamados a discutir o decoro parlamentar.
Não são apenas os congressistas, no entanto, os obrigados a preservar o
decoro da função.
Janio de Freitas No Esquerdopata
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