Leila Cordeiro
Maria da Graça Meneghel, a Xuxa, nasceu em Santa
Rosa, Rio Grande do Sul, em 27 de março de 1963. Virou modelo por volta
dos seus 16 anos e chegou à televisão levada pelo namorado Pelé, que era
amigo da família Bloch, dona da TV Manchete, onde ela estreou como
apresentadora de programa infantil em 1983.
E é aí que começa o meu artigo. Nessa época, eu era repórter da Globo e, certa vez, fui cobrir um evento que envolvia crianças. Quando chegamos havia um pequeno coral cantando uma música muito bonitinha e, inocentemente, pedi ao cinegrafista que gravasse pois poderiamos começar a matéria com ela.
Entretanto, ao chegar à emissora para editar a reportagem, qual não foi minha surpresa quando me disseram que aquela música não poderia entrar de jeito nenhum, pois era cantada por Xuxa em seu programa da Manchete. Além disso, me disseram, ela não era bem vista na TV do Jardim Botânico, onde era conhecida de maneira debochada como “apresentadora porno-erótico-infantil”.
Confesso que, na época, não entendi pois mal conhecia Xuxa e seu programa, nem imaginava como eram as roupas que usava, já que não me sobrava tempo para assistir TV por causa do meu horário puxado como repórter.
Três anos depois, no início de 1986, surpresa! Estava voltando de uma reportagem quando dei de cara com uma moça alta, vestida com uma bota branca de cano longo que cobriam seus joelhos, saiote curtinho e corpete que deixava sua barriga de fora, igualmente brancos com detalhes em dourado e duas maria-chiquinhas bem infantis no alto da cabeça. Era ela, a sensual apresentadora da Manchete...a Xuxa.
Sozinha, sem nenhum segurança, assessor ou alguém com cargo parecido que vive pendurado em gente famosa como papagaio de pirata, Xuxa parecia meio perdida e, ao me ver passar, perguntou-me onde era o estúdio pois estava sendo esperada para gravar uma entrevista com a jornalista Leda Nagle, para o Jornal Hoje. No dia seguinte, a notícia explodia: Xuxa – aquela mesma que era motivo de deboche nos corredores da emissora - estava contratada pela Globo para apresentar um programa infantil.
Bem, quem conhece os bastidores da televisão sabe que é mais ou menos normal essa rivalidade entre emissoras, especialmente entre aqueles que trabalham na rua e têm que conviver com os colegas “rivais”, mas na hora da disputa pelos pontinhos da audiência tudo é esquecido e Xuxa, com seu programa "porno-erótico-infantil", vinha incomodando a Globo.
Isso foi em 1986 e de lá para cá todo mundo sabe o que aconteceu. Xuxa conquistou crianças e adultos e passou a ser uma das maiores estrelas do universo global, dedicando sua vida profissional às causas infantis, a ponto de criar uma fundação para ajudar menores carentes.
Até que no domingo passado, no “Fantástico” dominical de sua própria emissora, surgiu uma Xuxa que ninguém conhecia. A artista madura e bem sucedida contou para todo o Brasil que sofrera abusos sexuais de três homens em sua infância. Evidentemente, uma declaração bombástica como essa alavancou a audiência do programa dominical que anda mal das pernas e colocou Xuxa no centro de um debate nacional, dividindo opiniões.
Os mais céticos atribuíram as declarações a uma estratégia de marketing em favor do programa e da própria apresentadora, que hoje já não encanta as multidões infantis como no passado, tanto que não tem mais um programa diário.
Outros elogiaram a postura de Xuxa, como Maria do Rosário, a Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República que considerou corajosa a atitude de Xuxa, que serviu como “um importante apoio às pessoas que sofreram violência na infância” .
No debate, que aos poucos vai perdendo espaço na mídia, ficou a pergunta para a qual não encontrei resposta convincente. Por que só agora, aos 49 anos, Xuxa resolveu denunciar abusos sofridos décadas atrás? Será que se ela tivesse contado antes muitas crianças não teriam passado por situações parecidas, pois os pais seriam alertados? Afinal, abusos contra crianças, prostituição infantil e maus tratos infantis sempre existiram no Brasil e Xuxa, sabendo disso, bem que poderia ter botado a boca no trombone antes.
Em defesa da apresentadora, pode-se argumentar que talvez lhe faltassem o palco e o momento certos para denúncia de tamanha gravidade. Denunciar antes poderia manchar a figura da moça idolatrada pelas crianças que a viam como a rainha de um reino da fantasia, onde todos cantavam alegremente:
“Doce, doce, doce, a vida é um doce, vida é mel, que escorre da boca, feito um doce...pedaço do céu ”
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