Segunda, dia 09 de julho, começou a campanha eleitoral. Na rua,
encontrei em esquinas várias pessoas balançando as bandeiras vermelhas
com a estrela do PT, e chorei. Nos rostos desses "bandeirolos” não havia
emoção, não eram militantes, eram trabalhadores. A militância mudou
nesses 32 anos, a política mudou, o PT mudou e mudamos nós militantes e
petistas. Chorei de saudade do tempo em que ser militante era sentir
pulsar o peito no compasso dos sonhos, da utopia de construir um mundo
diferente, um novo país, livre, justo, igualitário, ético, essas coisas
que motivaram tantos/as pessoas nos anos 1970/80. Minha primeira
experiência de militante foi no dia 19 de maio de 1977, Dia Nacional de
Luta contra a Ditadura Militar. Uma multidão de mais de 8 mil estudantes
em Salvador, confrontaram-se com o Batalhão de Choque da Polícia
Militar, com policiais montados, outros com cachorros e outros com
escudos e muita bomba de gás lacrimogêneo. Nesse dia eu realmente
confirmei que estava no lugar que tinha que estar, lutando por liberdade
e pelo direito de sonhar e fazer a história. Nunca mais parei de
procurar o que pode e deve mudar na minha vida e na vida social.
Fiz parte daqueles/as que foram às ruas e subiram em ônibus arrecadando
dinheiro para mandar ao comando de greve dos metalúrgicos do ABC, em
1979. Greves que mudaram o Brasil e a esquerda. Como membros de base da
Ação Popular no movimento estudantil, confrontamos as lideranças
nacionais, muitos ex-exilados e anistiados que não concordavam com a
proposta de um partido dos trabalhadores "por que era um partido de
massas e não um partido revolucionário”. A proposta do PT não se
enquadrava no esquema marxista-leninista clássico e instalou-se um
intenso debate sobre teorias revolucionárias, marxismo, leninismo,
maoismo, trotskismo, stalinismo, gramicismo, eurocomunismo e muitos
ismos. Essa discussão levou a rachas no PC do B e na AP, e os
dissidentes se jogaram nas ruas para discutir a proposta desse partido
com a população em geral. Em Salvador, fomos às favelas e assim filiamos
e legalizamos o PT, criando os Núcleos de Base. Fomos acusados de
igrejeiros e de liquidacionistas, pela esquerda ortodoxa, muitos dos
quais depois entraram no partido e o transformaram numa "frente de
tendências”.
Da legalização para as eleições foi outro percurso difícil. Definir
candidatos, fazer doações de nosso bolso para imprimir material de
propaganda. Realizar a mínima coisa era experimentado como uma grande
vitória: fazer uma camisa, uma faixa, os "santinhos”, cartazes. O
comício, então, era uma apoteose, delirávamos de emoção sacudindo as
bandeiras e cantando os refrãos. Foi assim até a primeira eleição de
Lula. Não sabíamos o quanto nos custaria a elegibilidade e a
governabilidade. As negociações e as alianças foram mais compreensíveis
para mim do que a cooptação de "companheiros/as” pelos esquemas do velho
poder. Inserir-se numa estrutura burocrática e corrompida de gestão
privada do espaço público, absorveu muita gente em esquemas e
comportamentos que foram naturalizados por uma elite perversa e
predatória, sem compromisso cívico, que tinham montado um jeito de
governar para manter uma estrutura social excludente e desigual como
poucas no mundo.
Não é possível negar que muita coisa mudou no aparelho estatal e na
forma de gestão pública. Mas muito do Estado autoritário e
patrimonialista permanece e continua estabelecendo a lógica de governar.
A maneira como o governo da Bahia está tratando os professores
estaduais em greve é inadmissível, inclusive para um governador que foi
líder sindical. E o tratamento do Ministério da Educação a essa greve
das federais, ameaçando cortar ponto é pior do que os militares ousaram
fazer com a violência da repressão política, porque ameaça a
estabilidade da sobrevivência das famílias. A governabilidade coloca em
primeiro lugar a estabilidade do Estado e não o interesse da nação. A
nação não é o aparelho do Estado e nem as corporações financeiras
empresariais, mas é todo o povo que constitui uma nacionalidade. O
momento é crucial: o país adquiriu estabilidade política e econômica,
estabeleceu as bases para uma distribuição de renda, instituiu marcos
legais e políticos para a ampliação da cidadania, agora precisa repensar
a relação do Estado com a sociedade civil, não a partir da pressão da
mídia e do setor econômico, mas da população e das organizações civis.
O exercício do poder nas condições de um Estado que se quer democrático
na civilização do capital vai requerer bater de frente ou com o povo ou
com as elites. A consciência de cidadania da população avançou e não tem
volta, os confrontos estão apenas se anunciando. Ter o consentimento e
aprovação das elites para governar e utilizar os seus instrumentos pode
ter sido até inevitável para consolidar outro projeto de governo, mas a
conjuntura mudou. Pagar militantes para fazer uma campanha não pode
substituir a participação de uma militância motivada por paixão, emoção e
desejo de construir o sonho de um mundo melhor. Pode ter sido
necessário sujar as mãos, abdicar de alguns sonhos, eu reconheço certa
grandeza nessa opção, necessária em circunstâncias vividas, embora eu
não me disponha a isso, prefiro estar do lado de cá, criando utopias e
percebendo as outras possibilidades que a realidade pode ter. Aprendi
que não basta saber ou viver o que a realidade é, mas é preciso perceber
como ela poderia ser. Ser realista não pode substituir ser radical, por
que ser radical não é ser irrealista, mas ir até a raiz do limite do
que pode ser transformado.
Que venham as eleições sem destruir nossos sonhos e nossa ética
revolucionária, sem elas ficaremos cada vez mais distantes do tempo da
militância convicta. Nada paga a emoção de realizar juntos os sonhos
sonhados. Pois como cantou Raul: "sonho que se sonha junto é realidade”.
Maria Dolores de Brito Mota, professora Associada da Universidade Federal do Ceará. Instituto de Cultura e ArteAdital
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