por Milton Nogueira
Tribunais, uma invenção humana, também ficam doentes. Nas últimas
décadas, vários tribunais se perderam, cometeram barbaridades e passaram
a se meter com políticas atrasadas. Uma verdadeira patologia, contrária
ao espirito das leis e aos anseios de justiça neutra e cega. Uma vez
doente, o tribunal dificilmente consegue cura.
Eis algumas doenças que afetam os tribunais.
Tribunal espetáculo
Stalin mandava prender a pessoa sob acusações falsas, e a enviava a um
tribunal de juízes sectários. Achem o acusado, dizia ele, que acharei o
parágrafo. Do pódio, três juízes perguntavam coisas triviais- você fala
bem o russo? Já conversou com estrangeiro? Está contente com seu chefe?
As respostas, quaisquer que fossem, eram apresentadas como prova contra o
réu. Se fala bem o russo, porque se meteu com…? Se não fala bem o
russo, porque se meteu com…? A cada tentativa de se explicar o apavorado
réu se enredava mais. Chamados de show-trial em inglês, os tribunais
eram transmitidos por radio para toda a União Soviética, justamente para
amedrontar o povo. Não era tribunal justo, era o terror sob o manto de
juízes. Algumas dezenas de milhares morreram.
Os tribunais da Alemanha dos anos 30 faziam o mesmo, com um toque de
arapongagem, denúncia anônima, delação de vizinho. Juízes lenientes
inquiriam, Salomão, você foi à sinagoga? Se sim, você deve ser judeu e
não é bom cidadão do III Reich. Se não, você está mentindo e não é bom
cidadão do III Reich. O réu era sempre condenado, sob microfones de
radio e câmeras de filme que tudo mostravam em vinhetas antes das
sessões de cinema. Hollywood ainda não se cansou de contar essa
história.
E no Brasil, como estamos?
O tribunal do faz-de-conta
Mock trial em inglês, acontece quando o juiz entra em sala com a
decisão já tomada e deixa de fora provas essenciais ao processo. Caso
famoso foi o Monkey trial, um bisonho tribunal que, ha um século,
condenou um professor que explicava a evolução das espécies em escola
primaria de uma região atrasada dos Estados Unidos. O juiz, cristão
radical, condenou o professor mas, antes, rejeitou o testemunho de
geólogos, arqueólogos, botânicos, médicos, historiadores, porém acatou o
de fazendeiros que afirmaram haver sido a Terra criada há quatro mil
anos, às nove horas da manhã. Foi também um dos mais divertidos shows de
rádio do país. Próxima atração: o filme “O Vento Será Tua Herança”.
No Brasil, os tribunais da época da ditadura condenaram centenas de réus por atos políticos que sequer eram crimes.
E no Brasil, como estamos?
Circo da mídia
O julgamento de O J Simpson durou meses sob holofotes das TVs dos
Estados Unidos e por isso foi chamado de media circus; esse tipo de
tribunal roda como espetáculo, muda o horário das próprias sessões para
atender ao noticiário nacional das TVs, repete a cada meia hora as
imagens dos advogados em cena. A injustiça é cometida quando a mídia,
sob o imperativo de não parar o espetáculo, acaba influenciando as
testemunhas, as provas, os peritos, os jurados e os próprios juízes. No
caso Simpson, o juiz fez plástica facial para aparecer bem, perante as
câmeras.
No Brasil, como estamos?
Tribunal abortado
Um tribunal aborta quando o juiz erra tudo, não define claramente qual é
o verdadeiro crime, vacilando entre alegações, especulações, suspeitas e
indícios sem prova. Caso famoso, hoje no currículo de alguns cursos de
direito, foi o dos Irmãos Nave, acontecido em Minas Gerais dos anos 40.
Acusados de haver assassinado um homem, os irmãos Nave foram torturados
até confessarem. O juiz sequer perguntou se alguém havia visto o cadáver
mas, mesmo assim, os condenou. Da cadeia os Naves só saíram muitos anos
depois, quando o homem reapareceu na cidade. Ele havia fugido sem
avisar a ninguém.
Outro exemplo de aborto de justiça foi a condenação de Nelson Mandela à
prisão perpetua por tribunal racista do apartheid, em cuja sala negros
não entravam.
Os tribunais, constituídos de seres humanos, às vezes ficam doentes. Como estamos no Brasil?
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