A irresponsabilidade do decano
Há duas maneiras dos Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) se
manifestarem: uma, através dos autos; outras, através de manifestações
extra-autos.
No primeiro caso, preserva-se a liturgia do cargo e até se pode
disfarçar preferências, preconceitos e ideologia através das escolhas
doutrinárias. A profusão de citações oculta ao leigo a enorme dose de
subjetividade que permeia julgamentos.
Quando os magistrados enveredam pelo caminho da exposição pública e se
permitem manifestar preferências políticas, o jogo muda. A toga vira
ornamento vestindo o ego de uma celebridade. E o magistrado se expõe ao
olhar público, como qualquer celebridade.
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Sem o manto solene da toga, há muito a se reparar na personalidade de
cada um: na falta absoluta de civilidade de Joaquim Barbosa, nos
episódios controvertidos de Gilmar Mendes (que protagonizou uma possível
fraude, com o senador cassado Demóstenes Torres, no episódio do "grampo
sem áudio"), nas decisões sempre polêmicas de Marco Aurélio Mello, na
submissão total de Ayres Britto aos clamores da mídia.
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Mas nada se equipara à irresponsabilidade institucional do Ministro Celso de Mello, decano do STF.
O Ministro cumpriu carreira típica de servidor público qualificado.
Primeiro, foi Procurador do Ministério Público Estadual (MPE) de São
Paulo. Com reputação consolidada, foi guindado ao cargo influente de
principal assessor jurídico do controvertidíssimo Consultor Geral da
República do governo Sarney, Saulo Ramos.
Ainda estão por serem reveladas as peripécias de Saulo à frente da
consultoria e, depois, como Ministro da Justiça do governo Sarney. Foram
muitas, desde a mudança do decreto do Plano Cruzado, visando dar
sobrevida à indústria da liquidação extrajudicial, até o parecer
conferindo direito aos investidores de títulos da dívida pública de
receberem a correção monetária integral de um ano de congelamento, mesmo
que tivessem adquirido o título na véspera do descongelamento.
Celso era o grande filtro técnico, o especialista capaz de dar vestimenta técnica às teses mais esdrúxulas de Saulo.
A Saulo, Celso serviu. E, como recompensa, ganhou a indicação para Ministro do STF.
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Há toda uma hierarquia no serviço público na qual poderosos de hoje dependeram de favores dos antigos poderosos de ontem.
Até aí tudo normal. Não consta, em sua longa carreira, que o decano
Celso de Mello tenha desmerecido a instituição para o qual foi indicado,
mesmo levando-se em conta a qualidade dos seus padrinhos.
A grande questão é a maneira como ele, do alto da posição de decano do
STF, está conduzindo suas declarações políticas. É de uma
irresponsabilidade institucional mais adequada a um jovem carbonário do
que a um decano.
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Não se discutem as penas. Isso é prerrogativa do Magistrado. O que se
discutem são as manifestações políticas inadmissíveis para quem
representa o Supremo e a subordinação à segunda pior forma de pressão: o
clamor da mídia (a primeira é a pressão do Estado).
Há uma grande chaga na política brasileira: as formas de cooptação de
partidos políticos. E duas maneiras de combatê-la: entendendo-a como um
problema sistêmico ou focando em apenas um partido.
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Ao investir contra os "mensaleiros" com um rigor inédito, o STF desperta
duas leituras: a benéfica, é o da necessidade da punição exemplar do
episódio para extirpar sua prática da vida política nacional; a segunda,
a de que seu rigor se limitará a esse julgamento, não aos próximos.
Contra a imagem de isenção da corte tem-se a maneira como indícios foram
transformados em provas. E tem-se o modo como o STF mudou a
jurisprudência até então em vigor.
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Há duas linhas de análise dos crimes das chamadas organizações
criminosas. Uma - a "garantista" - exige a apresentação de provas
objetivas para a condenação. Outra sustenta que, devido à complexidade
das organizações, os julgamento podem se basear apenas em evidências.
Até então, o STF adotava a primeira linha doutrinária, que beneficiava
criminosos de “colarinho branco”. A partir do "mensalão", passou a
adotar a segunda.
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Não será fácil conquistar a aura de poder severo com todos os crimes. Na
mesma semana do mensalão, por exemplo, o Ministro Marco Aurélio Mello
concedeu habeas corpus a um vereador carioca suspeito de chefia uma
gangue de milicianos. No episódio Satiagraha, o STF, quase por
unanimidade, acolheu a agressividade ímpar do Ministro Gilmar Mendes e
concedeu liminar a um banqueiro cujos lugares-tenentes foram flagrados
tentando subornar um Policial Federal.
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O Ministro Marco Aurélio concedeu um habeas corpus a Salvatore Cacciola
que, nos poucos dias antes de ser derrubado, permitiu a fuga do
ex-banqueiro. No momento, a Operação Satiagraha está parada no STJ,
apesar dos esforços do Ministério Público Federal. No caso do chamado
“mensalão mineiro”, segundo o próprio Joaquim Barbosa, foram os demais
Ministros que aceitaram o desmembramento da ação, ao contrário do
“mensalão do PT”.
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Só no próximo julgamento se saberá se o STF é isento ou discricionário.
No entanto, a discricionariedade de Celso de Mello se manifesta
antecipada e gratuitamente no campo das manifestações políticas, com um
desapreço pelo sistema Republicano de causar inveja aos juízes da
ditadura. Não se limitou a condenar o cooptação dos partidos mediante
pagamento. Condenou como ditatorial o próprio instituto das coligações
partidárias, peça central de governabilidade no país.
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Sabendo ser generalizada a prática de cooptação, os financiamentos
obscuros de campanha, em vez de uma crítica geral à prática – até como
sinal de que outras infrações receberão o mesmo tratamento - chegou ao
cúmulo de comparar um partido político ao PCC. O que pretende com isso?
Criar uma situação de esgarçamento político com o Executivo? Colocar o
STF a serviço de um partido? Dar razão aos críticos que duvidam da
isenção do tribunal?
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