Decisão anterior se encaixa como uma luva
A Folha do último dia 3, ao noticiar a intenção de Valdemar Costa
Neto (PR-SP) de ir à Corte Interamericana contra o julgamento do STF no
mensalão, informou que "o órgão internacional não tem poder de
interferir em um processo regulado pelas leis brasileiras, segundo
ministros e ex-ministros da corte. Quando a OEA condena, as punições são
aplicadas contra os países que fazem parte da organização. Entre as
penas estão a obrigação de pagar indenizações a vítimas de violações de
direitos humanos".
A Corte Interamericana não é um tribunal que está acima do STF - ou
seja, não há hierarquia entre eles. É por isso que ela não constitui um
órgão recursal. Porém, suas decisões obrigam o país que é condenado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa. "Pacta sunt servanda": ninguém é obrigado a assumir compromissos internacionais. Depois de assumidos, devem ser cumpridos.
De forma direta, a corte não interfere nos processos que tramitam em um
determinado Estado membro sujeito à sua jurisdição (em razão de livre e
espontânea adesão). De forma indireta, sim.
A sensação que se tem, lendo o primeiro parágrafo acima, é de que a
corte não teria poderes para modificar o que foi decidido pelo STF e que
as sanções da corte são basicamente indenizatórias. Nada mais
equivocado.
No caso "Barreto Leiva contra Venezuela", a corte, em sua decisão de 17 de novembro de 2009, apresentou duas surpresas.
A primeira é que fez valer em toda a sua integralidade o direito ao
duplo grau de jurisdição (direito de ser julgado duas vezes, de forma
ampla e ilimitada). A segunda é que deixou claro que esse direito vale
para todos os réus, inclusive os julgados pelo tribunal máximo do país,
em razão do foro especial.
Esse precedente da Corte Interamericana se encaixa como luva ao processo
do mensalão. Mais detalhadamente, o que a corte decidiu foi o seguinte:
"Se o interessado requerer, o Estado [a Venezuela, no caso] deve
conceder o direito de recorrer da sentença, que deve ser revisada em sua
totalidade".
A obrigação de respeitar o duplo grau de jurisdição, continua a sentença
da Corte Interamericana, deve ser cumprida pelo Estado, por meio do seu
Poder Judiciário, em prazo razoável (concedeu-se o prazo de um ano). De
outro lado, também deve o Estado fazer as devidas adequações no seu
direito interno, de forma a garantir sempre o duplo grau de jurisdição,
mesmo quando se trata de réu com foro especial por prerrogativa de
função.
Ainda ficou dito que a corte iria fiscalizar o cumprimento da sentença e
que o país condenado deve cumprir seus deveres de acordo com a
Convenção Americana.
O julgamento do STF, com veemência, para além de revelar a total
independência dos seus membros, está reafirmando valores republicanos de
primeira grandeza, como reprovação da corrupção, moralidade pública,
retidão ética dos agentes públicos e partidos, financiamento ilícito de
campanhas eleitorais etc. O valor histórico e moralizador dessa sentença
é inigualável.
Mas do ponto de vista procedimental e do respeito às regras do jogo do
Estado de Direito, o provincianismo e o autoritarismo do direito
latino-americano, incluindo especialmente o brasileiro, apresentam-se
como deploráveis.
Por vícios procedimentais decorrentes da baixíssima adequação da, muitas
vezes, autoritária jurisprudência brasileira à jurisprudência
internacional, a mais histórica e emblemática de todas as decisões
criminais do STF pode ter seu brilho ético, moral, político e cultural
nebulosamente ofuscado.
Luiz Flávio Gomes, 55,
doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de
justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001)
No Falha
Um comentário:
Será que o senhor me ajuda? Li por aí, na internet, que essa "Teoria do Domínio do Fato" apareceu na Alemanha, em 1939, no bojo de outra teoria chamada "Teoria do Inimigo", que foi amplamente usada nos tribunais nazistas para degolar quem os nazistas quisessem degolar. Que há juristas que denunciam essa teoria do domínio do fato como teoria ferozmente autoritária, que se opõe, diametralmente, a todas as teorias do direito, da pena etc que se civilizaram a partir das discussões sobre os direitos humanos básicos. O que se pode ler sobre isso? Obrigado por qquer ajuda! Bom dia!
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