A pequena margem que garantiu a
condenação de dez réus por 6 a 4 foi alcançada com votos duros, que
escancararam o caráter político do julgamento do “mensalão”. O ministro
Marco Aurélio Mello (foto) chegou ao limite de reler seu discurso de
posse na presidência do TSE, em 2006, no auge do escândalo que envolveu o
PT. “Ao usar a voz da urna, o povo brasileiro certamente ouvirá o eco
vitorioso da cidadania, da verdade”, recomendou. Nesta terça-feira (22)
os ministros decidirão o que fazer com os empates.
Najla Passos e Vinicius Mansur
Após sete anos de forte campanha midiática, os réus do “mensalão”
denunciados por crime de formação de quadrilha, incluindo a cúpula do
PT, foram condenados com pequena margem: 6 votos a 4. Com isso, eles
podem ingressar com embargos infringentes, medida prevista no artigo 333
do regimento interno do Supremo Tribunal Federal (STF) que, se acatada,
assegura novo julgamento aos réus condenados com pelo menos quatro
votos divergentes.
A sessão desta segunda (22) deu continuidade à análise do capítulo 2 do
processo, iniciada na semana passada, com a condenação de 11 dos 13 réus
pelo relator, Joaquim Barbosa, e a absolvição de todos eles pelo
revisor, Ricardo Lewandowski. A pequena margem que garantiu a condenação
foi conseguida com votos duros, que escancararam o teor político do
julgamento, com vistas a influir no resultado das urnas do próximo
domingo (28).
O mais impressionante deles foi o do ministro Marcos Aurélio Mello, que
releu seu discurso de posse na presidência do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), em 2006, no auge do escândalo do “mensalão”.
O ministro revelou que, à época, pediu que o então presidente Lula não
comparecesse ao evento porque precisava “dar um recado” sobre os “tempos
muito estranhos envolvendo a vida pública”, que levaram o país não só a
“uma crise de valores, senão um fosso moral e ético que parece dividir o
país em dois segmentos estanques: o da corrupção, seduzido pelo projeto
de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura, e de uma grande
massa comandada que, apesar do mau exemplo, esforçasse para sobreviver e
progredir. Não passa dia sem depararmos com manchete de escândalos”.
Para combater a corrupção, o discurso relido de Marco Aurélio evocou “o
poder revolucionário do voto com o qual, eleição após eleição, estamos
os brasileiros a nos aperfeiçoar”, disse que “ao usar a voz da urna, o
povo brasileiro certamente ouvirá o eco vitorioso da cidadania, da
verdade” e que impunha-se ao eleitor “a conscientização, a análise do
perfil, da vida pregressa daqueles que se apresentem [candidatos]”, pois
“somente dessa forma o eleitor responderá às exigências do momento,
ficando credenciado, em passo seguinte, eleitor, à cobrança”.
Em seu voto, o magistrado condenou 11 dos 13 acusados e ironizou:
“Mostraram-se os integrantes em número de 13. É sintomático o número.
Mostraram-se afinados (...). Pareciam a máfia italiana”. Marco Aurélio
absolveu os ex-diretores do Banco Rural, Vinícius Samarane e Ayanna
Tenório.
Com o revisor
Três ministros seguiram o revisor, Ricardo Lewandowiski, e absolveram
todos os 13 réus denunciados por formação de quadrilha. Primeira a votar
nesta tarde, a ministra Rosa Weber manteve posição já destacada em
votos anteriores, de que a tipificação da quadrilha exige que ela seja
formada para a prática de crimes e que pressuponha alarma e perturbação
da ordem social. “Quadrilha é a estrutura que causa perigo por si mesma,
o que nada tem a ver com concurso de agentes”, justificou.
A ministra alegou também que a tipificação do crime de quadrilha exige a
pré associação dos agentes para a confecção de crimes variados. “Só
existe quadrilha na acepção legal quando os agentes visam a uma
quantidade indeterminada de delitos”, acrescentou. Rosa se amparou em
decisão do Tribunal de Justiça da Alemanha sobre crime equivalente
naquele país. “Não identifico em qualquer hipótese, à luz dos fatos
descritos nos autos, o dolo de criar ou participar de uma organização
autônoma com vistas à prática de crimes indiscriminada”, sintetizou.
O ministro Joaquim Barbosa interveio. Descartou os argumentos jurídicos e
optou pelo discurso emocional do suposto tratamento diferenciado entre
crimes de pobres e ricos. “Eu estou com a impressão de que nós estamos
caminhando para algo que eu denominaria uma exclusão sociológica de
crimes de formação de quadrilha. A ideia que começo a perceber é que só
praticariam o crime de formação de quadrilha as pessoas que praticam
latrocínio, sequestro, roubo... os chamados crimes de sangue”, criticou.
Ele lembrou que, no decorrer desta ação, a corte condenou várias pessoas
que cometeram crimes contra a administração pública. “Compra de
parlamentares não pode ser cometida sem que haja concerto entre pessoas,
porque dinheiro não dá em árvores. É preciso que haja crime de sangue
para que a paz seja abalada? Não basta este crime de pecuniarização da
vida política?”, questionou.
A ministra Carmem Lúcia pediu para antecipar seu voto e
contra-argumentou. Segundo ela, outras decisões da corte comprovam que é
possível condenar por formação de quadrilha os praticantes de crime de
colarinho branco, desde que a tipicidade seja comprovada, o que ela não
acreditava ser o caso deste julgamento. Para a ministra, a ação em pauta
trata de pessoas que chegaram a cargo de poder ou que faziam parte de
empresas de maneira legítima, e ali naqueles cargos praticaram um
ilícito penal. Portanto, têm que responder pelos crimes que praticaram, e
não serem tratadas como se tivessem chegado ao poder apenas para
cometê-los.
Em um voto relâmpago, o ministro Dias Toffoli apenas informou que acompanharia o revisor.
Com o relator
O ministro Luiz Fux seguiu integralmente o relator. Conforme ele,
“restou incontroverso neste plenário que três núcleos se uniram em torno
de um projeto delinquencial comum”. Para justificar a opção por
quadrilha e não coautoria, se amparou no tempo em que os crimes foram
praticados e em um entendimento abstrato do conceito de paz pública.
“Essa quadrilha atuou por quase três anos e só acabou em função de um
escândalo. Não é normal na doutrina coautoria por tanto tempo”,
argumentou.
O ministro Gilmar Mendes também entendeu que houve formação de
quadrilha. Com base em acórdão de autoria do colega Celso de Mello,
defendeu que, para formação de quadrilha, é necessário concurso de pelo
menos quatro pessoas, com o objetivo de prática criminosa, de forma
estável e permanente. “O crime de quadrilha não se confunde com
concurso, que é eventual e temporário”, justificou.
Mendes ainda ressaltou que os dirigentes do PT tinham um projeto de
poder que combinava dois fatores: expansão do partido e formação da base
aliada. E que não se furtou a usar de meios ilícitos para
concretizá-lo. “Não se pode cogitar o normal da ordem publica e social
quando se tem um partido político cooptando parlamentares”.
Já o decano, Celso de Mello, começou seu voto dizendo que, em mais de 44
anos de atuação na área jurídica, nunca viu o delito de quadrilha “tão
nitidamente caracterizado”. E chegou a compará-lo aos crimes cometidos
pelo tráfico de drogas, que mitiga o Rio de Janeiro, ou ao PCC, que
atemoriza São Paulo. Para rebater argumentos do revisor, Mello afirmou
que os integrantes de uma quadrilha não precisam viver necessariamente
das atividades dela e que esta ação criminosa em grupo afetou a paz
pública ao se instalar “no núcleo mais íntimo e elevado de um dos
poderes da República”.
Em um voto carregado de adjetivos, Mello afirmou que “a essa sociedade
de deliquentes, o direito penal brasileiro dá um nome: o de quadrilha ou
bando”. Pouco depois, destacou que o STF não está criminalizando a
política: “Estamos a condenar não atores políticos, mas protagonistas de
sórdidas tramas criminosas”.
O presidente Ayres Britto seguiu a mesma linha do decano. Defendeu a
existência da quadrilha e destacou que “o que estamos julgando é um modo
espúrio, delituoso de fazer política”.
Resultados
Ao final, foram condenados por 6 votos a 4 o ex-ministro da Casa Civil,
José Dirceu, o ex-presidente do PT, José Genoino, o ex-tesoureiro do
partido Delubio Soares, o publicitário Marcos Valério, os ex-sócios dele
Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, o advogado Rogério Tolentino, a
ex-diretora das agências de Valério, Simone Vasconcelos, e os
ex-dirigentes do Banco Rural: Kátia Rabello e José Roberto Salgado.
A ex-funcionária do Banco Rural, Ayanna Tenório, foi inocentada por
unanimidade. Já a ex-funcionária de Valério, Geiza Dias, foi absolvida,
mas só não contou com o voto de Marco Aurélio. O ministro também
inocentou o ex-diretor do Banco Rural, Vinicius Samarane, provocando o
sétimo caso de empate no julgamento. Nesta terça-feira (22) os ministros
decidirão o que fazer com os empates, mas as manifestações até o
momento indicam que os réus serão favorecidos neste caso.
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