segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Pedro Benedito: Afinal, do que Zé Dirceu é acusado?

O ex-ministro José Dirceu é acusado pelo Procurador Geral da República pela suposta prática de dois crimes: (1) corrupção ativa e (2) formação de quadrilha. Mas no que consistem esses crimes? Vou tentar responder de forma simples e clara.

Por Pedro Benedito Maciel Neto*


A Corrupção ativa, hipótese legal do artigo 333 do Código Penal, consiste no ato de oferecer (esse oferecimento pode ser praticado das mais variadas formas) vantagem, qualquer tipo de benefício ou satisfação de vontade, que venha a afetar a moralidade da Administração Pública. Esse crime só se caracteriza quando a vantagem é oferecida ao funcionário público. Caso haja imposição do funcionário para a vantagem oferecida, não há corrupção ativa e, sim, concussão.

No caso de um funcionário público propor a vantagem, é desconsiderada a sua condição, equiparando-se a um particular. Não há modalidade culposa. Na sua forma qualificada e em razão da oferta, o funcionário realmente retarda ou omite ato de ofício, ou realiza ato infringindo o seu dever. E, a pena prevista é de reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Já a formação de quadrilha está previsto no art. 288 do Código Penal e se faz caracterizado quando associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes, a pena é de reclusão, de um a três anos.

O que há no processo de fato sobre a formação de quadrilha?


O ex-ministro é acusado pela PGR de “comandar as ações dos dirigentes do Partido dos Trabalhadores”, mas são inúmeros os testemunhos de dirigentes do governo, do PT e de outros partidos que atestam que José Dirceu se afastou completamente das questões partidárias quando assumiu a chefia da Casa Civil, ou seja, a PGR sustenta essa afirmação sem nenhuma prova. Foi fartamente comprovado por inúmeros testemunhos que José Dirceu se afastou da administração do PT e não intervinha nos seus atos ou decisões.

Zé Dirceu é acusado ainda de “controlar e ter ciência das atividades do secretário de finanças do Partido dos Trabalhadores”, da instrução processual restou provado que a secretaria Financeira do PT agia com plena autonomia e que José Dirceu, afastado do partido, não tinha qualquer interferência em suas ações. Os depoimentos no processo demonstram que mesmo os membros da Executiva do PT não tinham conhecimento dos empréstimos bancários realizados pelo partido, esse era um assunto de competência e responsabilidade da secretaria de finanças e da presidência, todas as provas mostram que Delúbio Soares atuava com independência e sem a necessidade de ciência ou anuência de José Dirceu, que se dedicava exclusivamente ao governo.

A PGR afirma que Zé Dirceu tinha “vínculos com Marcos Valério”, mas os depoimentos do presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Cosa, e do ex-ministro de Obras Públicas de Portugal Antônio Mexia esclarecem que a viagem de Marcos Valério para Portugal não tinha relação com José Dirceu, com o Governo brasileiro ou partidos políticos. No mesmo sentido, depõe o presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Espírito Santo Silva Salgado. Diversas testemunhas provaram que as audiências do então Ministro José Dirceu com instituições financeiras eram regulares e próprias do exercício do seu cargo.

A testemunha Ivan Guimarães, por exemplo, garantiu que a negociação do apartamento relacionado com Maria Angela Saragoça não teve nenhuma relação com José Dirceu, que sequer tinha ciência das tratativas daquele imóvel. Da mesma forma, Maria Angela testemunhou ser amiga de Silvio Pereira e que foi exclusivamente através dele que obteve contato com Marcos Valério, sem qualquer atuação ou mesmo ciência do então ministro-chefe da Casa Civil.

Para demonstrar o “poder” de José Dirceu a PGR afirma que era ele que emitia a decisão final sobre indicação de nomes para cargos públicos. Mas ss testemunhos mostram que Silvio Pereira era o representante do PT no processo do qual todos os partidos da base aliada participavam para chegar a um consenso em relação aos nomes que seriam indicados. As provas mostram que ele agia sem nenhuma influência de José Dirceu. Também mostram que a Casa Civil era passagem burocrática obrigatória para verificar a vida pregressa de um nome que fosse indicado, como testemunhou o ex-ministro das Comunicações Eunício Oliveira. Vários depoimentos atestam que esse procedimento não contava com a ingerência de José Dirceu.

E sobre a corrupção ativa?

A PGR afirma que Zé Dirceu corrompeu parlamentares para obter votação favorável ao governo no Congresso. Mas os testemunhos mostram que a aliança eleitoral realizada pelo PT com o PL incluía a divisão dos recursos arrecadados para a campanha, como afirmou o então Vice-Presidente José Alencar, cujo nome ainda não foi sequer citado no julgamento. Também demonstram que o detalhamento financeiro dessa aliança se deu sem a participação de José Dirceu. Da mesma forma, o PTB, que apoiou a candidatura de Lula no segundo turno e participava do governo, realizou aliança eleitoral com o PT envolvendo ajuda financeira para as próximas campanhas eleitorais. José Múcio Monteiro é categórico ao afirmar em depoimento que José Dirceu não participou desse acordo porque já era ministro, afastado das questões partidárias.

Da mesma forma, os depoimentos do processo mostram que o PP sempre esteve aliado ao governo Lula e que José Borba integrava a ala do PMDB que apoiava o governo. A acusação também não conseguiu estabelecer relação entre os saques realizados e as votações no congresso. Pelo contrário, os depoimentos de membros das comissões parlamentares de inquérito que investigaram o caso demonstram que não havia relação entre votações e saques.

Mas e as acusações de Roberto Jefferson?

Os testemunhos no processo mostram que Roberto Jefferson fez as acusações no momento que estava acuado por estar no foco de graves acusações relacionadas com a gravação de Maurício Marinho recebendo dinheiro nos Correios. Provou-se que Jefferson supunha que as denúncias dos Correios haviam sido feitas por um militante do PT. Jefferson alegou que falou sobre a compra de votos antes do escândalo para algumas pessoas, que foram ouvidas como testemunhas e negaram esta afirmação (Miro Teixeira, Walfrido Mares Guia, Ciro Gomes, etc.).

Não há nos autos uma única testemunha que confirme a alegação de Roberto Jefferson de que a imaginada compra de votos era um escândalo na Câmara ou que eram perspectiveis os rumores de sua existência. Ao contrário, dezenas de testemunhos colhidos na ação penal negam taxativamente a afirmação de que a compra de votos existia e era comentada. Na realidade o que emerge dos autos é que Jefferson tinha interesse em criar a acusação de compra de votos para sair do foco das acusações que pesavam contra si. Todas as suas acusações foram desmentidas por dezenas de testemunhas ouvidas no processo, mas a PGR apresenta o depoimento de Roberto Jefferson como a única prova, sem outros testemunhos ou elementos de prova, ignorando o fato de que a condição de acusado já abalava a sua credibilidade e que suas declarações foram desmentidas por dezenas de testemunhas do processo.

A opinião pública, influenciada por uma campanha midiática sem precedentes espera a “condenação exemplar” de Zé Dirceu, quando deveria esperar o melhor julgamento, o mais justo e isento julgamento.

Está ai minha opinião.

*Pedro Benedito Maciel Neto, 48, advogado e professor, autor, dentre outros, de “Reflexões sobre o estudo do direito”, ed. Komedi (2007).

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