Em que pese a importância das redes sociais e da internet para o debate sobre as virtudes e defeitos dos meios de comunicação, nas universidades a crítica definha
Jornais, revistas, o rádio e a televisão tratam de quase tudo sem
restrição. Apenas um assunto é tabu: eles mesmos. Se hoje a internet tem
papel relevante nesse debate sobre a mídia, na academia houve
retrocesso. O programa Globo Universidade, das Organizações Globo, tem
parcela importante de responsabilidade nessa mudança. Surgiu com o
objetivo de neutralizar aquela que era uma das poucas áreas em que se
realizava uma análise crítica sistemática dos meios de comunicação.
Passou a financiar laboratórios de pesquisa e eventos científicos, e,
com isso, um objeto de investigação, no caso a própria Globo, tornou-se
patrocinador do investigador, retirando da pesquisa a necessária
isenção. Fez na comunicação o que a indústria farmacêutica faz com a
medicina, bancando viagens e congressos médicos para propagandear
remédios.
O resultado prático pode ser visto no número crescente de trabalhos
acadêmicos sobre o uso de novas tecnologias associadas à TV e as formas
de aplicação de seus resultados pelo mercado. Enfatizam cada vez mais o
papel do receptor como elemento capaz de selecionar, a seu critério, os
conteúdos que lhe interessam. Fazem, dessa forma, o jogo dos
controladores dos meios, retirando deles a responsabilidade por aquilo
que é veiculado. Fica tudo nas costas do pobre receptor. Esquecem o
fenômeno da concentração dos meios que reduz o mundo a uma pauta única,
com pouca diferenciação entre os veículos.
Dizem em linguagem empolada o que empresários de TV costumam expressar
de modo simples: “O melhor controle é o controle remoto”. Como se ao
mudar de canal fosse possível ver algo muito diferente.
Cresce também o número de empresas de comunicação que oferecem cursos
até em universidades públicas, retirando dessas instituições o espaço do
debate e da crítica. Saem dos cursos de comunicação jovens adestrados
para o mercado, capazes de se tornar bons profissionais. No entanto, a
débil formação geral recebida os impedirá de pôr os conhecimentos
obtidos a serviço da cidadania e da transformação social.
O papel político desempenhado pelos meios de comunicação e a análise
criteriosa dos conteúdos emitidos ficam em segundo plano, tanto na
pesquisa como no ensino. Foi-se o tempo em que, logo dos primeiros anos
do curso, praticava-se a comunicação comparada, com exercícios capazes
de identificar as linhas político-editoriais adotadas pelos diferentes
veículos. Caso fosse aplicada hoje, mostraria, com certeza, a
uniformidade das pautas, com jornais e telejornais reduzindo os
acontecimentos a meia dúzia de fatos capazes de “render matéria”. Mas
poderia, em alguns momentos excepcionais, realçar diferenças
significativas, imperceptíveis aos olhos do receptor comum.
Como no caso ocorrido logo após a condenação de José Dirceu pelo STF. Ao
sair de uma reunião, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Jilmar
Tatto, foi abordado por vários repórteres. Queriam saber sua opinião
sobre o veredicto do Supremo. Claro que ele deu apenas uma resposta, mas
para quem viu os telejornais da Rede TV e da Globo foram respostas
diferentes. Na primeira Tatto dizia: “A Corte tem autonomia soberana e
pagamos alto preço por isso. E só espero que essa jurisprudência usada
pelo STF continue e que tenha o mesmo tratamento com os acusados do
PSDB”. Na Globo a frase sobre o “mensalão tucano” desapareceu.
Em casa o telespectador, mesmo vendo os dois jornais, dificilmente
perceberia a diferença entre ambos, dada a sequência rápida das imagens.
Mas para a universidade seria um excelente mote de pesquisa cujos
resultados teriam uma importância sociopolítica muito maior do que
longos discursos sobre transmídias e receptores.
No Revista do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário