A onda de atentados registrada em Santa Catarina desde a semana passada
(27/1-3/2) tem todas as características de uma resposta midiática do
crime organizado a um evento que praticamente passou despercebido pela
imprensa.
No dia 18 de janeiro, agentes prisionais do Presídio Regional de
Joinville atacaram com balas de borracha e jatos de gás pimenta presos
imobilizados num pátio (ver vídeo).
A retaliação veio pouco mais de uma semana depois, com uma sequência
coordenada de 43 ataques a delegacias, prefeituras e incêndios de ônibus
em 15 cidades do estado.
O incidente no presídio foi tratado burocraticamente pela imprensa
catarinense, que preferiu bater firme na denúncia da insegurança e na
cobrança de ações por parte da polícia. É a forma tradicional e gasta de
lidar com uma situação que tende a se tornar cada vez mais frequente
porque o crime organizado já deu todos os sinais de que responderá com
ataques tipo guerrilha a qualquer incidente registrado em cárceres onde
existam organizações de presos.
É uma clara estratégia que busca impacto midiático para questões que o
governo tenta ocultar, com a ajuda da imprensa. Trata-se de uma ação em
que o objetivo é conquistar corações e mentes, mais do que ver quem é
mais forte ou quem bate melhor. A reação do governo e da polícia foi a
mais convencional possível. Ambos conhecem o que está por trás dos
ataques a ônibus, mas preferiram o recurso tradicional de prometer o uso
da força contra os delinquentes, mesmo sabendo das limitações
estratégicas dessa estratégia.
A imprensa catarinense, logo após os primeiros ataques do crime
organizado, partiu com força para a cobrança de ações do governo,
amparada no horror e no medo da população. De certa forma ela acuou as
autoridades,em vez de exigir medidas que fossem ao cerne do problema.
Ela também se deixou levar pela rotina e ficou na cobrança de ações
imediatas.
É claro que ao ver os incêndios a população das cidades catarinenses
onde ocorreram ataques reagiu contra os delinquentes. É uma reação
imediata e natural, mas a imprensa e o governo deveriam saber que a
situação era mais complexa do que simplesmente responder com a força.
Quando a imprensa cobrou respostas das autoridades, estas em vez de
neutralizar a ação do crime organizado, reconhecendo a gravidade dos
incidentes no presídio de Joinville para punir os responsáveis, preferiu
minimizar o episódio com uma discreta punição aos agentes acusados de
violação dos direitos dos presos.
Dar ao incidente uma dimensão midiática esvaziaria a revolta dos
dirigentes do crime organizado e contribuiria para criar na população a
percepção de que a reforma do sistema penitenciário é muito mais
eficiente – em termos de neutralizar o poder do crime organizado – do
que as barreiras móveis, que servem mais para tentar transmitir à
população a ideia de que a polícia está fazendo alguma coisa do que para
capturar agentes do crime organizado.
A imprensa sabe que a situação é complexa e que é parte de uma batalha
midiática por corações e mentes da população no contexto crítico da
insegurança urbana. Por isso ela é também responsável por evitar o
passionalismo numa situação como esta. A crise no sistema penitenciário
está na origem da onda de atentados, a segunda em quatro meses em Santa
Catarina, e que tem tudo para se transformar num fenômeno endêmico em
todo o país.
Basta os líderes do crime organizado ordenarem que adolescentes ataquem
ônibus em lugares ermos para implantar o pânico na população e o
nervosismo nos comandos políticos e policiais. A crise não será
solucionada no campo de batalha das ruas, mas no ambiente midiático. A
arma do governo é mostrar que vai enfrentar com seriedade e
transparência a delicada questão da reforma do sistema penitenciário.
Ele desloca o eixo da discussão do passionalismo gerado pelos incêndios
para a reflexão envolvendo a sociedade.
Mas enquanto as autoridades agirem prometendo apenas mão dura contra o
crime, os principais beneficiados serão apenas os grupos organizados nos
presídios brasileiros.
Carlos Castilho
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