Ao
dar uma de suas mais contundentes entrevistas através da rede de blogs e
sites progressistas, Lula sinalizou um novo divisor ao PT, ao governo e
à campanha.
por: Saul Leblon
O presidente da Suprema corte do
país mantém um líder político encarcerado há três meses, em ilegal e
ostensiva afronta ao desfecho do processo do qual foi o relator e no
qual o condenado teve o benefício do regime semiaberto.
A mídia ‘isenta’ trata o escárnio jurídico incomum como um fato da natureza.
A
prisão do líder da extrema direita venezuelana, Leopoldo López, acusado
de incitar a violência que causou inúmeras mortes no país, ademais de
liderar atentados a prédios públicos, incluindo-se a edificante prática
de incinerar universidades, ensejou mais indignação nas páginas dos
veículos isentos do que o aleijão jurídico a que é submetido o
ex-ministro José Dirceu.
A produção industrial cresceu pelo
segundo mês consecutivo em fevereiro, mais 0,4% ; já havia avançado
3,8% em janeiro. O resultado sopra vento a contrapelo das dificuldades
reais e magnificadas do setor manufatureiro.
A mídia
especializada trata o fato como um segundo ponto fora da curva granítica
do ’Brasil aos cacos’; não concede o benefício sequer da reflexão aos
fatos, independente do quanto eles gritem nas estatísticas.
A
presidente do Fed norte-americano, Janet Yellen, reafirmou esta semana,
pela terceira vez consecutiva, que as fragilidades do sistema
produtivo e, sobretudo, as inconsistências de um mercado de trabalho
dominado pelo vínculo precário, exigirão a persistência de juros muito
baixos nos EUA –mesmo depois de flexibilizada a taxa, e por um longo
período.
A mídia dá de ombros e continua a alardear a ‘iminente’ alta do custo do dinheiro nos EUA.
O
argumento reitera a lógica da reversão do fluxo de capitais no mundo,
em prejuízo das contas externas brasileiras, já pressionadas pelo
déficit comercial.
Detalhe: enquanto isso, o dólar derrete no país
sob a pressão de ingressos recordes de capitais especulativos, que vem
engordar no pasto dos juros altos defendidos pela mesma mídia.
O
presidente Nicolas Maduro incorpora a mediação da Unasul e dá seguidas
demonstrações de disposição para negociar uma trégua com grupos
oposicionistas.
A mídia continua a desdenhar da Unasul --bom é a
OEA dominada pelo interesse dos EUA-- e a descrever o governo
venezuelano como um descendente direto das ditaduras trogloditas
latino-americanas que ela nunca hesitou em apoiar.
À líder da
extrema direita, María Corina, que recusa o diálogo proposto por Maduro,
do qual fará parte Capriles, o dispositivo midiático conservador
concede um tratamento de estadista em sua passagem pelo Brasil esta
semana.
O metrô de São Paulo comparece dia sim, dia não nas
páginas isentas do noticiário conservador como palco de panes e outros
evidentes sintomas de saturação estrutural.
Ninguém diz ‘imagina na Copa’ para essa obra ilustrativa do apuro administrativo tucano.
Neste caso também, a anomalia é reportada como evento da natureza.
A
dificuldade em associar o colapso operacional do metrô paulista a outro
fenômeno sistêmico --a lambança entre carteis e licitações
fraudulentas em uma década e meia de administração tucana na empresa—é
flagrante.
A longa sedimentação desse condomínio de interesses
lesou o cofre público bandeirante com um sobrepreço ora aventado em
torno de 30%.
Repita-se: durante década e meia. Período no qual a
rede metroviária da capital avançou a passo de tartaruga manca para
somar hoje fantásticos 74 km de trilhos: 1/3 da malha mexicana, que
começou junto.
Há enorme abismo entre o que o jornalismo
conservador relata e a efetiva relação causal entre as paralelas da
ineficiência e da corrupção. Ambas sistêmicas e longevas abarcando
gestões de Covas, Serra e do atual governador, Geraldo Alckmin
–candidato a protagonizar duas décadas do PSDB no comando do metrô.
A
mesma dificuldade não acomete o ímpeto investigatório da mídia no caso
da polêmica compra da refinaria de Pasadena pela Petrobrás.
As
conexões com os habituais doleiros e lavadores de recursos são
garimpadas, ou inferidas, com a isenção sabida, e a avidez costumeira.
Note-se,
ademais, que no caso da Petrobras o subtexto da ‘estatal controlada
pelo petismo’ serve como denuncia subliminar do ‘intervencionismo da
Dilma’. Ademais de redimir –indiretamente—a agenda privatista do PSDB
contra a empresa.
Uma pergunta argui o colunismo da indignação
seletiva: que ilação histórico-ideológica poderíamos extrair da união
estável entre cartel privado e governos liberais conservadores do PSDB
em São Paulo?
O cartel é a forma de planejamento hegemônica em
nosso tempo. Uma forma de planejamento privado da sociedade pelo
capital. Ou a serviço do capital.
Cada vez mais, grandes
corporações substituem a concorrência pelo rateio clandestino de cotas
em uma licitação. O ilícito assegura lucros robustos de oligopólio a
cada um dos participantes da operação fraudulenta.
Imperasse a livre concorrência, os custos desabariam.
O
lucro seria da sociedade, ao contrário do que ocorre em São Paulo há
uma década e meia, em que os cofres públicos pagam o sobrepreço do
butim.
Tão ou mais grave, porém, foi o assalto paralelo que a
mídia praticou ao longo destes anos, contra o discernimento crítico da
sociedade.
O alarido do cartel midiático contra tudo o que
exalasse o mais tênue aroma do interesse público e da participação
estatal na economia revestia de ares de eficiência –inquestionável—a
lambança que os titãs do neoliberalismo nativo e os cartéis privados
cometiam contra o interesse público.
No jogral que nunca
desafina, em diuturna catequese ‘informativa’, lá estava a turma do
choque de gestão; os liquidacionistas da era Vargas; os trovadores do
Estado mínimo; o pelotão antigasto público; os áulicos das finanças
desreguladas; os vigilantes do ‘superávit cheio’; os algozes do BNDES;
os prosadores da desindustrialização virtuosa (concorrência livre); os
mariners do ‘custo Brasil’; os porta-vozes da república rentista...
Os
mesmos que agora se escandalizam com Pasadena, mas se mostram
comedidos quando se trata de responsabilizar os altos escalões da
queijaria suíça nas licitações do metrô tucano.
Conceda-se o mérito da coerência ao jornalismo conservador.
É
exemplar a forma comedida com que trata personagens como o
guarda-livros do rateio do metrô, o impoluto vigilante das contas
estaduais tucanas, Robson Marinho, por exemplo.
Estratégico
integrante do Tribunal de Contas do estado, do qual já foi presidente,
Robson Marinho, teve sua singela vida bancária foi estourada pela
justiça suíça.
Nem por isso o Jornal Nacional exibiu as imagens
aéreas da ilha e dos dois edifícios de propriedade do tucano detentor de
saldo de US$ 1 milhão em casa bancária de Genebra.
O Estado mínimo que tem na mídia isenta um centurião das suas virtudes é o escopo desse enlace de pautas, interesses e ética.
A
cansativa rememoração desses paradoxos pinçados a esmo entre as
inúmeras demonstrações de isenção do jornalismo conservador remete a
certas constatações que, a julgar pela entrevista do ex-presidente Lula
nesta 3ª feira, passaram –finalmente-- a ordenar a agenda progressista.
A
saber: não há a menor hipótese de se contar com uma nesga de
imparcialidade na mediação que o dispositivo midiático faz e fará da
disputa política sangrenta em curso no país.
O espaço de diálogo
do governo e do PT com a sociedade terá que ser urgentemente
pavimentado e ampliado através de outros canais.
Ao dar uma de
suas mais contundentes entrevistas à rede de blogs e sites
progressistas, o ex-presidente Lula sinalizou um precedente às demais
instâncias do partido, do governo e dos responsáveis pela campanha da
reeleição da Presidenta Dilma.
É crucial que o recado seja entendido e incorporado.
Mais
que isso. Lula fez um visceral apelo à luta política, aquela que
condiciona o passo seguinte do país ao engajamento da sociedade.
O exemplo deve começar por quem tem a responsabilidade de liderar o processo: o próprio PT.
A campanha eleitoral deve servir a isso. Ou não servirá a nada.
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