domingo, 27 de outubro de 2013

“Eles” somos nós!


Existe um movimento na mídia comercial que precisa ser analisado com a urgência de um vôo de águia e a argúcia de um leopardo. Falo da crítica pela crítica, aquela feita a partir de qualquer situação cotidiana que, amplificada, se transforma em tragédia. Esse tipo de crítica é movida por um sentimento que nunca se sabe ao certo se é legítimo ou se carrega um interesse oculto. Não importa. O resultado é o mesmo: a sensação de que vivemos o desgoverno rumo ao caos.
Por dever paterno de ofício, acompanho a CBN toda manhã e tenho notado nos últimos tempos uma cobertura maior da cidade de São Paulo. Repórteres são destacados por ar e terra para falar das mazelas do trânsito até as condições de conservação das ruas, passando por cocô de cachorro na calçada e semáforos desligados. Nada escapa ao olhar atento dos jornalistas que respaldam suas denúncias em opiniões de motoristas e moradores revoltados.
Alguma coisa contra a crítica da mídia? Algo contra enxergar e apontar os problemas da cidade? Absolutamente. A questão é que o “dedo no nariz” nunca vem acompanhado de um mínimo de contraponto nem de uma simples reflexão sobre direitos e deveres do cidadão e dos agentes públicos. Fica parecendo que tudo o que acontece de ruim em São Paulo começou a acontecer agora, recentemente, e que o paulistano nada tem a ver com lixo na via pública, excesso de veículos nas ruas e até o mau tempo que transforma o ir e vir em labirinto antropofágico.
Tomemos como exemplo a grelha que se soltou no túnel do Anhangabaú na madrugada de 23 de outubro, provocando, nas primeiras horas da manhã, um trânsito infernal no sentido norte-centro. Faltou uma vistoria prévia que alertasse sobre a iminência do problema? Sim. Assim como falta uma vistoria preventiva em todos os rincões da cidade. Manutenção e preservação do espaço urbano é dever do agente público municipal. Suportar as consequências de uma cidade feita por todos nós, também.
Nosso grau de civilidade está intimamente ligado ao nosso grau de compreensão das coisas e dos fatos. Acreditar que um semáforo está desligado só porque o poder público é incompetente mostra o desconhecimento de uma situação comum: todos os dias centenas de quilômetros de fios são roubados dos postes e viadutos na cidade de São Paulo, comprometendo a segurança e a mobilidade de carros e pessoas. Nenhuma pergunta do jornalista sobre o que o motorista acha dos roubos de fios que, no final das contas, resulta na falência da sinalização de trânsito.
Outro exemplo. Um morador reclamou do lixo acumulado perto da sua residência. Se perguntassem a ele quando o caminhão de lixo passa na sua rua, talvez não soubesse responder. Não saberemos porque o repórter não fez essa pergunta. Básico. É o jornalismo do “quanto pior, melhor”, um jeito estranho de lidar com as questões do dia a dia de uma metrópole do tamanho de São Paulo.
E uma coisa leva à outra. A reclamação do semáforo desligado ou do lixo na rua repercute numa infinidade de mensagens, todas elas lidas em tom sarcástico pelos apresentadores, mesmo que sejam as piores bobagens em termos de números e estatísticas. Não há a crítica da crítica. Somente a crítica pela crítica. Assim, a mídia comercial, ingenuamente ou não, vai criando um ouvinte, leitor e telespectador tão revoltado quanto desinformado, sem qualquer juízo de valor que se aproxime de uma crítica coerente e fundamentada. Parece que vale apostar apenas na ideia de que “eles” não somos nós.

Marco Piva
No Blog do Miro

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