domingo, 20 de maio de 2012

Casal desorientado, dupla atrapalhada

 
Wálter Maierovitch
 
 
Foi muita coisa para tão pouco tempo. Primeiro, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e a sua esposa, a subprocuradora Cláudia Sampaio, livraram-se de comparecer, para tentar explicar o inexplicável, à CPI do Cachoeira. Depois, os ex-ministros Nelson Jobim e José Carlos Dias, este da Comissão da Verdade, ignoraram a vinculante decisão condenatória do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e o consagrado pela Corte Europeia de Direitos Humanos e pelo Tribunal Penal Internacional. Essas cortes de jurisdição internacional não admitem a autoanistia voltada a conferir impunidade aos agentes do Estado envolvidos em crimes de lesa-humanidade.
Os ex-ministros sustentam a tese, com apoio no canhestro voto condutor dado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo então ministro Eros Grau, da bilateralidade da anistia de 1979. Assim entendem dever a Comissão da Verdade promover “apurações bilaterais”: investigar atos de terrorismo de Estado e, também, as condutas dos resistentes à ditadura e que optaram pela luta armada.
A nossa Constituição obriga o cumprimento das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos e ela não admite a autoanistia, caso típico da lei brasileira de 1979, concebida em plena ditadura e por um Legislativo biônico.

Jobim, que em livro laudatório confessou ter inserido na Constituição dispositivos subtraídos da apreciação dos seus pares constituintes, fala, como partícipe, de um acordo não escrito sobre investigações “dos dois lados”. O tal acordo foi negado pelo ex-secretário nacional de Direitos Humanos Paulo Vannuchi.
Na Comissão da Verdade, Rosa Maria Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro e Maria Rita Kehl não aceitam a tese de Jobim-Dias. Os demais integrantes ainda não se manifestaram, mas sabe-se que o ministro Gilson Dipp, muito ligado a Nelson Jobim, já defendeu, como representante do governo do Brasil, a tese da anistia ampla e bilateral no âmbito da Corte Interamericana.
Por outro lado, a CPI apequenou-se diante da negativa do procurador Gurgel de comparecer para esclarecimentos. Gurgel recebeu, em setembro de 2009, os autos do inquérito policial iniciado com a chamada Operação Vegas e fornecedor de notícia criminal da participação do senador Demóstenes Torres.
Segundo o Código de Processo Penal, o procurador tem um prazo de 15 dias para propor a ação penal, solicitar novas diligências policiais ou pedir o arquivamento. No gabinete de Gurgel, o inquérito ficou engavetado até abril de 2012, quando a mídia começou a divulgar comprometedoras conversas telefônicas entre Cachoeira e Torres.
Na primeira explicação, Gurgel partiu para o diversionismo e falou em pressão por parte de mensaleiros a tremer de medo. O certo é que a sua atuação no inquérito Vegas foi nenhuma, para felicidade de Torres. O procurador só resolveu atuar diante do vazado na mídia e extraído do inquérito começado com a Operação Monte Carlo, que apurou a jogatina eletrônica bancada por Cachoeira. Esse inquérito deveu-se à requisição de três promotores da comarca de Valparaíso, no interior de Goiás, que nada sabiam do inquérito congelado no gabinete de Gurgel.
Gurgel procurou os refletores para disparar que Torres agia como sócio oculto da Delta e de modo a afastar suspeitas de acordo com o senador. Este, para forçar a manutenção do inquérito Vegas no freezer, opinava contra a recondução de Gurgel ao cargo de procurador-geral. De repente, Torres mudou a postura e votou pela aprovação da recondução. Depois disso, o inquérito permaneceu no congelador da PGR.
Com o prestígio do procurador-geral em queda livre, entrou na trapalhada, e no papel de biombo do marido, Cláudia Sampaio. Ela mencionou um pedido policial não escrito para evitar o arquivamento do inquérito Vegas. Tudo como se fosse possível um delegado pedir, “na moita”, o cometimento de uma ilegalidade a uma subprocuradora.
O delegado a desmentiu e contou com nota esclarecedora da direção da Polícia Federal. Do episódio, e noves fora, sobrou a confissão de ilegalidade. Mais ainda: a subprocuradora tropeçou na tosca justificativa sobre o salutar não arquivamento do inquérito. Uma das súmulas do STF permite, no caso de prova nova (inquérito Monte Carlo), o desarquivamento de inquérito.
Não bastasse o quadro de Procuradoria-Geral de república bananeira, Gurgel ignora que democracia significa um regime po–lítico pelo qual o povo (demos) tem o comando, o poder (kratos). E esse comando é exercitado pelos seus representantes, eleitos li-vremente. Ora, os representantes do povo, no Parlamento e reunidos em CPI, detêm legitimação para convocar Gurgel e exigir de-le explicações sobre o engavetamento do inquérito. Numa verdadeira democracia é assim, embora Gurgel não saiba.
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Do Blog O TERROR DO NORDESTE.

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