De uns anos para cá, o sistema político brasileiro passou a funcionar
com um elemento adicional de imprevisibilidade. E de grande importância,
pois deriva do modo como atua seu principal personagem.
Até então, todo mundo achava que conseguia entender Lula muito bem.
Havia quem se considerasse Ph.D na matéria, capaz de decifrar cada um de
seus gestos à luz do que fizera no passado.
Quem, por exemplo, era versado nas minúcias da vida sindical paulista
nos anos 1970 explicava o que ele fazia com base naquelas experiências.
Se isso, era porque tinha acontecido aquilo; se o oposto, porque assim
ocorrera em um dia determinado.
Tendíamos a avaliar que o Lula do movimento sindical era basicamente o
mesmo do presente. Com um ajuste aqui, outro acolá — e as mudanças
inevitáveis da idade —, sua persona política tinha sido ali formada e
estava pronta.
Um exemplo do quanto mudou é seu papel na CPI do Cachoeira. Tudo que ele fez foi surpreendente — para amigos e inimigos.
A hipótese de que queria lançar uma cortina de fumaça no julgamento do
mensalão é pueril. Equivale a imaginar que os ministros do Supremo
Tribunal Federal são tão voláteis nas convicções que modificariam seus
votos porque o deputado fulano — ou o governador sicrano — estão
enrolados nos negócios do bicheiro.
Conhecendo como conhece o STF — e tendo indicado vários de seus
integrantes —, ninguém precisaria dizer a Lula que a CPI poderia acabar
tendo o efeito inverso, se fosse feita somente para atrapalhá-lo.
Outros que se creem entendidos em Lula interpretaram sua disposição de
viabilizar a CPI como uma clássica forma de defesa: partir para o
ataque, sem aguardar a investida do adversário. Seria uma tentativa de
se proteger do desgaste que o julgamento do mensalão lhe traria que
teria levado o PT a apoiá-la.
Quem elabora essas fantasias não deve conhecer a imagem que Lula tem hoje.
Não há nada de parecido em nossa história política: um governante que
terminou seu mandato como uma quase unanimidade, com a aprovação de mais
de 80% da população. Nenhum dos antecessores, nesta ou nas Repúblicas
anteriores, chegou perto disso.
Nas pesquisas atuais, 85% das pessoas dizem ter dele opinião “ótima” ou
“boa”. Seu governo é, em retrospecto, o melhor que o Brasil já teve para
cerca de 75% dos entrevistados. Superou seus antecessores em tudo —
incluindo no combate à corrupção — para proporções parecidas.
Se fosse candidato em 2014, teria algo próximo a 70% dos votos,
independentemente dos oponentes (o que não quer dizer que Dilma não
seria, também, favorita, se a eleição acontecesse hoje).
Quem tem uma imagem dessas precisa de biombos? Precisa usar a CPI do
Cachoeira para se esconder? De quê? De coisas conhecidas há anos?
Mas a criação da CPI não é, nem de perto, o gesto mais surpreendente do
Lula dos últimos anos. Alguém duvida que foi a concepção e estruturação
da candidatura de Dilma — mulher, técnica, recém-filiada ao PT?
Um lance de alto risco político e que deu certo. Tão certo que criou,
para seu partido, um cenário altamente favorável, em que pode permanecer
no poder por mais muitos anos.
E agora, com o lançamento da candidatura de Fernando Haddad? Que ninguém
imaginava, apostando que o PT paulista faria como os tucanos, colocando
suas fichas em nomes conhecidos? E se isso der certo também?
Até onde irá a capacidade de Lula fazer o inesperado? De deixar seus
adversários perplexos, tentando antecipar a próxima novidade, o próximo
coelho que vai tirar da cartola?
Difícil dizer. Mas o certo é que, com um Lula assim no centro de nossa
vida política, ela fica mais interessante. E bem menos previsível.
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Nenhum comentário:
Postar um comentário