A presidente teve a coragem de enfrentar a bancada da Febraban e
os famosos analistas econômicos dos grandes jornais, tão interessados em
defender as corporações financeiras, e tão pouco empenhados em defender
o desenvolvimento econômico do país.
Não há melhor definição da importância e da perversão dos bancos do que a
de um comitê de intelectuais – entre eles editores de jornais – que se
reuniu em março de 1829, na cidade de Filadélfia. Depois de uma semana
de discussão, o comitê redigiu sua conclusão sobre o sistema financeiro,
por unanimidade. O sumo do documento foi publicado por The Free
Advocate em sua edição semanal de 9 a 16 de maio do mesmo ano:
“Que os bancos sejam úteis como instituições de depósito e
transferências, nós podemos admitir prontamente, mas não podemos
concordar que esses benefícios sejam tão grandes como para compensar os
males que produzem, ao criar artificial desigualdade de riquezas e,
dessa forma, artificial desigualdade de poder. Se o atual sistema
bancário e de papel moeda ampliar-se e perpetuar-se, os trabalhadores
devem abandonar todas as esperanças de adquirir qualquer propriedade”.
Do Comitê participavam dois economistas destacados e editores de
jornais, William Gouge, da Philadelphia Gazette, e Condy Raguet, do Free
Trade Advocate; William Dune, velho jornalista jefersoniano; o
filantropo Robert Vaux, Ruben Whitney, ex-diretor do Banco e os líderes
sindicais William English e James Ronaldson. O encontro foi registrado
por Arthur M. Schlesinger, Jr. em seu estudo clássico sobre o período,
“The Age of Jackson”, publicado em 1945.
O formato atual do sistema se iniciou durante o mercantilismo europeu,
com o surgimento de agentes financeiros, que emitiam notas de câmbio
descontadas por seus correspondentes nas principais praças comerciais do
continente, e se desenvolveu a partir do Renascimento, com as casas
bancárias de Veneza e Florença, no Sul, e de Hamburgo e Amsterdã, no
Norte.
O acúmulo de recursos lhes permitiu envolver-se com a política, no
financiamento dos estados nacionais, como ocorreu na Guerra dos Cem
Anos, quando banqueiros florentinos, os Bardi e os Peruzzi, emprestaram
um milhão e duzentos mil florins de ouro a Eduardo III, a fim de custear
o início da Guerra dos Cem Anos, no século 14.
Os Fugger da Alemanha, os maiores capitalistas do século seguinte, foram
banqueiros dos papas, encarregando-se de recolher e administrar o
dinheiro das indulgências vendidas pelo Vaticano e dos impostos cobrados
pelos estados pontifícios.
O libelo dos cidadãos de Filadélfia continua atual. Os bancos não só
patrocinam a desigualdade social, ao destinar os recursos dos estados e
do povo aos próprios negócios, e no financiamento aos milionários, mas
também os utilizam para eleger seus delegados aos parlamentos e, assim,
frequentemente corromper e controlar o poder político. Assim, os
governantes atuam em sua defesa, como ocorreu em nosso país com o Proer e
a entrega de bancos nacionais aos estrangeiros por preços simbólicos,
como ocorreu na “venda” do Bamerindus, do Banespa e de outras
instituições. O Santander é um exemplo: seu último balanço exibe
resultados superiores a duas vezes os seus ativos no país.
Na Europa, como sabemos, os governos emitiram um trilhão de euros e os
entregaram ao BCE, para recuperar a economia continental. Em lugar de
fazê-lo, a instituição os repassa aos bancos privados a juros de 1% ao
ano, a fim de que estes emprestem aos estados em dificuldades - mas a
taxas de 6 a 8,5% ao ano. Para honrar esses juros, os governos cortam na
saúde, na educação, nos investimentos produtivos, levando o desemprego
ao paroxismo, e multiplicando a miséria, como está ocorrendo na Espanha,
na Grécia e em Portugal.
No Brasil, a audácia dos banqueiros privados vai além de toda a cautela.
Os juros cobrados dos mais pobres – os que são compelidos a valer-se
dos empréstimos de curto prazo, mediante o cheque especial, e do
refinanciamento das faturas dos cartões de crédito – são infernais: 238%
ao ano, no caso dos cartões, e de 185% nos cheques especiais.
Para que tenhamos uma idéia do assalto: na Grã Bretanha, com as
dificuldades conhecidas, os juros sobre as faturas não saldadas dos
cartões de crédito não ultrapassam 30% ao ano, ou seja, são de cerca de
1/8 das taxas cobradas em nosso país.
A presidente teve a coragem de enfrentar a bancada da Febraban e os
famosos analistas econômicos dos grandes jornais, tão interessados em
defender as corporações financeiras, e tão pouco empenhados em defender o
desenvolvimento econômico do país. Suas providências técnicas, como a
da redução dos juros pagos às cadernetas de poupança – em proporção
insignificante, mas suficiente para empurrar as taxas de remuneração das
aplicações financeiras para baixo, não prejudicam os clientes dos
bancos, mas impõem uma sensível redução do spread. Enfim, encabresta os
agiotas do sistema bancário, tão danosos ao país quanto a organização de
Carlos Cachoeira.
No Carta Maior
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