terça-feira, 8 de maio de 2012

Nós e os jornalistas

Nós
A liberdade de expressão começa no reconhecimento de que jornalista é cidadão igual a qualquer outro
Vamos desfrutar de atenções especiais de proteção. "Vamos", leitor, não inclui você. Lamento, mas, se não é jornalista, quando vivo continuará sujeito aos riscos dos cidadãos comuns. Para depois, trate já de contentar-se com investigações e processos à brasileira, caso lhe ocorra um assalto fatal ou uma bala perdida encontre sua vida. Conosco, jornalistas, será diferente.
A ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário, decidiu criar um "observatório de acompanhamento das investigações de atentados a jornalistas". E, ainda, "abrir um canal de comunicação direta" para denúncias, ao governo, de ameaças a jornalistas, então chamados de "liberdade de expressão".
A ministra comunicou sua decisão aos representantes de entidades da classe que cumpriram o dever estatutário de procurá-la, em razão dos quatro assassinatos de jornalistas neste ano. Mas a proposta que lhe levaram foi a de federalização dos crimes, de morte ou não, contra jornalistas.
Por seu lado, o novo presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, ao encerrar um seminário sobre liberdade de expressão, falou do seu propósito de realizar "programas e até campanhas", por meio do Conselho Nacional de Justiça, "de conscientização" pela "plenitude da liberdade de imprensa. Quem sabe o nível de intolerância diminua". Os assassinatos, disse, foram "atentados contra a vida e a liberdade de expressão".
À parte as generosas intenções, os jornalistas não precisam de tratamento especial. Todo e qualquer privilégio a jornalistas é, ele sim, contrário à liberdade de expressão. E cerceador da atividade jornalística, mesmo que a legislação assegure a liberdade plena de expressão.
Um privilégio, no caso, é um constrangimento à liberdade do jornalismo, como uma forma de retribuição negada, possível em inúmeras situações.
Até a década de 60, os jornalistas gozaram do privilégio, por exemplo, de não pagar Imposto de Renda e de só pagar 50% das passagens aéreas. Uma das consequências, para citar uma de tantas, era o grotesco princípio de gratidão que proibia publicar-se o nome da companhia de avião acidentado.
Quando, em situação funcional para tanto, deixei de lado o princípio, nem os céus acudiram. Estive na minoria de oposição aos dois privilégios (ainda há muitos, menores embora) e, em certa medida, sobrevivo ao seu fim: posso assegurar que só fizeram mal e sua extinção só fez bem. (É imprudência dizê-lo sobre o Imposto de Renda, eu sei, queira desculpar).
O crime contra o jornalista pode ser, sim, crime contra a liberdade de expressão. Na essência, porém, identifica-se com o crime contra a liberdade de ir e vir, assegurado a todo cidadão e tolhido aos milhares no país todo.
Não há razão alguma, na democracia, para distinguir o tratamento preventivo ou posterior às vítimas de um ou de outro. Tanto mais se em razão apenas da condição profissional, como fazem os policiais, liberados na fúria e na atitude, quando um dos seus é morto.
Ninguém é obrigado a ser jornalista. Ninguém que exerça, no jornalismo, atividade com algum grau de risco funcional o ignora. Quem não o tolere, encontra muitos outros gêneros de jornalismo a fazer, com a mesma importância.
A fatalidade, às vezes a imprudência, muitas vezes a presunção e a autossuficiência podem sobrepor-se à consciência do risco, claro. Mas, quanto a isso nada há a fazer, muito menos observatórios e campanhas que mais úteis seriam em outros problemas.
A plenitude da liberdade de expressão começa no reconhecimento de que o jornalista é um cidadão absolutamente igual a qualquer outro. Diferencia-se na função como todas as funções se diferenciam. Ou seja, as diferenças são das funções, não dos cidadãos.
Desde o primeiro dia do governo Sarney, com intervalo apenas no governo Collor, o Brasil vive na plenitude da liberdade de expressão. Collor e Romeu Tuma moveram seus policiais e agentes do fisco para restringir a liberdade de expressão -a invasão da Folha foi notória e é histórica.
Antes e depois, porém, as ofensas à liberdade de expressão são muito esparsas e seus efeitos negativos não se projetam além de si mesmas.
As mortes dos quatro jornalistas são deploráveis. Como todas as mortes, digamos, injustas e despropositadas. São horrivelmente iguais.

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Do Blog O Esquerdopata.

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