A ação, ajuizada por Fábio Konder Comparato e assinada pelo PSOL
em 2010, pede que o Supremo determine ao Congresso a regulamentação de
artigos da Constituição que proíbem o monopólio, definem as finalidades
da programação do rádio e da TV e regras para o direito de resposta.
Segundo a ação, mais de 20 anos depois da promulgação da Constituição, o
fato de o Congresso ainda não ter regulamentado estes artigos prejudica
a democracia brasileira.
Em novembro de 2010, a partir de ação elaborada pelo professor Fábio
Konder Comparato, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ingressou no
Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação de Insconstitucionalidade
por Omissão (ADO) visando a regulamentação de artigos da Constituição
Federal relativos à Comunicação. Entre eles, o artigo 220, que proíbe o
monopólio e o oligopólio nas comunicações e que diz que cabe ao Estado
estabelecer os meios legais para garantir a defesa de programas ou
propagandas nocivas à saúde e ao meio ambiente; o artigo 221, que define
as finalidades da programação de rádio e TV; e o artigo 5o, em sua
previsão sobre o direito de resposta. Segundo a ação, mais de 20 anos
depois da promulgação da Constituição, o fato de o Congresso ainda não
ter cumprido seu dever de regulamentar estes artigos resultaria em
prejuízos consideráveis para a democracia brasileira.
No final de abril, a Procuradoria Geral da República (PGR) finalmente
emitiu seu parecer sobre o caso. Num texto assinado pela
vice-Procuradora Geral da República, Deborah Duprat, e aprovado pelo
Procurador Geral Roberto Gurgel, o órgão máximo do Ministério Público se
pronunciou favoravelmente à ação. A PGR entende que há a necessidade de
disciplina legal da vedação ao monopólio e oligopólio dos meios de
comunicação, assim como uma atuação promocional do Estado na
democratização dos meios de comunicação - em referência às finalidades
da programação de rádio e TV previstas no artigo 221.
A Procuradoria também acredita que há demora excessiva do Congresso
Nacional na disciplina do direito de resposta, sem regulação específica
desde que o STF declarou revogada a Lei de Imprensa. E conclui admitindo
a possibilidade de o Judiciário estabelecer um prazo para que as leis
que regulamentam esses as artigos da Constituição sejam finalmente
aprovadas.
Antes da PGR, tanto o Congresso Nacional quanto a Advocacia Geral da
União (AGU) já haviam emitido suas opiniões sobre a ADO. Em seus
pareceres, por diferentes razões, manifestaram ao Supremo desacordo com a
ação. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB/AP), por exemplo, disse
que não há omissão inconstitucional do Congresso na efetivação do que
determina a Constituição para os meios de comunicação. O presidente da
Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT/RS), alegou que já existem projetos
de lei em tramitação tratando dos artigos constitucionais em questão.
Já a AGU, que representa o governo federal junto ao Judiciário, disse,
por um lado, que o direito de resposta e a proibição de monopólio e
oligopólio não dependem de regulamentação, já que a Constituição lhes
garantiria "eficácia plena e aplicabilidade imediata". Por outro lado,
em relação aos artigos 220 e 221, a AGU acredita que leis como o
Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor e
a lei do V-Chip, mecanismo que permite o bloqueio de canais nos
aparelhos de TV, já seriam suficientes. Assim como o Conselho de
Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Congresso que teria a função
de se pronunciar sobre assuntos da comunicação em tramitação no
Parlamento brasileiro. A AGU não considerou, no entanto, que o CCS está
sem funcionar desde 2006, quando venceram os mandatos de seus membros e a
mesa diretora do Senado não nomeou novos integrantes.
Regulação e democracia
Antes de analisar ponto a ponto os pedidos descritos na ADO número 10, a
vice-Procuradora Geral da República, Deborah Duprat, explicitou a
posição do Ministério Público Federal acerca do próprio debate público
sobre a regulação dos meios de comunicação.
“A cada tentativa de discussão sobre o tema, imediatamente os grandes
veículos de comunicação se levantam para tachá-las de “censura”,
invocando um discurso de que se trataria de restrição a um direito
fundamental absoluto”, disse, no parecer. “O princípio da liberdade de
expressão é um dos mais importantes direitos fundamentais do sistema
constitucional brasileiro. (...) Portanto, deve ser garantida pelo poder
público a possibilidade de livre manifestação de qualquer cidadão, para
que se desenvolva um debate ancorado em razões públicas sobre temas de
interesse da sociedade. Desse modo, posturas como a da grande mídia na
verdade caracterizam uma tentativa de se evitar o debate, o que
representa uma grave violação à liberdade de expressão. Nesses casos, o
efeito silenciador vem do próprio discurso”, acrescentou.
Deborah Duprat destacou o fato de marcos regulatórios dos meios de
comunicação serem comuns em praticamente todos os países europeus e
também em nações de tradição político-cultural liberal, como os EUA. Ela
lembrou da Federal Communications Comission (FCC), o órgão regulador
federal norte-americano responsável pela adoção de medidas
administrativas voltadas à disciplina do funcionamento do setor. E
defendeu a recente experiência da Argentina como uma forma de promoção
da liberdade de expressão do conjunto da população do país.
“Buscando delimitar os parâmetros de uma concepção democrática dos meios
de comunicação social, o parlamento argentino aprovou, em outubro de
2009, a Lei 26522, denominada Ley de Servicios de Comunicación
Audiovisual, que disciplina temas como a propriedade dos meios de
comunicação e a vedação às práticas de monopólio e oligopólio. Ao invés
de serem vistas como antidemocráticas e restritivas de direitos
fundamentais, as medidas de regulação estatal são consideradas como uma
forma de expansão da liberdade de expressão e de pluralização do
conhecimento”, explicou.
Na avaliação da PGR, o poder público tem não apenas o dever de se abster
de violar o direito à liberdade de expressão mas também a obrigação de
promovê-lo concretamente e de garanti-lo diante de ameaças decorrentes
da ação de grupos privados.
“Revela-se legítima a intervenção do Estado na estruturação e no
funcionamento do mercado. Principalmente quando se trata de coibir os
excessos da concentração de poderes em determinados grupos econômicos,
de modo a se garantir a diversidade de pontos de vista e a prevalência
da autonomia individual na livre formação da convicção de cada um”,
afirma o parecer.
Neste sentido, o Ministério Público Federal discorda da visão da AGU,
para quem a norma prevista no artigo 220 tem eficácia plena. Na leitura
do MP, a realidade tem mostrado que a proibição constitucional a
monopólios e oligopólios na comunicação não tem sido suficiente para
evitar sua formação. A Procuradoria Geral da República acredita que os
níveis da concentração da mídia no país são “escandalosos”, e que “a
pressão dos interessados na manutenção do atual status quo (...) tem
inviabilizado a regulamentação e aplicação da vedação constitucional ao
monopólio e oligopólio na mídia”.
O próprio STF já se manifestou sobre o tema, quando julgou a ação que
culminou no fim da Lei de Imprensa. Na leitura dos ministros do Supremo
Tribunal Federal, a proibição do monopólio e do oligopólio deve ser
vista como um “novo e autônomo fator de contenção de abusos do chamado
poder social da imprensa”.
A interpretação vai ao encontro da Declaração de Princípios sobre
Liberdade de Expressão da Relatoria para a Liberdade de Expressão da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, também citada por Deborah
Duprat. O texto afirma que “os monopólios ou oligopólios na propriedade e
controle dos meios de comunicação devem estar sujeitos a leis
anti-monopólio, uma vez que conspiram contra a democracia ao
restringirem a pluralidade e a diversidade que asseguram o pleno
exercício do direito dos cidadãos à informação”.
Direito de resposta e conteúdo da programação televisiva
Seguindo a mesma lógica, a Procuradoria Geral da República também vê
necessidade de regulamentação específica para a garantia da efetividade
do direito de resposta, sobretudo porque, sem lei ordinária tratando do
tema, apenas o aspecto da reparação de danos à personalidade seria
possível, a partir do Código Civil.
“Pode-se considerar que o direito de resposta tem sido concebido no
Brasil em termos estritamente privatísticos. Afinal, existe
regulamentação infraconstitucional quanto á reparação de danos à
personalidade (honra, imagem etc) no Código Civil e na legislação
especial. Porém, não há o mesmo tipo de disciplina legal no âmbito da
comunicação social, para que assegurem os espaços e as condições para
manifestações midiáticas daqueles que, porventura, tenham seus direitos
desrespeitados através deste meio”, explica Deborah Duprat.
Neste sentido, para o MP, o direito de resposta funciona não apenas como
um meio de proteção de direitos da personalidade, mas também deve ser
visto como um instrumento de garantia do acesso à informação e do
pluralismo interno dos meios de comunicação, essenciais para a garantia
do direito difuso à liberdade de expressão.
Já sobre a determinação da Constituição de que o Estado brasileiro
estabeleça os meios legais para que os cidadãos se defendam de programas
ou propagandas abusivas, Deborah Duprat também foi enfática ao afirmar a
insuficiência dos mecanismos disponíveis à população brasileira.
“Não merece prosperar a alegação da AGU de que a existência de previsão
legal, por exemplo no ECA e no Código de Defesa do Consumidor,
descaracterizaria a omissão do Congresso Nacional. O fato de haver
disposições pontuais e esparsas na legislação infraconstitucional a
respeito de determinado tema constitucional não é suficiente para
afastar a abstenção do legislador em regulamentá-lo”, disse. “As normas
legais mencionadas se referem a aspectos específicos da sua projeção no
âmbito de relações jurídicas casuísticas (direito de família e relações
de consumo). Portanto, tem-se uma omissão ao menos parcial, na medida em
que o legislador persiste sem disciplinar, de modo abrangente e
referencial, as formas de garantia do interesse público nos meios de
comunicação”, concluiu.
Inércia legislativa
O parecer da PGR termina respondendo indiretamente às manifestações do
Congresso Nacional no que diz respeito à existência de projetos de lei
que tratam dos temas abordados na ADO 10 do professor Comparato. Para as
Casas legislativas – Câmara e Senado – a mera existência desses
projetos impede que o Supremo considere o Congresso omisso na
regulamentação da Constituição. Para o MP, no entanto, é possível que
exista uma situação de inércia do Poder Legislativo, que faça com que os
processos de tramitação se arrastem por anos e anos. Nesses casos, o
resultado é o mesmo da inexistência de qualquer projeto de lei.
“Mostra-se viável e necessário um juízo de razoabilidade acerca do
período de elaboração das normas legais, considerando-se a natureza da
matéria e a urgência da sua disciplina perante os anseios da sociedade”,
disse Deborah Duprat. “Dado o entendimento recente da Suprema Corte
brasileira em relação às omissões inconstitucionais, é cabível o
estabelecimento de prazo razoável (...) para que o Congresso Nacional
proponha s leis cabíveis”. Este prazo, na avaliação da PGR, seria de 18
meses.
O jurista Fábio Konder Comparato comemorou a posição do Ministério
Público. Para o presidente nacional do PSOL, deputado federal Ivan
Valente, o parecer contribui significativamente para o fortalecimento da
luta dos movimentos sociais pela regulamentação da comunicação no país.
“O resultado de décadas de ausência de regras eficazes no campo da mídia
deixou o mercado capitalista à vontade para concentrar tamanho poder
nas mãos de poucas famílias e para usar as concessões de rádio e
televisão para o benefício de interesses privados, meramente comerciais ,
com enorme prejuízo para a diversidade cultural em nosso país. Diante
deste quadro, garantir a circulação de uma pluralidade de vozes, visões e
opiniões no espaço midiático é fundamental para quebrar uma estrutura
que hoje está a serviço das elites políticas e econômicas e avançarmos
na consolidação da democracia no Brasil”, concluiu Ivan Valente.
Para contribuir com o processo, o Intervozes entrou com um pedido de
amicus curiae junto ao Supremo Tribunal Federal, e aguarda decisão da
ministra Rosa Weber sobre a solicitação.
Bia BarbosaNo Carta Maior
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