E mais uma vez Joaquim Barbosa aparece em meio a uma controvérsia.
Para sonegar imposto, ele abriu uma empresa nos Estados Unidos ao comprar uma casa em Miami calculada em 1 milhão de reais.
A empresa se chama Assas JB Corp, e os brasileiros souberam dela pela Folha de ontem.
A sonegação derivada da Assas JB é, a rigor, um problema americano. Com
ela, JB transmite a seus herdeiros a casa sem os impostos habituais.
Vai ser interessante observar como as autoridades dos Estados Unidos –
neste momento lutando fortemente para evitar mecanismos de sonegação –
lidarão com a Assas JB.
No Brasil, você tem um duplo efeito colateral.
O primeiro é moral: tudo bem um presidente do STF recorrer a uma
mentira – uma empresa não existente – na ânsia de burlar o Fisco?
O segundo é legal: o Estatuto do Servidor trata da questão de empresas
privadas. Proíbe “participar de gerência ou administração de empresa
privada, de sociedade civil, ou exercer o comércio, exceto na qualidade
de acionista, cotista ou comanditário”.
Você fica em dúvida, ao ler, se a exceção — no caso de acionista como
JB — é para tudo ou apenas para o comércio. Na internet, a proibição
tem sido lembrada, mas sem o complemento confuso.
O que é fato é que é mais um embaraço para Joaquim Barbosa e outra
mancha para a reputação de um homem que posou como um Catão para os
brasileiros no julgamento do Mensalão.
Em todo o mundo, nas questões tributárias, está sendo feita hoje uma distinção entre o que é “legal” e o que é “moral”.
Nos últimos 30 anos, grandes empresas em todo o mundo encontraram
brechas para reduzir ao mínimo os impostos pagos. Recorreram a paraísos
fiscais.
Empresas como Google, Microsoft e Apple, para ficar apenas em alguns
exemplos, carregam contabilmente quase todo o seu faturamento bilionário
para países em que a carga fiscal é quase nula.
É legal? Sim. É moral? Não.
O governo britânico está dando combate a esse tipo de coisa. Recentemente, o caso do Google foi analisado no Parlamento.
A deputada Margaret Hodge, presidente do Comitê de Contas Públicas, assinou um relatório cheio de informações.
“O Google vem tendo enormes lucros no Reino Unido. Mas, apesar do
faturamento de 18 bilhões de dólares entre 2006 e 2011, pagou o
equivalente a apenas 16 milhões de dólares em impostos para o governo do
Reino Unido.”
Continuou a deputada:
“O Google descaradamente argumentou perante este comitê que seu regime
fiscal no Reino Unido é defensável e legal. Alegou que suas vendas de
publicidade são realizadas na Irlanda, e não no Reino Unido.”
“Esse argumento é profundamente inconvincente e foi minado por
informações de denunciantes, incluindo ex-funcionários do Google, que
nos disseram que a equipe baseada no Reino Unido está envolvida nas
vendas de publicidade. O pessoal na Irlanda simplesmente processa as
contas.”
Ainda a deputada:
“Diminuiu também nossa confiança no HMRC [o equivalente à Receita
Federal]. É extraordinário que o HMRC não tenha questionado o Google
sobre a incompatibilidade total entre suas receitas e seus impostos no
Reino Unido.”
“O HMRC precisa ser muito mais eficaz no combate a estruturas
corporativas artificiais criadas pelas multinacionais com nenhuma outra
finalidade que não para evitar impostos.”
A empresa criada por Joaquim Barbosa enquadra-se exatamente aí: não tem nenhum outro propósito que não seja evitar impostos.
No caso de JB, o debate fiscal se soma ao dos privilégios desfrutados
pelos magistrados – e de usos e costumes altamente questionáveis.
Recentemente, soube-se que ele usou verba pública para viajar de Brasília ao Rio para ver um jogo da seleção brasileira.
Viu no camarote de Luciano Huck, hoje chefe de seu filho na Globo. Existe aí um claro conflito de interesses.
A Globo, como o Google, tem práticas fiscais extremamente agressivas.
Há uma pendência bilionária na Receita sobre uma trapaça fiscal da
Globo em que a compra de direitos de transmissão da Copa de 2002 foi
contabilmente tratada como um investimento no exterior.
Caso esta questão, ou qualquer outra da Globo, chegue ao Supremo, qual a isenção de JB para julgá-la?
E não só dele, aliás. O novo integrante do Supremo, Luiz Roberto
Barroso, trabalhava até recentemente para a organização que faz o lobby
da Globo, a Abert.
A Justiça brasileira tem, para prejuízo do interesse público, relações de grande promiscuidade.
Não há muito tempo, empresas privadas e públicas patrocinaram um
encontro de juízes federais em um resort na ilha de Comandatuba, sul da
Bahia.
No encontro, os juízes ocuparam apartamentos de luxo e bangalôs cujas
diárias variam entre 900 e 4 mil reais. Os participantes tinham direito
a levar acompanhantes.
Os participantes podem julgar casos fiscais em que as empresas
patrocinadoras da boca livre sejam réus. Isso configura um monumental
conflito de interesses.
Na mesma linha, o jornal Lance revelou há algum tempo que a CBF pagou
todas as despesas de um torneio de futebol entre juízes federais
espalhados pelo país.
Não era a primeira vez que a CBF oferecia mimos a magistrados, notou o
jornal. Ficaram tristemente famosos os vôos da alegria promovidos pela
CBF nas Copas do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, e em 1998, na
França.
Altos funcionários da Justiça, acompanhados de suas mulheres, ficaram em hotéis cinco estrelas pagos pela CBF.
Como lembrou o Lance, Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, foi
condenado, em agosto de 2000, a seis anos de prisão por prestar
informações falsas às autoridades.
Só que a sentença ficou tanto tempo parada no Superior Tribunal de
Justiça que prescreveu, e Ricardo Teixeira se livrou da condenação.
Quem fiscaliza as práticas dos magistrados? A mídia deveria fazer isso.
Mas quase não faz. Como fiscalizar os passos de alguém que foi
classificado como o “menino pobre que mudou o Brasil”, como fez a Veja
na época do Mensalão?
Há esparsos esforços de investigação da mídia. Um deles, no calor dos protestos de junho, veio do Estado de Minas.
Assinalou o jornal:
“Com salários na casa dos R$ 28 mil, os ministros do STF têm direito a
cota de passagens que deve ser gasta em viagens oficiais, mas pode ser
estendida a parentes, quando, diz uma resolução interna de 2010, a
presença deles for indispensável. Os magistrados e também os
representantes do MP têm ainda benefícios como auxílio-alimentação,
licença remunerada para estudar no exterior e duas férias por ano de 30
dias cada – com direito a um terço a mais do salário por período.”
Continuou o jornal:
“Como se não bastassem tantas regalias, alguns ainda têm direito a
certos “mimos”, como um “assessor de check-in”, funcionário
especializado em agilizar os voos no aeroporto de Brasília de senadores e
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). De terno e gravata, ele
providencia o cartão de embarque, o despacho das malas e ainda carrega
as bagagens de mão. Tudo para evitar que essas autoridades tenham que
enfrentar filas ou se misturar aos demais passageiros.”
“Um contraste não só com a rotina do trabalhador, mas também com a dos
colegas da Suécia, onde os parlamentares não têm direito a assessores,
secretária, carro oficial. Lá, o que lhes cabe é apenas um apartamento
funcional de até 40 metros quadrados, com cozinha e lavanderia
comunitárias.”
A mídia é leniente na fiscalização a magistrados. O que fazer então?
Claudio Abramo, coordenador da Transparência Brasil, entende que
compete à sociedade mesma exercer a fiscalização. A sociedade tem que
cobrar firmemente transparência nos gastos públicos, diz ele.
“Esse negócio de ter carro, motorista e regalias paralelas é
tipicamente latino. E não é apenas para compensar os salários pagos no
setor público. Quem ocupa esses cargos quer ser distinguido como
ocupante de um cargo de nobreza, com símbolos exteriores de prestígio”,
afirma Abramo.
No mundo, dois homens extraordinários estão dando um exemplo formidável na questão de privilégios.
Um deles é o Papa Francisco, que viajou de classe econômica de Buenos Aires para o conclave que o elegeu para o Vaticano.
O outro é Pepe Mujica, o presidente do Uruguai, que vive em seu sítio
modesto e não no palácio presidencial, e dirige seu próprio Fusca.
Quem sabe os homens públicos brasileiros se inspirem em tais figuras?
Enquanto isso não ocorre, para lembrar a boa recomendação de Claudio
Abramo, compete à sociedade cobrar transparência, transparência e ainda
transparência
No DCM
Um comentário:
Que pena, nenhum comentário. Parece que os argumentos e protestos contra o Dr Joaquim não estão lá com essas garantias. Continuo com ele e não abro.
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