“Se todo o dinheiro do país fosse aplicado em saúde,
ainda assim faltaria dinheiro”
(José Serra, Ministro da Saúde, 2001)
Nunca o Brasil olhou para a importante questão da saúde pública como nos governos dos presidentes Lula e Dilma. Estabeleceu-se um debate aberto para com toda a sociedade civil acerca da necessidade de ampliar a presença do Estado por todo o imenso território continental de nosso país, desnudando a impressionante carência de médicos.
A correlação ‘médico/população’ é reveladora.
Enquanto em Estados ricos como o do Rio de Janeiro, existem 3,62 médicos para
cada 1 mil habitantes, no Maranhão esse indicador assume proporções
assustadoras: 0,71! Em São Paulo existem 2,64 médicos e em Brasília 4,09 por
cada 1 mil habitantes, mas os brasileiros do Amapá amargam 0,95, os do Pará
0,84, além de outros exemplos que causam revolta e exigem rápida ação por parte
do governo federal.
O Brasil apresentou impressionante crescimento econômico e imensa
mobilidade social na última década. Cerca de 40 milhões de brasileiros deixaram
a pobreza e se integraram à classe média, passando a usufruir de serviços de
melhor qualidade, consumindo mais e oferecendo um melhor padrão de vida às suas
famílias. Eles são o retrato de um Brasil mais justo, mais fraterno e menos
desigual, embora ainda distante daquela Nação com que sonhamos em vários outros
aspectos. Um deles, sabidamente, é o da saúde pública.
A cada dia, num país que cresce em todos os aspectos,
especialmente o populacional, as demandas da área da saúde se multiplicam e
desafiam tanto a criatividade dos gestores quanto os apertados orçamentos
públicos. É notória a falta de leitos nos hospitais país afora, tanto quanto as
largas filas de espera nos ambulatórios ou o espaçamento cada vez maior entre a
necessidade das consultas e a marcação de suas datas.
Havia um represamento na demanda dos serviços da saúde no Brasil,
omitido tanto por conta do apoio irrestrito da grande mídia ao governo FHC
quanto pelo marketing irresponsável empreendido pelo então ministro daquela
pasta, que com claros interesses eleitoreiros ancorou sua gestão ególatra numa
publicidade massiva dos genéricos e num inexplicável auto-concedido título de “o
melhor ministro da saúde do mundo” (sem que ninguém da imprensa se
lembrasse de perguntar a José Serra quem lhe outorgou tamanha honraria…).
Pois agora, quando grandes problemas nacionais são enfrentados de
forma resoluta, a sentida ausência de médicos em milhares de vilas, bairros,
rincões, pequenas cidades perdidas numa geografia que se estende do Chuí às
fronteiras com as Guianas, Suriname e Venezuela, é o alvo dos melhores esforços
do governo da presidenta Dilma Rousseff, através do Programa “Mais Médicos”,
um conjunto de medidas e ações lançadas pelo jovem e competente ministro
Alexandre Padilha, para levar a presença efetiva do Brasil rico e saudável ao
Brasil pobre e doente, do Brasil que usufrui dos avanços tecnológicos do século
21 ao Brasil que parece ter parado no tempo e não evolui vitimando crianças e
idosos com moléstias que julgávamos extintas.
A presença de médicos nesse Brasil dos grotões, profundo e
esquecido, já se faz necessária de há muito. Nos anos 90 o então ministro da
saúde José Serra chegou a ir até Cuba, um dos países com o setor de saúde mais
evoluído em todo o mundo, para celebrar acordo bilateral com o governo do
comandante Fidel Castro possibilitando a vinda de milhares de médicos daquela
Nação-Irmã para atender aos cidadãos brasileiros. Cuba se colocou prontamente
disponível para o trabalho desejado pelo governo de então, mas a explicação
para o malogro do acordo jamais celebrado dificilmente obteremos. Quem
acreditar que o então ministro Serra cedeu a inconfessáveis interesses
corporativistas, certamente corre o risco de acertar em cheio.
Não nos iludamos, no momento em que o governo cumpre com o seu
dever e ataca frontalmente um problema gravíssimo, ele também se manifesta de uma
forma surpreendente e nefasta. Centenas de médicos de São Paulo, que chegaram a
receber vale-táxi do CRM para que na Avenida Paulista protagonizassem
manifestação barulhenta e lastimável contra a vinda de profissionais de saúde
de outros países, mostram uma face abjeta do problema, com a defesa de uma
inaceitável reserva de mercado de sua profissão, no mais mesquinho
corporativismo, rasgando o juramento que prestaram de zelar pela saúde das
pessoas e de salvar vidas humanas, além de produzirem o pior tipo de ativismo
político, semeando o medo e baixando o nível do debate estabelecido.
“Não se faz saúde sem condições”, dizem os empedernidos
corporativistas em suas manifestações, com ampla cobertura da mídia conivente,
antes de voltarem para seus consultórios particulares onde chegam a cobrar até
R$ 500,00 por consulta. Mas se calam diante da verdade irrespondível de que um
médico pode atender, diagnosticar, receitar, curar e salvar independente das
instalações físicas, praticando a medicina como autêntico sacerdócio, tendo a
exata noção de sua importância na vida de seus semelhantes, participando de um
esforço coletivo pela melhora da saúde pública em nosso país. Fazem barulho na
Avenida Paulista, mas se recusam a fazer medicina em Quixeramobim ou Barreirinha.
Sua indignação é seletiva e absurda: se revoltam com a melhora da saúde e a
vinda de mais médicos, jamais com as doenças que assolam seus irmãos
brasileiros.
O que essa parcela minoritária, extremamente minoritária, dos
médicos defende é a manutenção de privilégios odiosos e, mesmo que não se
atentem para isso, propiciam a continuidade de um quadro tenebroso de
não-assistência a milhões de brasileiros do norte, nordeste e centro-oeste,
especialmente. Estamos no século 21 e eles representam a saúde de um Brasil
oligárquico e doente, aquele retratado com maestria por Monteiro Lobato no
célebre livro do Jeca Tatú. Chegamos ao absurdo de um médico da equipe de
Miguel Srougi, o mais caro e badalado urologista do país, um jovem que cobra R$
400,00 por consulta, conceder entrevista à Folha de S. Paulo declarando-se um
“desistente” do “Mais Médicos”, alegando falta de condições e fazendo
críticas ao programa, omitindo sua excepcional condição profissional, numa
fraude vergonhosa mas reveladora. Se a saúde no Brasil dependesse de gente
assim, estaríamos todos sem horizontes e perspectivas. Felizmente, ele é o
retrato em 3×4 de um país mesquinho e corporativista que se esvai
vitimado por sua própria desmoralização.
Que venham não apenas os médicos cubanos, mas também os médicos
de todos os outros cantos do planeta, todos os que queiram se unir aos bons
médicos brasileiros que se habilitem a estender suas mãos e colocar seus
conhecimentos à serviço da humanidade. Nossos irmãos ribeirinhos da Amazônia,
tão rica e tão carente; as crianças do nordeste que se debate entre a seca que
o castiga e o progresso que por lá chega; o povo do centro-oeste onde a
agricultura pujante ainda convive com uma saúde deficiente, esperam por esses
irmãos de jalecos brancos e espíritos solidários.
(*) Delúbio Soares é professor
Postado por Jussara Seixas
Um comentário:
CARTA AOS MÉDICOS BRASILEIROS – SE A POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE É UM CAOS – A FALTA DE HUMANISMO DA MAIORIA DOS MÉDICOS – A INCOMPETÊNCIA DE ALGUNS – O MERCENARISMO E ATÉ A FALTA DE COMPROMISSO COM O DIREITO À VIDA DA MAIORIA DE TAIS PROFISSIONAIS... TORNAM A POLÍTICA DA SAÚDE UM INFERNO! Matéria completa em: http://valdecyalves.blogspot.com.br/2013/07/carta-aos-medicos-brasileiros-se.html
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