Com a tranquilidade e a isenção de quem não se filia a nenhuma igreja,
qualquer que seja o significado que se queira dar ao termo, pretendo
somar minhas palavras às tantas que já se proferiram em função da vinda
do Papa ao Brasil para a “Jornada Mundial da Juventude”.
O novo Pontífice é, inegavelmente, um papa diferente, que marca sua
presença, no pouco tempo em que chefia os católicos do mundo, por
características de simplicidade, informalidade e simpatia. Não se pode
discutir isso, como não se pode deixar de perceber que nele se depositam
grandes esperanças no sentido de que a Igreja por ele comandada possa
reencontrar-se com as suas origens. Mas para que as esperanças venham a
se tornar realidade é preciso transformar palavras em ações.
O Papa Francisco assumiu em meio a uma forte crítica aos desmandos de
muitos dos cardeais, bispos e padres , envolvidos em desconfortáveis
episódios de pedofilia ou em tenebrosas transações financeiras. Tudo
indica que a inusitada renúncia do seu antecessor tenha sido motivada
pela necessidade premente de colocar ordem na casa católica, sob pena de
ver-se a Igreja envolvida em uma avassaladora onda de descrédito
talvez nunca presenciada nos tempos mais recentes.
O desapego do novo Papa às coisas materiais é um belo símbolo para essa
reorganização. Seu desejo de, sempre que possível, estabelecer ligação
direta com o povo é mesmo o que todos desejam ver em alguém da sua
representatividade. Não sendo um dos seus fiéis, nem por isso deixo de
perceber como será importante que essas posturas e ações individuais
sirvam de motivação para muitos católicos (e não católicos) que andam
por aí.
Francisco tem textos irrepreensíveis quando condena, por exemplo, o
endeusamento que se faz das estatísticas e do marketing. Creio que,
nessa crítica, ele demonstra reconhecer que ambos prestam desserviço à
verdade, seja através dos sofismas que se criam com os números, seja por
meio das mentiras que se semeiam com as palavras.
O Papa não desdenha a importância do Estado como elemento relevante na
construção de práticas sociais mais justas, para uma sociedade que ele
entende como partícipe de uma civilização “consumista, hedonista e
narcisista”, notabilizada pelo processo de exclusão que leva pessoas a
serem descartáveis.
Em recente pronunciamento, afirmou o Papa: “Criamos novos ídolos. O
culto ao bezerro dourado de antigamente encontrou uma imagem nova e
insensível no culto ao dinheiro e na ditadura de uma economia que não
tem rosto e carece de qualquer objetivo verdadeiramente humano”. E , mais adiante, acrescentou: “O
desequilíbrio resulta de ideologias que preservam a autonomia absoluta
dos mercados e a especulação financeira, e assim negam o direito do
controle aos Estados, que estão por sua vez encarregados de zelarem pelo
bem comum”. Irretocável !
Externando seu posicionamento sobre a globalização, diz o Papa que ela é “essencialmente
imperialista e instrumentalmente liberal, mas não é humana. Em última
instância, é uma maneira de escravizar os povos”. Falando sobre sistemas econômicos, ele diz: "Todos
pensam que a Igreja é contra o comunismo; mas é tão contra esse
sistema quanto ao do liberalismo econômico de hoje, selvagem. Isso
também não é cristianismo, não podemos aceitá-lo. Temos que buscar a
igualdade de oportunidades e de direitos, lutar por benefícios sociais,
aposentadoria digna, férias, descanso, liberdade de associação. Todas
essas questões dizem respeito à justiça social".
São palavras bem claras. O que se espera, agora, é que não se percam,
que não sejam levadas pelo vento do esquecimento, que se transformem em
algo capaz de influir nos destinos dos homens. A Igreja do Papa
Francisco tem muitos débitos para com a Humanidade. A história nos
revela momentos em que talvez tivesse sido melhor que ela não
existisse.
Cabe ao Papa um papel relevante no momento por que passa a sociedade
humana, repleta de injustiças e indignidades. Ele pode – e deve – dar
respostas práticas à altura de suas apreciadas atitudes e palavras. Pode
– e deve – oxigenar sua Igreja com a execração definitiva dos que a
tem enxovalhado nos últimos tempos, inclusive no tocante ao metafórico “culto ao bezerro de ouro de antigamente”.
Pode - e deve – exigir dos seus fiéis participação integral no sentido
da construção de uma sociedade justa, digna, humana, liberta dos
mesquinhos interesses egoístas.
Falou-se muito , e ainda se fala, de uma participação dúbia do Papa
Francisco por ocasião da ditadura argentina, quando, ao que dizem os
seus críticos, teria tido comportamentos no mínimo omissos diante da
repressão. E alguns estudiosos das coisas do Vaticano consideram-no de
perfil conservador em relação a aspectos doutrinários da própria Igreja
– como o aborto, a eutanásia, o casamento gay, o celibato dos padres
ou o divórcio, por exemplo.
É, pois, esperar para ver. O momento é único para a renovação da
Igreja. Seu Papa está com a palavra. Mas o que os homens de bem –
religiosos ou não - realmente desejam é que ela corresponda aos
posicionamentos trancritos acima, como instrumento de reflexão sobre os
verdadeiros males da socidade humana de hoje. Ouvimos pouco sobre isso
em sua visita ao Brasil. Falar contra a corrupção virou moda e é um
mantra tão óbvio em nosso país que os próprios corruptos e fraudadores
se autoelegem paladinos da moralidade. É só acompanhar as recentes
matérias da midia alternativa – a que não frauda nem manipula – para
perceber como as falcatruas respingam para todo lado...
Se a voz do Papa será ou não efetivamente direcionada para a verdadeira
opção pelos miseráveis, pobres e famintos do mundo, pelos explorados e
excluídos do planeta, é o que todos saberemos nos próximos tempos.
Rodolpho Motta LimaNo Direto da Redação
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